Sonho do filho americano: brasileiros gastam mais de R$ 200 mil para ter bebê nos EUA


Parto no exterior é buscado por quem almeja cidadania americana para o filho. China lidera procura, mas brasileiros são cada vez mais frequentes. Processo é legal, mas exige cobertura de custos

Por Gonçalo Junior
Atualização:

Quando Marcus Nagem Jr. e Ivanice Campos embarcaram para Miami, em abril, as compras e passeios estavam em segundo plano. O foco era a maternidade. O casal viajou para dar à luz a primeira filha, Ivi, nos Estados Unidos.

Todo bebê que nasce em solo americano recebe a cidadania local, o que pode abrir portas nos colégios e universidades na adolescência, na opinião do casal. Para isso, eles desembolsaram R$ 100 mil só com a cesárea (parto normal custa R$ 80 mil). A conta chega perto dos 250 mil ao adicionar hospedagem, alimentação e transporte na cidade da Flórida por cerca de dois meses.

O parto no exterior foi a realização de um sonho do pai, empresário de sucesso do setor imobiliário em Minas que se apaixonou pelos EUA desde sua primeira viagem, em 1997. Esse desejo ganhou força com a admiração da mãe pela atriz Karina Bacchi, que deu à luz seu primeiro filho em 2017 em solo americano. Foi o impulso que faltava para a corretora de imóveis. Ivi nasceu no dia 10 de maio com 4 quilos e está bem. “Não considero um gasto. É um investimento no futuro dela”, diz Nagem.

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Os chineses estão entre os que mais procuram esse tipo de serviço, seguidos por russos, coreanos e mexicanos. Nos últimos anos, o número de brasileiros tem crescido. Todo o procedimento é legal, permitido pela legislação americana.

Essa procura inspirou o pediatra brasileiro Wladimir Lorentz a criar um serviço especializado em grávidas estrangeiras. Formado em Nova Orleans e residente nos EUA há mais de 30 anos, o médico notou quantidade de estrangeiros - em particular, russos -, que viajam só para ter o filho nos EUA.

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Assim, ele deixou a clínica pública onde trabalhava, fez uma sociedade com dois obstetras (um colombiano e um equatoriano), e criou em 2015 o programa “Ser mamãe em Miami”, um dos pioneiros no oferecimento de serviços integrados em obstetrícia e pediatria a gestantes estrangeiras.

No ano passado, Lorentz afirma ter recebido 250 famílias, especialmente da América Latina e Oriente Médio – brasileiras representam metade dos clientes. São em média 13 famílias por mês, entre políticos, empresários e fazendeiros. Até celebridades como o vereador Thammy Miranda (PL/SP) e a cantora Claudia Leitte estão na lista. A alta procura motivou o especialista a programar um evento para julho, em São Paulo.

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Há serviços semelhantes em outras cidades americanas. A Macrobaby, megaloja de produtos infantis e que também atrai celebridades, oferece assessoria para grávidas em parceria com clínicas e hospitais de Orlando. Existem seis pacotes disponíveis, mas a empresa não divulga os valores. Também é possível contratar médicos e hospitais isoladamente.

Quem opta por ter filho por lá pensa em facilitar o acesso aos melhores colégios e universidades americanas. É um investimento na educação, segundo o casal baiano Isis Barreto, de 34 anos, e Jackson Araújo, de 30. Os dois viajaram no fim de 2022 para que o primeiro filho, Kaleo, nascesse em Miami. “Muitas famílias deixam herança para os filhos. Deixamos essa oportunidade para ele fazer o que quiser. É um investimento no futuro dele desde o nascimento”, diz Isis, que é enfermeira.

Plano do carro blindado foi adiado

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Ser remunerado em real, aqui no Brasil, mas realizar os sonhos em dólar, com cotação de cinco para um, exige planejamento. O primeiro passo é se organizar financeiramente para ficar entre dois e três meses nos EUA – esse é o período recomendado pelos médicos para as primeiras vacinas dos bebês.

