No último sábado, 10, a estudante cristã Isabel Cristina, brutalmente assassinada em 1982 em Juiz de Fora (MG), foi beatificada pela Igreja Católica. Em outubro, outra jovem brasileira também passou pelo mesmo reconhecimento pela Igreja: a cearense Benigna Cardoso da Silva. O Estadão conversou com o historiador especialista em religião católica e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais Rodrigo Coppe para entender o que é beatificação e qual o processo para a canonização de santos.
De acordo com Coppe, a beatificação é uma das etapas de reconhecimento da Igreja Católica em relação à santidade de uma pessoa, enquanto a canonização é o estágio final, quando ela de fato é entendida como santa. “A beatificação é um momento de um processo muito longo de reconhecimento pela instituição católica de um santo”, diz.
Para se tornar um beato, é preciso comprovar que a pessoa foi intercessora de um milagre divino ou vítima de um martírio (quando passa por um grande sofrimento ou é morta em consequência da sua adesão à fé), como foi o caso de Isabel e de Benigna. Já para ser reconhecido como um santo, é necessário mais de um milagre comprovado.
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“Para a Igreja Católica, em linhas gerais, é considerado um milagre todo acontecimento sobrenatural, ou seja, que não pode ser explicado pela ciência natural, de causa e efeito”, explica Coppe.
Reconhecendo a santidade
Segundo o especialista, o processo de reconhecimento de uma pessoa como santa começa a partir do momento em que a comunidade em que ela vive ou viveu a reconhece por sua fé católica, compaixão e caridade. “Ela é indicada então pela própria comunidade ou por um padre ao bispo da região para que sua fama católica seja investigada”, diz.
Após uma primeira investigação sobre a veracidade dos fatos que mostram que a pessoa se destaca como uma cristã de excelência, o bispo entra com um pedido oficial de reconhecimento da pessoa como santa na Congregação para as Causas dos Santos, do Vaticano.
A partir do momento em que são comprovadas as suas virtudes e/ou milagres, ela recebe títulos de reconhecimento por isso – em casos de beatificação e canonização, o próprio papa se pronuncia, reconhecendo aquela pessoa por sua fé e sua atuação na comunidade que condiz com os preceitos católicos.
Se afirmada como santa pela Igreja Católica, a pessoa será reconhecida e cultuada como agente da fé pelo Vaticano e pelas igrejas espalhadas em todo. Já os beatos costumam ser reconhecidos e cultuados em nível regional na comunidade e no País em que viveram.
“Vale lembrar ainda que existem aqueles que nós chamamos de ‘santos do povo’, que são pessoas que são reconhecidas e cultuadas localmente pela comunidade católica, mas que não passaram ainda pelo processo de reconhecimento pela instituição”, acrescenta Coppe.
Diferença entre venerável, servo de Deus, beato e santo
Além do título de beato e santo, existe também o “venerável” e o “servo de Deus”. Entenda a diferença:
- Servos de Deus: pessoas que já possuem suas causas de beatificação oficialmente abertas e estão na fase diocesana do processo;
- Veneráveis: pessoas que já tiveram algumas de suas virtudes reconhecidas pela Igreja, recebendo o título de veneráveis;
- Beatos: pessoa que comprovadamente foi intercessor de um milagre ou sofreu um martírio;
- Canonizado: pessoa que tem mais de um milagre comprovado e por isso se torna santa.
Segundo Coppe, nos últimos 50 anos, cada vez mais pessoas “comuns”, como Isabel e Benigna, que não tinham um papel social católico – como padres e freiras – têm sido reconhecidas pela Igreja Católica. Com isso, a instituição visa a mostrar que os preceitos da fé, de compaixão e caridade, podem ser reproduzidos e reconhecidos em todos.
“O papa Paulo VI, que veio pouco antes do João Paulo II, dizia que ‘o santo e a santa são aqueles que vivem o ordinário de maneira extraordinária, o comum de maneira incomum’. Isso é uma mensagem muito forte para aquelas pessoas que entendiam a santidade apenas como fazer milagres”, explica o especialista.
Saiba quem são os santos brasileiros reconhecidos pela Igreja Católica
- Santo André de Soveral e companheiros: Mártires de Cunhaú e Uruaçu (Vinte e cinco homens e cinco mulheres mártires)
- Santo Antônio de Sant’Ana Galvão (Frei Galvão)
- Santa Dulce dos Pobres
- São José de Anchieta, SJ
- Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus
- São Roque Gonzales, Santo Afonso Rodrigues e São João de Castilho, mártires
Conheça a história dos santos brasileiros
São 37 santos brasileiros – nesta conta, são considerados todos os santos que viveram no Brasil, mesmo que tenham nascido em outros países.
A primeira personalidade a ser considerada uma santa brasileira foi Amabile Lucia Visintainer (1865-1942), a religiosa Madre Paulina, canonizada por João Paulo II em 19 de maio de 2002. Nascida na Itália, a freira passou a maior parte da vida no Brasil – atuou em Santa Catarina e em São Paulo, onde morreu no bairro do Ipiranga.
Antes, também pelas mãos de João Paulo II, três missionários jesuítas ligados ao Paraguai e mortos em terras brasileiras já haviam sido canonizados. O paraguaio Roque Gonzáles de Santa Cruz (1576-1628) e os espanóis Afonso Rodrigues (1598-1628) e Juan de Castillo (1595-1628) ficaram conhecidos como os “mártires do Rio Grande do Sul”.
O primeiro santo brasileiro nascido no Brasil seria reconhecido apenas em 2007, em missa celebrada pelo papa Bento XVI em São Paulo. O frade franciscano Antônio de Sant’Anna Galvão (1739-1822), mais conhecido como Frei Galvão, é famoso entre os fiéis pelos relatos de curas milagrosas.
Um dos fundadores da vila que daria origem à cidade de São Paulo, o jesuíta espanhol José de Anchieta (1534-1597) foi declarado santo em 2014, já pelo papa Francisco. No ano seguinte, acabaria reconhecido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) como um dos padroeiros do País.
Em 15 de outubro de 2017, Francisco aumentou a lista. Em uma prática relativamente comum de seu pontificado, as canonizações coletivas de grupos, tornou santos, de uma só vez, outros 30 personagens brasileiros: os “mártires de Cunhaú e Uruaçu”, vítimas de dois morticínios realizados em 1645 durante as invasões holandesas ao Brasil.
A mais recente canonização de uma brasileira foi a de Santa Dulce do Pobres. A baiana Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, Irmã Dulce dos Pobres, morreu em 1992 aos 77 anos e foi canonizada pelo papa Francisco em outubro de 2019.
Segundo a instituição Obras Sociais Irmã Dulce, por volta de 1927, aos 13 anos de idade, a adolescente começou a atender doentes no portão de casa. O local ficaria conhecido mais tarde como “A Portaria de São Francisco”. Conheça a história dela aqui. / Colaborou Edison Veiga