Nesta quinta-feira, 17, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento sobre descriminalização da posse de drogas para consumo próprio. Por enquanto, quatro dos 11 ministros já votaram, todos a favor da descriminalização, embora com parâmetros distintos.
Esse debate foi provocado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que em fevereiro de 2011 apresentou recurso extraordinário ao STF contra a condenação de um homem pelo porte de 3 gramas de maconha. O réu, um mecânico de 50 anos, estava preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Diadema por outros crimes, dividia a cela com 33 detentos e foi flagrado com a droga.
Ele afirmou, à época, que assumiu ser o dono do entorpecente para respeitar um rodízio estabelecido entre os detentos. A tese da Defensoria é que, ao consumir drogas, a pessoa só está fazendo mal a ela própria, e isso não é crime e a condenação por posse para uso próprio seria inconstitucional.
Quando o caso chegou ao STF, já fazia quase 17 anos que a Corte Constitucional da Colômbia tinha descriminalizado o porte de drogas para uso pessoal. Depois disso, outros países das Américas tomaram a mesma decisão, aponta o Monitor de Políticas de Drogas nas Américas, do Instituto Igarapé. Hoje, existem 21 países em que a posse de drogas ainda é crime, mas em alguns desses a pena foi extinta, então não há punição.
Descriminalizar a posse não significa liberar a compra e a venda da droga – essas condutas não estão em discussão no julgamento que será retomado pelo órgão máximo da Justiça Brasileira.
O Brasil faz parte do grupo de 22 países da região que têm o uso medicinal de cannabis permitido – e dos 20 que autorizam a produção e distribuição da planta para esse fim.
O Monitor de Políticas de Drogas nas Américas aponta que quatro países nas Américas regulam a cannabis para fins recreativos: Canadá, Dominica, Uruguai e Estados Unidos, onde 23 Estados, além do Distrito de Colúmbia e Ilhas Virgens Americanas, legalizaram esse consumo, com quantidades que variam de acordo com o marco regulatório de cada um.
No Uruguai, a compra de até 40 gramas por mês de maconha, em farmácias especializadas, foi legalizada em 2013.
Qual foi a decisão do STF sobre o porte de drogas?
O STF deu início ao julgamento em agosto de 2015, com o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, que defendeu a descriminalização da posse de qualquer tipo de droga e não estabeleceu quantidade. Em seguida votou o ministro Edson Fachin, que restringiu a descriminalização à maconha e delegou ao Congresso Nacional a responsabilidade de estabelecer um parâmetro quantitativo.
O terceiro a votar foi Luis Roberto Barroso, que também restringiu a descriminalização à maconha e estabeleceu o limite de 25 gramas. O quarto ministro a votar seria Teori Zavascki, mas ele pediu vista e o julgamento foi interrompido. Zavascki morreu em janeiro de 2017, sem dar seu voto.
O ministro Alexandre de Moraes, alçado ao STF na vaga de Zavascki, tornou-se responsável pelo voto e liberou o processo para que o julgamento recomeçasse no segundo semestre de 2018. Em 2019, o então presidente do STF, Dias Toffoli, chegou a marcar o reinício do julgamento, mas retirou a ação da pauta (lista de processos que irão a julgamento).
O caso só voltou a julgamento em 2 de agosto passado, quando Moraes proferiu seu voto – ele restringiu a descriminalização à maconha e estabeleceu até 60 gramas do produto. Em seguida, o ministro Gilmar Mendes pediu a interrupção do julgamento para formular uma nova tese sobre o caso.
O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio Thiago Bottino considera que escolhas feitas por outros países podem não ser boas para o Brasil, mas ressalta que organizações internacionais orientam pela mudança na política de drogas: “Não é porque no país A ou B é de um jeito diferente que o Brasil está errado. Cada um tem seu momento histórico. Mas, pensando em organizações internacionais, as orientações mais recentes são de que a questão das drogas tem de ser pensada de outra forma, mais eficiente”, disse.
A cientista política Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé, diz que países que já descriminalizaram o porte de drogas para consumo pessoal não tiveram aumento da criminalidade.
“Portugal, por exemplo, que já descriminaliza todas as drogas para uso desde 2001, se tornou referência tanto na redução da violência e tratamento para dependentes químicos como pela diminuição significativa do consumo de drogas como a cocaína e a heroína. O país também conseguiu reduzir sua população carcerária por motivos relacionados às drogas, retirando a pauta da esfera criminal e a deslocando para o campo da saúde pública.”
Ela é favorável à descriminalização do porte no Brasil, e defende que o tema seja tratado sob a ótica da saúde pública, não da Justiça. “Isso não só é mais humano, pois evita o sofrimento desnecessário de indivíduos, família e da sociedade com a guerra às drogas, como também é mais barato e eficaz. O Brasil tem insistido no que comprovadamente não dá certo. Já passou da hora de fazer melhores escolhas e testar caminhos promissores, como tantos outros países já mostraram.”
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já classificou como um “equívoco grave” a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal. Segundo Pacheco, a discussão sobre a alteração da lei que trata das punições para usuários de entorpecentes cabe exclusivamente ao Poder Legislativo, e não ao Judiciário. De acordo com o presidente do Senado, há uma intromissão do STF nas decisões do Congresso Nacional.
Em entrevista ao Estadão em junho, quando havia a expectativa de que a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal voltasse a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador do Ministério Público de São Paulo Márcio Sergio Christino, destacou ser contraditório discutir a descriminalização do porte sem tratar a regulação de mercado.
“A simples liberação do consumo de drogas, por um direito à intimidade, traz consequências danosas para a sociedade”, disse. “Principalmente na questão do crime organizado, já que vai se criar uma demanda para a qual há necessidade de fornecimento e de se incrementar o mercado. Não há compra sem venda.”