Para que Bella nascesse no fim do ano passado, o casal Vitor Matuoka e Gabrielle Martins adiou a troca do carro – eles queriam substituir o Volkswagem Jetta por um SUV blindado. Na viagem, os dois alugaram uma casa pela plataforma Airbnb - o valor saiu por cerca de US$ 3 mil – e preferiram fazer a maior parte das refeições em casa. O empresário de 29 anos conta que comer fora em Miami, no final do ano, não sai por menos de R$ 500 para os dois. Sem bebidas.

Gabrielle conta que o período fora do País trouxe saudades da família em um momento especial, mas fortaleceu os laços entre eles Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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Aos 6 meses, Bella é uma menina simpática, que mostra o sorriso ainda banguela após o cochilo da tarde. Parece mais com a mãe, principalmente os olhos, mas muitos parentes veem nela os traços do pai. Ela se encantou com os flashes e adora quando o pai faz cócegas em sua barriga. Gabrielle conta que o período fora do País trouxe saudades da família em um momento especial, mas fortaleceu os laços entre eles. “Um ajudou o outro e a gente se redescobriu”, conta a nutricionista de 26 anos.

Contas astronômicas preocupam pais

A experiência de parir fora do País pode ter dissabores. Uma grávida que prefere não se identificar afirma que sua conta hospitalar subiu de R$ 30 mil para R$ 117 mil em Orlando porque o filho precisou de cuidados médicos adicionais e ultrapassou as 48 horas previstas no contrato.

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Também há problemas relacionados às práticas médicas. Uma paciente de Miami reclama que a cesárea foi feita com um corte grande e alto, costume americano. Alguns usam até grampos para finalizar o procedimento - normalmente, os médicos latinos fazem a incisão menor e mais baixa. Além disso, há a dificuldade do idioma. Mesmo quem fala inglês com fluência esbarra em termos técnicos de difícil compreensão.

Esse é o mesmo ponto de atenção levantado pela ginecologista Karen Rocha De Pauw, especialista em Reprodução Humana pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Ela recomenda que as famílias comecem o pré-natal cedo, no Brasil, e que façam a viagem perto da 28ª semana, quando já existem maior controle e segurança sobre partos prematuros. E alerta sobre as diferenças do relacionamento entre médico e paciente.

“O idioma, a forma de tratamento médico e o tipo de parto são questões que preocupam as gestantes. Sugiro que elas viajem antes para conhecer o médico e o hospital. Não é só chegar e fazer o parto. Pacientes que vão para Estados Unidos, Inglaterra e Portugal afirmam que o relacionamento médico e paciente é diferente”, diz a especialista.

Marcus Nagem Jr e Ivanice Campos com a primeira filha, Ivi Foto: Cris Ulla

Além disso, uma pequena dor de cabeça só chega mais tarde. Cidadãos americanos são contribuintes fiscais nos EUA, como explica Marcelo Godke, professor do Insper, da Faap e do Ceu Law School. Isso significa que o cidadão terá de pagar Imposto de Renda ao governo americano, independentemente do lugar onde more e trabalhe. Isso significa ser tributado duas vezes: o pagamento feito no Brasil serve como “crédito” na hora de acertas as contas com o fisco americano. “Embora a alíquota máxima americana seja maior que a brasileira, em torno de 34%, a legislação permite maior número de deduções”, diz.

Direito à cidadania está previsto na Constituição americana

Receber atendimento médico e ter um bebê nos Estados Unidos são práticas condizentes com as leis americanas, como diz Marcelo Gondim, advogado licenciado na Califórnia e especializado em Direito Imigratório. A única exigência é que a gestante comprove condições de pagar pelos serviços médicos. Agentes consulares podem recusar vistos de turismo para grávidas, caso desconfiem que existe intenção em dar à luz nos EUA sem arcar com as despesas do tratamento.

