De mais de uma forma, tudo é software: cada vez mais, nossa performance é mediada por sistemas de informação e se torna cada vez mais difícil escapar deles, até para as coisas mais básicas. Básicas como água e eletricidade; hoje, se tirarmos software desses sistemas, eles param de funcionar imediatamente. Software, aquele de sistemas de informação, é código, conjuntos de instruções precisas para realização de ações por máquinas, feitas de silício.
Mas há mais software por aí, e muito. Em cada um de nós, por exemplo. DNA também é software, executado sobre carbono, ao invés de silício. Sob essa ótica, DNA é, literalmente, o código da vida, evoluindo de forma natural há bilhões de anos. Nos últimos anos, criamos a capacidade de manipular DNA quase da mesma forma que tratamos o código do software. De maneira bastante rudimentar, quando se compara com o que é feito em engenharia de software há décadas, é possível apagar e modificar trechos de DNA, com a criação de código genético em estágio ainda mais preliminar do que os dois primeiros.
Software é tecnologia, tecnologia é engenharia... e engenharia é o domínio da possibilidade. Se alguma coisa pode ser feita, será feita. O que não significa, por exemplo, que as bases teóricas que deveriam servir de sustentação para a performance técnica estejam resolvidas. Longe disso. Além de haver uma boa distância entre a teoria e as melhores práticas de escrever software e o que os engenheiros de software fazem na prática. Por isso – mas não só – que seus aplicativos têm tantas versões e que o código que você usa tem bugs [erros que levam a comportamento imprevisível], e é susceptível a ataques de hackers.
Depois dessa pequena conversa sobre engenharia de software, o que pode acontecer se você deletar parte do DNA de um ser vivo? Remover as duas cópias do gene MSTN de porcos resulta numa carne 12% mais magra, o que é fantástico. Mas... em 20% dos porcos aparece uma vértebra a mais. Por que? Não se sabe. E olha que aqui se trata de apagar um único gene.
Agora imagine o que pode acontecer se a gente tentasse editar seres humanos. Em revelação que deixou a comunidade científica global em polvorosa, He Jiankui, da SUSTech, anunciou a primeira edição de código genético de embriões humanos para criar resistência ao HIV [desabilitando o gene CCR5]. Os primeiros bebês – dos quais não há prova de existência – seriam gêmeas. Outro grupo, em Harvard, anunciou a edição de esperma para tentar reduzir o risco de Alzheimer. Breve, num embrião perto de você – talvez na década de 2020.
Além de todos os problemas éticos e morais que a abertura dessa caixa de Pandora suscita, há um conjunto básico de questões teóricas e práticas a resolver antes de começar a intervir no ciclo de evolução natural de DNA. Mas tecnologia é o domínio da possibilidade... e isso quase sempre é botar o depois antes do antes. Inovação quase sempre é isso, também: o depois antes do antes. O problema é fazer isso no domínio da vida, das nossas vidas. *É PROFESSOR EMÉRITO DA UFPE E PESQUISADOR DO INSTITUTO SENAI DE INOVAÇÃO. É FUNDADOR E PRESIDENTE DO CONSELHO DO PORTO DIGITAL