A luta pela igualdade de gênero ganha cada vez mais espaço entre jovens e adolescentes, mas não cresce somente entre os grupos desta faixa etária. Entre mulheres com mais de 50 anos, multiplicam-se as discussões sobre os desafios de enfrentar o machismo nessa fase da vida, quando aparece ainda o etarismo (discriminação pela idade). Ativistas e influenciadoras atuam para colocar o assunto na pauta – e mostrar que nunca é tarde para lutar contra o preconceito.
A jornalista Carla Leirner, de 60 anos, e a psicanalista Sylvia Loeb, de 79, filha e mãe, iniciaram um projeto para falar de fortalecimento emocional, liberdade, maturidade e resgate do amor próprio. O ‘Minha Idade Não Me Define’ é uma junção das expertises das duas e tem uma comunidade de 124 mil seguidores no Instagram e 8 mil no LinkedIn — a maioria, mulheres.
Com o crescimento do perfil, tem aumentado também a amplitude dos debates e a interação entre as seguidoras, que muitas vezes ajudam umas às outras nos comentários. “A gente fala de envelhecimento, mas também quer trazer uma troca de ideias sobre a posição da mulher, e elas vão se colocando cada vez mais. A primeira vez que a gente falou sobre sexo, foi um silêncio. Agora, se fala normalmente. A gente envelhece e cresce juntamente com elas”, conta Carla.
O projeto nasceu para conversar com mulheres acima dos 50 anos, mas a dupla logo percebeu que o papo atraía cada vez mais gente na faixa dos 40, que já começa a se identificar com a questão do etarismo.
Para Sylvia, o combate a essa discriminação é uma luta grande. “Estamos abrindo esse lugar de as mulheres poderem viver seu erotismo até mais tarde, serem empregadas e terem um lugar na sociedade, um lugar que é nosso. Dentro da nossa comunidade, isso amadureceu muito, mas a gente não pode pensar que o que acontece lá dentro, que é muito legal, aconteça no mundo”, ressalta.
Fugir da violência
Além do etarismo, questões ligadas à violência e à desigualdade de gênero trazem uma pressão extra ao cotidiano de brasileiras nesta faixa etária. Segundo a ativista Goretti Bussolo, de 56 anos, fundadora da ONG Todas Marias, é comum que as mulheres mais velhas tenham mais dificuldade de sair de situações de violência doméstica. Entre os motivos, ela enumera a dependência financeira, a falta de perspectivas para o futuro e a falta de apoio por parte de filhos e familiares.
Na Todas Marias, que faz ao menos seis atendimentos por dia, vítimas da violência doméstica buscam escuta e acolhimento e recebem direcionamento para denúncia, aconselhamento jurídico e atendimento terapêutico. Goretti viaja o Brasil dando palestras em igrejas, sindicatos e onde mais for convidada. Usando poesia, música e recursos de stand-up, suas palestras muitas vezes despertam as ouvintes para realidades difíceis de serem encaradas.
“Talvez tenha a ver com o fato de eu ser essa mulher que está por trás da ONG, que tem mais de 50 anos e que viveu a violência. Elas se veem em mim, porque é isso que acontece quando a gente está em situação de violência”, diz ela, também assessora especial para políticas das mulheres da Casa Civil do Paraná. Nas viagens, vê casos de vários tipos: das mulheres que caem em golpes dos “apaixonados da internet” e se veem cheias de dívidas às que passaram anos em casamentos em que sofriam violência. De donas de casa que nunca estiveram no mercado de trabalho formal a mulheres que construíram patrimônio, mas têm seus bens retidos pelos maridos.
Recentemente, Goretti tem trabalhado em cidades do interior predominantemente rurais e em igrejas. Nem sempre o assunto é abordado de forma direta, às vezes é diluído em um evento sobre autoestima feminina ou pincelado pelos líderes religiosos com as quais ela faz parcerias.
Transição etária
Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2030, o número de idosos no Brasil deve ultrapassar o total de crianças com idades entre zero e 14 anos.
Para a socióloga Maria do Carmo Guido Di Lascio, de 74 anos, pesquisadora de envelhecimento e conselheira no Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de São Paulo, a intensidade da transição demográfica requer atenção do poder público, principalmente por causa dos papéis sociais desempenhados por essa parcela da população. Segundo ela, essas mulheres são, em sua maior parte, “dependentes da seguridade social, negras e que sustentam ou contribuem largamente para o sustento e para a economia do cuidado da família”.
“As vovós são uma base importante de sustentação da família brasileira. É uma economia que não tem valor de mercado, mas elas estão em casa fazendo a reprodução da força de trabalho”, afirma Maria do Carmo.
Além da atuar no Conselho dos Direitos da Pessoa Idosa, cuja função é permitir a participação de membros da sociedade em avaliação e acompanhamento de políticas públicas (o chamado controle social), a socióloga faz parte do Coletivo pelos Direitos da Pessoa Idosa (CDPI) e da Marcha Mundial das Mulheres, organizações que buscam fazer ecoar as demandas das mulheres mais velhas.
Entre essas demandas, ela destaca o combate à discriminação no mercado de trabalho, assistência social e atendimento diferenciado na atenção básica de saúde, que atenda às especificidades da saúde da pessoa idosa.
Parte da primeira geração de feministas do Brasil, que apelida de “as setentonas”, Maria do Carmo frisa a necessidade de que as idosas defendam suas bandeiras dentro do movimento.
“Uma das primeiras pautas das reuniões do movimento feminista é a dos direitos reprodutivos, mas não estamos na idade reprodutiva e temos pautas diferenciadas. Nós sempre lutamos pelas demandas das jovens. Nossa demanda é que as jovens feministas fiquem atentas às nossas”, destaca.