Mas a cidadania americana não se estende imediatamente aos pais. “Cidadãos americanos só podem transmitir o direito a um green card para seus pais após terem completado 21 anos. Antes disso, não há alternativa na lei de imigração que permita que os pais estrangeiros morem no País”, diz Gondim.

Para ter direito também à cidadania brasileira, a criança deve ser registrada na Embaixada ou em um dos Consulados brasileiros em solo americano. Os dois países têm leis que possibilitam que um cidadão tenha uma nacionalidade sem abrir mão da outra.

Nos Estados Unidos, o tema gera controvérsia. Na campanha eleitoral de 2015, o então pré-candidato Donald Trump defendeu o fim da concessão automática de cidadania a filhos de estrangeiros para dificultar a chegada de imigrantes. Grupos contrários à imigração falam em sobrecarga do sistema de saúde e o incentivo a profissionais clandestinos que não têm licença para exercer medicina no País.

O Centro de Estudos de Imigração (Center for Immigration Studies), por exemplo, fala em 33 mil partos anuais de mulheres que viajam para dar à luz em território americano. O grupo, porém, faz parte do crescente movimento anti-imigração nos Estados Unidos e já foi apontado como responsável por espalhar discurso de ódio contra esses grupos. Outras organizações do terceiro setor apontam erros metodológicos nos cálculos feitos pelo CIS.

O pré-candidato republicano Jeb Bush defendeu a regra atual, mas gerou incômodo nos eleitores imigrantes ao se referir às crianças como “bebês âncoras”, expressão pejorativa que insinua que elas seriam uma base de apoio para que os pais se tornem, eles próprios, cidadãos americanos. Segundo o Migration Policy Institute, estima-se que 4,1 milhões de crianças americanas tenham vivido com pelo menos um progenitor sem documentos nos últimos anos.

O que diz o governo americano

A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil informou que “visitar os EUA com o objetivo principal de dar à luz e obter cidadania norte-americana para a criança, uma prática normalmente chamada de “Birth Tourism”, não é base para qualificação para um visto de não-imigrante na categoria B, cujo propósito geralmente se destina a viagens de turismo ou recreativas.

Todos os solicitantes de visto devem demonstrar ao oficial consular que não têm intenção de usar seu visto de visitante para permanecer indefinidamente nos EUA e que possuem os recursos e intenção de pagar por todos os gastos de sua viagem.

Segundo os regulamentos do Departamento de Estado, solicitantes que pretendem viajar aos EUA para dar à luz não são necessariamente inelegíveis para um visto de não imigrante na categoria B.

No entanto, um solicitante cujo oficial consular acredita que dará à luz nos EUA deve estabelecer um motivo legítimo de viagem, que não seja o de obter a cidadania americana para a criança. Em algumas circunstâncias, esse motivo legítimo pode ser a de viajar ao país para receber atendimento médico especializado.

Quando Marcus Nagem Jr. e Ivanice Campos embarcaram para Miami, em abril, as compras e passeios estavam em segundo plano. O foco era a maternidade. O casal viajou para dar à luz a primeira filha, Ivi, nos Estados Unidos.

Todo bebê que nasce em solo americano recebe a cidadania local, o que pode abrir portas nos colégios e universidades na adolescência, na opinião do casal. Para isso, eles desembolsaram R$ 100 mil só com a cesárea (parto normal custa R$ 80 mil). A conta chega perto dos 250 mil ao adicionar hospedagem, alimentação e transporte na cidade da Flórida por cerca de dois meses.

O parto no exterior foi a realização de um sonho do pai, empresário de sucesso do setor imobiliário em Minas que se apaixonou pelos EUA desde sua primeira viagem, em 1997. Esse desejo ganhou força com a admiração da mãe pela atriz Karina Bacchi, que deu à luz seu primeiro filho em 2017 em solo americano. Foi o impulso que faltava para a corretora de imóveis. Ivi nasceu no dia 10 de maio com 4 quilos e está bem. “Não considero um gasto. É um investimento no futuro dela”, diz Nagem.

