O número de pedidos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) atingiu em 2016 o recorde absoluto das últimas décadas. Até o início da crise política que levou à cassação da presidente Dilma Rousseff, esses pedidos eram raros: de 2000 a 2014, houve apenas cinco. Em 2015, dois pedidos foram protocolados no Senado. O número explodiu em 2016, quando houve 11 requerimentos para impedir seis ministros da Corte.
O movimento pode ser visto como uma reação à atuação cada vez mais política que o STF tem adotado nos últimos anos, quando tomou decisões polêmicas envolvendo autoridades de outros Poderes – e muitas vezes em caráter liminar. De 2015 para cá, por exemplo, a Corte determinou o afastamento do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), proibiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de assumir ministério no governo Dilma e chegou até a remover o atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de seu cargo de maneira monocrática, decisão que depois foi revista pelo plenário.
“A crise política fez com que a Corte tomasse decisão em casos polêmicos, desagradando aos lados da disputa política. E a presença de grupos cada vez mais atuantes e a facilidade de protocolar pedidos de impeachment levaram a esse aumento”, afirma o cientista político Rodrigo Martins, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).
Entre os ministros que foram alvo das ações no ano passado, o líder é Luís Roberto Barroso, com três pedidos de impedimento. Dois deles têm como base o mesmo fato: a decisão do STF em anular a votação secreta determinada por Cunha para criar a comissão de análise do impeachment de Dilma, no fim de 2015. Barroso foi o relator desse caso no plenário e, segundo os autores dos pedidos, “mentiu por omisso” ao não ler por completo um artigo do Regimento Interno da Câmara que, supostamente, garantiria a constitucionalidade da votação.
“O Supremo está muito ativista. Eles começaram a legislar e interferir nos outros Poderes”, diz o autor de um dos pedidos, Salim Rogério Bittar, de 62 anos. Ele é administrador de empresas em Goiânia e diz que passou a se interessar por política recentemente, após ver o forte impacto da crise econômica no mercado local. “Hoje participo dos movimentos de rua que pediram o impeachment da Dilma. Aí comecei a ler tudo, a me informar. E eu e um grupo de colegas vimos que, nesse caso, o Barroso praticamente inventou o regimento”, diz.
Em seguida, três ministros estão empatados com dois pedidos cada – Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. No caso de Gilmar, seus dois processos são de autoria de juristas conhecidos – um deles é assinado pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Lemos Fonteles e o outro pelo professor de Direito Administrativo da PUC-SP Celso Antônio Bandeira de Mello.
Acusações. Fonteles e seus coautores acusam Gilmar de se manifestar sobre processos na imprensa, de uso de linguagem indecorosa, de participar de julgamento em casos em que devia ter se declarado suspeito e de envolvimento em atividade político-partidária ao oferecer, por exemplo, café da manhã para o atual presidente Michel Temer e para sua base aliada no Congresso enquanto o afastamento definitivo de Dilma ainda não havia sido determinado.
Os outros dois alvos de pedido de impeachment no STF em 2016 foram Luiz Fux e Marco Aurélio. A acusação contra Fux foi formulada por um grupo de procuradores federais em maio do ano passado que acusam o ministro de ter mantido privilégios para o Judiciário por meio de uma liminar que manteve o pagamento de auxílio-moradia de até R$ 4 mil mensais para juízes de todo o País.
Dois dos procuradores que assinam a petição, Carlos Studart e Pablo Bezerra Luciano, embora reconheçam um crescente ativismo por parte do Supremo, discordam que a razão de sua petição tenha a ver com isso. Segundo eles, trata-se de uma reação ao corporativismo da Justiça. “Um ministro do STF não pode conceder uma liminar e passar mais de dois anos impedindo o plenário de apreciar sua decisão. Um ministro do STF não deve ter esse poder todo”, diz Studart.
Regras. O rito do processo de impeachment de ministro do STF e do procurador-geral da República é definido pela Lei do Impeachment, de 1950, a mesma que estabelece as regras para o impedimento do presidente da República. A diferença, porém, é que no caso dos ministros e do PGR, apenas o Senado decide sobre o cabimento ou não dos pedidos, que podem ser escritos por qualquer cidadão. Nunca ocorreu um impeachment de membro do Supremo.
Em períodos autoritários, porém, ministros foram removidos por ato de outros Poderes. Em 1965, foram aposentados compulsoriamente pela ditadura militar os ministros Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva.
Dos 11 pedidos de impeachment protocolados neste ano, a maioria foi rejeitada por decisão da Mesa, sem que nem sequer uma comissão de análise fosse eleita. Apenas três ainda tramitam: um pedido contra Toffoli, um contra Lewandowski e um contra Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin. A reportagem procurou todos os ministros para se pronunciar sobre seus casos, mas a assessoria do STF informou que, em razão do recesso do Judiciário, não foi possível fazer contato com nenhum deles