Acho que o último envelope que eu recebi e não era um boleto data da década de 1990. Mas envelopes não servem só para esconder cartas. Conspirações. E declarações de amor. Helmuth von Moltke descobriu, no comando do exército da Prússia, o uso de envelopes militares para cercar e derrotar exércitos. Ao tempo em que uma força fica frente a outra, outras forças, em ações de mobilização, concentração e ataques, cercam o adversário pelos flancos e, criando um envelope ao seu redor.
Se contássemos ao grande estrategista que plataformas digitais usam a mesma estratégia agora, e ele entendesse o cenário, tenho certeza que acharia a coisa mais normal do mundo.
Há um caminho para disputar a liderança de mercados que não depende da inovação: é o envelopamento da plataforma concorrente. Uma plataforma adiciona às suas funções uma funcionalidade de outra e oferece um pacote multiplataforma. Exemplo: o Facebook absorve o WhatsApp e elimina a competição em conexão, relacionamento e interação interpessoal.
O preço pago pelo “ataque” do Facebook ao WhatsApp foi imenso: US$ 19 bilhões. Ou foi quase de graça, imaginando o que WhatsApp poderia fazer para “envelopar” Facebook.
Uma das principais razões para o envelopamento de plataformas é consolidar os dados e se tornar praticamente monopolista. E isso quase sempre acontece por meio da fusão de políticas de privacidade, o que Facebook está tentando com WhatsApp há algum tempo.
As estratégias de negócios digitais podem ser deliberadas (quando você tenta liderar o mercado) ou emergentes (quando você capta sinais do mercado e tenta envelopar a competição). A Microsoft já fez isso mais de uma vez, inclusive na grande guerra dos navegadores, casando Windows e seu browser, o Internet Explorer.
Depois de uma gestão que pode ser considerada uma das mais desastradas em qualquer grande companhia nos últimos 2.000 anos (leia-se Steve Ballmer), a companhia liderada por Satya Nadella anunciou que Windows 11 vai envelopar o Android, rodando apps desenvolvidos para a plataforma do Google de forma nativa.
As implicações são imensas; começam por uma convergência fixo e móvel (apps para smartphones) e podem levar a um novo espaço competitivo onde não há distinção entre os dois. Se a Microsoft não se perder no caminho, é um passo para mais liberdade e alternativas para os usuários. Por outro lado, muita gente terá toda razão do mundo em por um pé atrás e esperar para ver se o envelopamento será de Google, ou dos usuários de Android.
*É PROFESSOR EMÉRITO DA UFPE E PESQUISADOR DO INSTITUTO SENAI DE INOVAÇÃO. É FUNDADOR E PRESIDENTE DO CONSELHO DO PORTO DIGITAL