Os chineses estão entre os que mais procuram esse tipo de serviço, seguidos por russos, coreanos e mexicanos. Nos últimos anos, o número de brasileiros tem crescido. Todo o procedimento é legal, permitido pela legislação americana.

Essa procura inspirou o pediatra brasileiro Wladimir Lorentz a criar um serviço especializado em grávidas estrangeiras. Formado em Nova Orleans e residente nos EUA há mais de 30 anos, o médico notou quantidade de estrangeiros - em particular, russos -, que viajam só para ter o filho nos EUA.

Assim, ele deixou a clínica pública onde trabalhava, fez uma sociedade com dois obstetras (um colombiano e um equatoriano), e criou em 2015 o programa “Ser mamãe em Miami”, um dos pioneiros no oferecimento de serviços integrados em obstetrícia e pediatria a gestantes estrangeiras.

No ano passado, Lorentz afirma ter recebido 250 famílias, especialmente da América Latina e Oriente Médio – brasileiras representam metade dos clientes. São em média 13 famílias por mês, entre políticos, empresários e fazendeiros. Até celebridades como o vereador Thammy Miranda (PL/SP) e a cantora Claudia Leitte estão na lista. A alta procura motivou o especialista a programar um evento para julho, em São Paulo.

Há serviços semelhantes em outras cidades americanas. A Macrobaby, megaloja de produtos infantis e que também atrai celebridades, oferece assessoria para grávidas em parceria com clínicas e hospitais de Orlando. Existem seis pacotes disponíveis, mas a empresa não divulga os valores. Também é possível contratar médicos e hospitais isoladamente.

Quem opta por ter filho por lá pensa em facilitar o acesso aos melhores colégios e universidades americanas. É um investimento na educação, segundo o casal baiano Isis Barreto, de 34 anos, e Jackson Araújo, de 30. Os dois viajaram no fim de 2022 para que o primeiro filho, Kaleo, nascesse em Miami. “Muitas famílias deixam herança para os filhos. Deixamos essa oportunidade para ele fazer o que quiser. É um investimento no futuro dele desde o nascimento”, diz Isis, que é enfermeira.

Plano do carro blindado foi adiado

Ser remunerado em real, aqui no Brasil, mas realizar os sonhos em dólar, com cotação de cinco para um, exige planejamento. O primeiro passo é se organizar financeiramente para ficar entre dois e três meses nos EUA – esse é o período recomendado pelos médicos para as primeiras vacinas dos bebês.

Para que Bella nascesse no fim do ano passado, o casal Vitor Matuoka e Gabrielle Martins adiou a troca do carro – eles queriam substituir o Volkswagem Jetta por um SUV blindado. Na viagem, os dois alugaram uma casa pela plataforma Airbnb - o valor saiu por cerca de US$ 3 mil – e preferiram fazer a maior parte das refeições em casa. O empresário de 29 anos conta que comer fora em Miami, no final do ano, não sai por menos de R$ 500 para os dois. Sem bebidas.

Gabrielle conta que o período fora do País trouxe saudades da família em um momento especial, mas fortaleceu os laços entre eles Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Aos 6 meses, Bella é uma menina simpática, que mostra o sorriso ainda banguela após o cochilo da tarde. Parece mais com a mãe, principalmente os olhos, mas muitos parentes veem nela os traços do pai. Ela se encantou com os flashes e adora quando o pai faz cócegas em sua barriga. Gabrielle conta que o período fora do País trouxe saudades da família em um momento especial, mas fortaleceu os laços entre eles. “Um ajudou o outro e a gente se redescobriu”, conta a nutricionista de 26 anos.

Contas astronômicas preocupam pais

A experiência de parir fora do País pode ter dissabores. Uma grávida que prefere não se identificar afirma que sua conta hospitalar subiu de R$ 30 mil para R$ 117 mil em Orlando porque o filho precisou de cuidados médicos adicionais e ultrapassou as 48 horas previstas no contrato.

