Desde a época da adolescência, quando acompanhava a militância dos pais no movimento negro, Luana Ozemela decidiu combater o racismo de uma perspectiva incomum: pela economia e pela tecnologia. Durante os sete anos na empresa de tecnologia HP, a gaúcha de Porto Alegre desenhou um projeto para aproximar os computadores de crianças em situação de vulnerabilidade social.
Depois de se formar em Economia, Luana atuou no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) liderando iniciativas de equidade racial e de gênero na América Latina. No doutorado, em Aberdeen, na Escócia, quis entender o impacto econômico do racismo.
Ao lado do marido, nigeriano que trabalha na indústria do petróleo, a executiva de 43 anos investe na terceira maior exportadora de hortifrúti de Ruanda, na África. Ela também ajudou a criar da BlackWin, primeira plataforma no Brasil que apoia mulheres negras a se tornarem investidoras-anjo, fazendo conexões com negócios de outras pessoas negras. É uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina em levantamento da Bloomberg.
“O empoderamento econômico é fundamental. A velocidade de apreciação de ativos como poupança e casa própria é baixa. É importante buscar ativos de alta rentabilidade. Isso é fundamental antes de assumir cargos em empresas públicas e privadas”, afirma.
Hoje, ela assumiu um desafio na iniciativa privada como vice-presidente de impacto do iFood. Um dos objetivos é ampliar a formação dos entregadores no ensino médio.
Para isso, ela afirma que a empresa financiou 26 mil bolsas em um curso preparatório para o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) para jovens e adultos que não concluíram o Ensino Fundamental ou Médio na idade adequada. Mais de oito mil entregadores compareceram à prova. “A razão de ter aceitado foi identificar o real potencial de políticas de igualdade racial em um ecossistema da nova economia, que conecta consumidores e estabelecimentos”, diz.
A trajetória de Luana ainda é raridade no Brasil. Apenas 3% dos cargos de liderança (cargo de gerente e acima) são ocupados por mulheres negras em um universo de 25% de gestoras e 75% gestores. Esse dado faz parte do estudo Representatividade, Diversidade e Percepção – Censo Multissetorial da Gestão Kairós 2022, com mais de 26 mil respondentes.
Levantamentos feitos com as empresas mostram uma proporção ainda menor. De acordo com a edição do ano 2023 do Índice de Equidade Racial nas Empresas, realizado pela Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, apenas 1,6% do total de pessoas da diretoria e conselho de administração são mulheres negras. Os dados abrangem mais de 40 grandes empresas no Brasil em 2022.
Entidade quer dez mil cargos de liderança até 2023
Nesse contexto, buscar uma liderança empresarial mais diversa, com mais mulheres negras, é um movimento relevante para promover mudanças estruturais nas empresas. Várias entidades procuram acelerar a ascensão de lideranças negras. Uma delas é o Movimento pela Equidade Racial (Mover), associação formada por 49 empresas que compartilham boas práticas e a aceleração da diversidade, equidade e inclusão.
Paralelamente aos programas de capacitação, como 35 mil bolsas de inglês de um ano, 100 bolsas graduação em Administração na Faculdade Zumbi dos Palmares, a entidade desenvolve ações específicas para lideranças, como o treinamento de letramento racial em parceria com o Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), que promove a igualdade racial. De acordo com a entidade, 800 líderes já fizeram o curso.
Além disso, a entidade pretende criar dez mil posições de supervisor, coordenador, gerente, diretor e vice-presidente até 2030. Por isso, todas as empresas têm o compromisso de aumentar a participação de negros e negras - cada empresa contribui individualmente com as vagas, sem metas gerais específicas. O desafio da entidade é expandir a base de associados, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
“É importante avançar na questão da equidade racial, com mudanças concretas e duradouras. Ainda não estamos lá. A chave é a alta liderança com maior proporção de negros. Ainda estamos na faixa de coordenadores e gerentes, mas com pouquíssimos CEOs”, diz a diretora-executiva Natalia Paiva.
A própria Natalia também possui uma trajetória singular. Com mais de 15 anos de experiência em estratégias de políticas públicas, a executiva soma passagens pela Meta, onde foi responsável por políticas públicas para o Instagram, e McKinsey, onde atuou como consultora para os setores público e social.
Maior capital social para executivos negros
O primeiro passo para ampliar o número de mulheres negras nos postos de liderança é um compromisso genuíno das organizações com a inclusão racial, estabelecendo metas de aumento e, a partir desses objetivos numéricos, traçar um plano de ação. É a a avaliação de Leizer Pereira, fundador e CEO da Empodera, plataforma que oferece consultoria especializada para candidatos negros, LGBTQIA+, mulheres e pessoas com deficiência.
“Os programas de aceleração incluem pacotes de desenvolvimento de hard skills, como cursos de inglês e capacitações técnicas, além de um pacote de soft skills, trabalhando a questão de liderança, inteligência emocional, pensamento crítico, criatividade, competências que as empresas estão demandando”, diz o especialista.
Também existem iniciativas para gerar capital social para líderes negros, ou seja, os vínculos sociais e profissionais, afinal grande parte dos cargos conquistados por executivos está relacionada à rede de contatos. No final do ano passado, o evento Future In Black reuniu 598 executivos de 108 empresas, entre CEOs, vice-presidentes, diretores, heads, gerentes e fundadores - mais de 65% em posições acima de alta gerência – em São Paulo.
O encontro inédito foi promovido pelo The Black Entrepreneurs Club (Bec), organização formada em 2022 para acelerar o acesso de startups aos investidores, em parceria com o Mover. A questão central é como direcionar mais investimentos para negócios e carreiras de pessoas negras. Douglas Vidal, gerente de Relacionamento Corporativo e Governamental do The Bec, afirma que apenas 1% do investimento global alcançou empresas fundadas por pessoas negras em 2022.
“No Brasil, as pessoas tentam relacionar esse movimento à agenda de diversidade. Na Inglaterra ou Estados Unidos são encontros de negócios e investimentos”, afirma. “Apoiamos as agendas de problemas raciais, que discutem as dificuldades e desafios de cada atividade, mas é preciso começar a falar sobre projetos internacionais de carreira para executivos negros, por exemplo”, diz o empreendedor de 24 anos.
Formado em Psicologia pela PUC-Rio, Douglas faz parte da Rede de Líderes da Fundação Lemann, conjunto de lideranças de alto potencial transformador e que propõe soluções para desafios sociais complexos do País. Como empreendedor, ele participa de vários programas de aceleração, como o Pró-líder, do Instituto Four.
Em 2021, sua empresa, a Aya Psicologia, conquistou o apoio da Fundação Beygood, da cantora Beyoncé, com um projeto para tornar os cuidados com a saúde mental mais acessíveis à população brasileira. “A presença de pessoas negras na liderança é uma agenda com muita coisa a ser feita, mas várias instituições estão atacando esse problema de uma forma mais estratégica.”
*Este conteúdo foi produzido em parceria com o The Black Entrepreneurs Club (BEC), que busca mais investimentos para comunidades negras, e o Movimento pela Equidade Racial (Mover), que trabalha pela equidade racial nas empresas.