Ausência
Hei de edificar a vasta vida
que mesmo agora é teu espelho:
toda manhã hei de reconstruí-la.
Desde que te afastaste,
tantos lugares se tornaram inúteis
e sem sentido, como
luzes no dia.
Tardes que foram nicho de tua imagem,
músicas em que sempre me esperavas,
palavras daquele tempo,
eu terei de quebrá-las com minhas mãos.
Em que profundezas esconderei minha alma
para que não enxergue tua ausência
que como um sol terrível, sem ocaso,
brilha definitiva e impiedosa?
Tua ausência me cerca
como a corda o pescoço.
O mar em que naufraga.
Jorge Luís Borges - Primeira Poesia
***
Tive uma joia nos meus dedos -
E adormeci -
Quente era o dia, tédios os ventos -
"É minha" , eu disse -
Acordo e os meus honestos dedos
(Foi-se a gema) censuro -
Uma saudade de ametista
É o que eu possuo -
Emily Dickinson - Não sou ninguém
***
O amor nos conhece
E as ruínas nos assombram
Como nadar na noite tão dura
Radovan Ivsic - Poesia Reunida
***
Na solidão das noites úmidas
Como tenho pensado em ti na solidão das noites úmidas,
De névoa úmida,
Na areia úmida!
Eu te sabia assim também, assim olhando a mesma cousa
No ermo da noite que repousa.
E era como se a vida,
Mansa, pousasse as mãos sobre a minha ferida...
Mas, ah! como eu sentia
A falta de teu ser de volúpia e tristeza!
O mar... Onde se via o movimento da água,
Era como se a ádua estremecesse em mil sorrisos.
Como uma carne de mulher sob a carícia.
O luar era um afago tão suave,
- Tão imaterial
-E ao mesmo tempo tão voluptuoso e tão grave!
O luar era a minha inefável carícia:
A água era teu corpo a estremecer-se com delícia.
Ah! em música, pôr o que eu então sentia!
Unir no espasmo da harmonia
Esses dois ritmos contrastantes:
O frêmito tão perdidamente alegre de amor sob a carícia
E essa grave volúpia da luz branca.
Oh! viver contigo!
Viver contigo todos os instantes...
Harmoniosa e pura,
Sem lastimar a fuga irreparável dos anos,
Dos anos lentos e monótonos que passam,
Esperando sempre que maior ventura
Viesse um dia no beijo infinito da mesma morte...
Manuel Bandeira - Estrela da Vida Inteira
*** Estás ausente
Mas há no amor como que eterna sobrevivência
É como rosa
Que não se corta
E nem se colhe pela manhã
Estás ausente
Mas este amor
É bem aquele
Feito de destrelas
Que persistiram
Até que o dia se aproximasse
Estás ausente
Vivo e perene
Nestes abismos
Do pensamento
Hilda Hilst - Balada de Alzira - Poema VI