Também há problemas relacionados às práticas médicas. Uma paciente de Miami reclama que a cesárea foi feita com um corte grande e alto, costume americano. Alguns usam até grampos para finalizar o procedimento - normalmente, os médicos latinos fazem a incisão menor e mais baixa. Além disso, há a dificuldade do idioma. Mesmo quem fala inglês com fluência esbarra em termos técnicos de difícil compreensão.

Esse é o mesmo ponto de atenção levantado pela ginecologista Karen Rocha De Pauw, especialista em Reprodução Humana pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Ela recomenda que as famílias comecem o pré-natal cedo, no Brasil, e que façam a viagem perto da 28ª semana, quando já existem maior controle e segurança sobre partos prematuros. E alerta sobre as diferenças do relacionamento entre médico e paciente.

“O idioma, a forma de tratamento médico e o tipo de parto são questões que preocupam as gestantes. Sugiro que elas viajem antes para conhecer o médico e o hospital. Não é só chegar e fazer o parto. Pacientes que vão para Estados Unidos, Inglaterra e Portugal afirmam que o relacionamento médico e paciente é diferente”, diz a especialista.

Marcus Nagem Jr e Ivanice Campos com a primeira filha, Ivi Foto: Cris Ulla

Além disso, uma pequena dor de cabeça só chega mais tarde. Cidadãos americanos são contribuintes fiscais nos EUA, como explica Marcelo Godke, professor do Insper, da Faap e do Ceu Law School. Isso significa que o cidadão terá de pagar Imposto de Renda ao governo americano, independentemente do lugar onde more e trabalhe. Isso significa ser tributado duas vezes: o pagamento feito no Brasil serve como “crédito” na hora de acertas as contas com o fisco americano. “Embora a alíquota máxima americana seja maior que a brasileira, em torno de 34%, a legislação permite maior número de deduções”, diz.

Direito à cidadania está previsto na Constituição americana

Receber atendimento médico e ter um bebê nos Estados Unidos são práticas condizentes com as leis americanas, como diz Marcelo Gondim, advogado licenciado na Califórnia e especializado em Direito Imigratório. A única exigência é que a gestante comprove condições de pagar pelos serviços médicos. Agentes consulares podem recusar vistos de turismo para grávidas, caso desconfiem que existe intenção em dar à luz nos EUA sem arcar com as despesas do tratamento.

Mas a cidadania americana não se estende imediatamente aos pais. “Cidadãos americanos só podem transmitir o direito a um green card para seus pais após terem completado 21 anos. Antes disso, não há alternativa na lei de imigração que permita que os pais estrangeiros morem no País”, diz Gondim.

Para ter direito também à cidadania brasileira, a criança deve ser registrada na Embaixada ou em um dos Consulados brasileiros em solo americano. Os dois países têm leis que possibilitam que um cidadão tenha uma nacionalidade sem abrir mão da outra.

Nos Estados Unidos, o tema gera controvérsia. Na campanha eleitoral de 2015, o então pré-candidato Donald Trump defendeu o fim da concessão automática de cidadania a filhos de estrangeiros para dificultar a chegada de imigrantes. Grupos contrários à imigração falam em sobrecarga do sistema de saúde e o incentivo a profissionais clandestinos que não têm licença para exercer medicina no País.

O Centro de Estudos de Imigração (Center for Immigration Studies), por exemplo, fala em 33 mil partos anuais de mulheres que viajam para dar à luz em território americano. O grupo, porém, faz parte do crescente movimento anti-imigração nos Estados Unidos e já foi apontado como responsável por espalhar discurso de ódio contra esses grupos. Outras organizações do terceiro setor apontam erros metodológicos nos cálculos feitos pelo CIS.

O pré-candidato republicano Jeb Bush defendeu a regra atual, mas gerou incômodo nos eleitores imigrantes ao se referir às crianças como “bebês âncoras”, expressão pejorativa que insinua que elas seriam uma base de apoio para que os pais se tornem, eles próprios, cidadãos americanos. Segundo o Migration Policy Institute, estima-se que 4,1 milhões de crianças americanas tenham vivido com pelo menos um progenitor sem documentos nos últimos anos.

O que diz o governo americano

A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil informou que “visitar os EUA com o objetivo principal de dar à luz e obter cidadania norte-americana para a criança, uma prática normalmente chamada de “Birth Tourism”, não é base para qualificação para um visto de não-imigrante na categoria B, cujo propósito geralmente se destina a viagens de turismo ou recreativas.

Todos os solicitantes de visto devem demonstrar ao oficial consular que não têm intenção de usar seu visto de visitante para permanecer indefinidamente nos EUA e que possuem os recursos e intenção de pagar por todos os gastos de sua viagem.

Segundo os regulamentos do Departamento de Estado, solicitantes que pretendem viajar aos EUA para dar à luz não são necessariamente inelegíveis para um visto de não imigrante na categoria B.

No entanto, um solicitante cujo oficial consular acredita que dará à luz nos EUA deve estabelecer um motivo legítimo de viagem, que não seja o de obter a cidadania americana para a criança. Em algumas circunstâncias, esse motivo legítimo pode ser a de viajar ao país para receber atendimento médico especializado.

Quando Marcus Nagem Jr. e Ivanice Campos embarcaram para Miami, em abril, as compras e passeios estavam em segundo plano. O foco era a maternidade. O casal viajou para dar à luz a primeira filha, Ivi, nos Estados Unidos.

Todo bebê que nasce em solo americano recebe a cidadania local, o que pode abrir portas nos colégios e universidades na adolescência, na opinião do casal. Para isso, eles desembolsaram R$ 100 mil só com a cesárea (parto normal custa R$ 80 mil). A conta chega perto dos 250 mil ao adicionar hospedagem, alimentação e transporte na cidade da Flórida por cerca de dois meses.

O parto no exterior foi a realização de um sonho do pai, empresário de sucesso do setor imobiliário em Minas que se apaixonou pelos EUA desde sua primeira viagem, em 1997. Esse desejo ganhou força com a admiração da mãe pela atriz Karina Bacchi, que deu à luz seu primeiro filho em 2017 em solo americano. Foi o impulso que faltava para a corretora de imóveis. Ivi nasceu no dia 10 de maio com 4 quilos e está bem. “Não considero um gasto. É um investimento no futuro dela”, diz Nagem.

Os chineses estão entre os que mais procuram esse tipo de serviço, seguidos por russos, coreanos e mexicanos. Nos últimos anos, o número de brasileiros tem crescido. Todo o procedimento é legal, permitido pela legislação americana.

Essa procura inspirou o pediatra brasileiro Wladimir Lorentz a criar um serviço especializado em grávidas estrangeiras. Formado em Nova Orleans e residente nos EUA há mais de 30 anos, o médico notou quantidade de estrangeiros - em particular, russos -, que viajam só para ter o filho nos EUA.

Assim, ele deixou a clínica pública onde trabalhava, fez uma sociedade com dois obstetras (um colombiano e um equatoriano), e criou em 2015 o programa “Ser mamãe em Miami”, um dos pioneiros no oferecimento de serviços integrados em obstetrícia e pediatria a gestantes estrangeiras.

No ano passado, Lorentz afirma ter recebido 250 famílias, especialmente da América Latina e Oriente Médio – brasileiras representam metade dos clientes. São em média 13 famílias por mês, entre políticos, empresários e fazendeiros. Até celebridades como o vereador Thammy Miranda (PL/SP) e a cantora Claudia Leitte estão na lista. A alta procura motivou o especialista a programar um evento para julho, em São Paulo.

Há serviços semelhantes em outras cidades americanas. A Macrobaby, megaloja de produtos infantis e que também atrai celebridades, oferece assessoria para grávidas em parceria com clínicas e hospitais de Orlando. Existem seis pacotes disponíveis, mas a empresa não divulga os valores. Também é possível contratar médicos e hospitais isoladamente.

Quem opta por ter filho por lá pensa em facilitar o acesso aos melhores colégios e universidades americanas. É um investimento na educação, segundo o casal baiano Isis Barreto, de 34 anos, e Jackson Araújo, de 30. Os dois viajaram no fim de 2022 para que o primeiro filho, Kaleo, nascesse em Miami. “Muitas famílias deixam herança para os filhos. Deixamos essa oportunidade para ele fazer o que quiser. É um investimento no futuro dele desde o nascimento”, diz Isis, que é enfermeira.

Plano do carro blindado foi adiado

Ser remunerado em real, aqui no Brasil, mas realizar os sonhos em dólar, com cotação de cinco para um, exige planejamento. O primeiro passo é se organizar financeiramente para ficar entre dois e três meses nos EUA – esse é o período recomendado pelos médicos para as primeiras vacinas dos bebês.

Para que Bella nascesse no fim do ano passado, o casal Vitor Matuoka e Gabrielle Martins adiou a troca do carro – eles queriam substituir o Volkswagem Jetta por um SUV blindado. Na viagem, os dois alugaram uma casa pela plataforma Airbnb - o valor saiu por cerca de US$ 3 mil – e preferiram fazer a maior parte das refeições em casa. O empresário de 29 anos conta que comer fora em Miami, no final do ano, não sai por menos de R$ 500 para os dois. Sem bebidas.

Gabrielle conta que o período fora do País trouxe saudades da família em um momento especial, mas fortaleceu os laços entre eles Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Aos 6 meses, Bella é uma menina simpática, que mostra o sorriso ainda banguela após o cochilo da tarde. Parece mais com a mãe, principalmente os olhos, mas muitos parentes veem nela os traços do pai. Ela se encantou com os flashes e adora quando o pai faz cócegas em sua barriga. Gabrielle conta que o período fora do País trouxe saudades da família em um momento especial, mas fortaleceu os laços entre eles. “Um ajudou o outro e a gente se redescobriu”, conta a nutricionista de 26 anos.

Contas astronômicas preocupam pais

A experiência de parir fora do País pode ter dissabores. Uma grávida que prefere não se identificar afirma que sua conta hospitalar subiu de R$ 30 mil para R$ 117 mil em Orlando porque o filho precisou de cuidados médicos adicionais e ultrapassou as 48 horas previstas no contrato.

Também há problemas relacionados às práticas médicas. Uma paciente de Miami reclama que a cesárea foi feita com um corte grande e alto, costume americano. Alguns usam até grampos para finalizar o procedimento - normalmente, os médicos latinos fazem a incisão menor e mais baixa. Além disso, há a dificuldade do idioma. Mesmo quem fala inglês com fluência esbarra em termos técnicos de difícil compreensão.

Esse é o mesmo ponto de atenção levantado pela ginecologista Karen Rocha De Pauw, especialista em Reprodução Humana pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Ela recomenda que as famílias comecem o pré-natal cedo, no Brasil, e que façam a viagem perto da 28ª semana, quando já existem maior controle e segurança sobre partos prematuros. E alerta sobre as diferenças do relacionamento entre médico e paciente.

“O idioma, a forma de tratamento médico e o tipo de parto são questões que preocupam as gestantes. Sugiro que elas viajem antes para conhecer o médico e o hospital. Não é só chegar e fazer o parto. Pacientes que vão para Estados Unidos, Inglaterra e Portugal afirmam que o relacionamento médico e paciente é diferente”, diz a especialista.

Marcus Nagem Jr e Ivanice Campos com a primeira filha, Ivi Foto: Cris Ulla

Além disso, uma pequena dor de cabeça só chega mais tarde. Cidadãos americanos são contribuintes fiscais nos EUA, como explica Marcelo Godke, professor do Insper, da Faap e do Ceu Law School. Isso significa que o cidadão terá de pagar Imposto de Renda ao governo americano, independentemente do lugar onde more e trabalhe. Isso significa ser tributado duas vezes: o pagamento feito no Brasil serve como “crédito” na hora de acertas as contas com o fisco americano. “Embora a alíquota máxima americana seja maior que a brasileira, em torno de 34%, a legislação permite maior número de deduções”, diz.

Direito à cidadania está previsto na Constituição americana

Receber atendimento médico e ter um bebê nos Estados Unidos são práticas condizentes com as leis americanas, como diz Marcelo Gondim, advogado licenciado na Califórnia e especializado em Direito Imigratório. A única exigência é que a gestante comprove condições de pagar pelos serviços médicos. Agentes consulares podem recusar vistos de turismo para grávidas, caso desconfiem que existe intenção em dar à luz nos EUA sem arcar com as despesas do tratamento.

Mas a cidadania americana não se estende imediatamente aos pais. “Cidadãos americanos só podem transmitir o direito a um green card para seus pais após terem completado 21 anos. Antes disso, não há alternativa na lei de imigração que permita que os pais estrangeiros morem no País”, diz Gondim.

Para ter direito também à cidadania brasileira, a criança deve ser registrada na Embaixada ou em um dos Consulados brasileiros em solo americano. Os dois países têm leis que possibilitam que um cidadão tenha uma nacionalidade sem abrir mão da outra.

Nos Estados Unidos, o tema gera controvérsia. Na campanha eleitoral de 2015, o então pré-candidato Donald Trump defendeu o fim da concessão automática de cidadania a filhos de estrangeiros para dificultar a chegada de imigrantes. Grupos contrários à imigração falam em sobrecarga do sistema de saúde e o incentivo a profissionais clandestinos que não têm licença para exercer medicina no País.

O Centro de Estudos de Imigração (Center for Immigration Studies), por exemplo, fala em 33 mil partos anuais de mulheres que viajam para dar à luz em território americano. O grupo, porém, faz parte do crescente movimento anti-imigração nos Estados Unidos e já foi apontado como responsável por espalhar discurso de ódio contra esses grupos. Outras organizações do terceiro setor apontam erros metodológicos nos cálculos feitos pelo CIS.

O pré-candidato republicano Jeb Bush defendeu a regra atual, mas gerou incômodo nos eleitores imigrantes ao se referir às crianças como “bebês âncoras”, expressão pejorativa que insinua que elas seriam uma base de apoio para que os pais se tornem, eles próprios, cidadãos americanos. Segundo o Migration Policy Institute, estima-se que 4,1 milhões de crianças americanas tenham vivido com pelo menos um progenitor sem documentos nos últimos anos.

O que diz o governo americano

A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil informou que “visitar os EUA com o objetivo principal de dar à luz e obter cidadania norte-americana para a criança, uma prática normalmente chamada de “Birth Tourism”, não é base para qualificação para um visto de não-imigrante na categoria B, cujo propósito geralmente se destina a viagens de turismo ou recreativas.

Todos os solicitantes de visto devem demonstrar ao oficial consular que não têm intenção de usar seu visto de visitante para permanecer indefinidamente nos EUA e que possuem os recursos e intenção de pagar por todos os gastos de sua viagem.

Segundo os regulamentos do Departamento de Estado, solicitantes que pretendem viajar aos EUA para dar à luz não são necessariamente inelegíveis para um visto de não imigrante na categoria B.

No entanto, um solicitante cujo oficial consular acredita que dará à luz nos EUA deve estabelecer um motivo legítimo de viagem, que não seja o de obter a cidadania americana para a criança. Em algumas circunstâncias, esse motivo legítimo pode ser a de viajar ao país para receber atendimento médico especializado.

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