Uma mudança no planejamento em mobilidade urbana e o abandono do chamado “rodoviarismo” foram defendidos por especialistas e gestores públicos que participaram do quarto dia do Summit Mobilidade Urbana nesta quinta-feira, 20.Para eles, as políticas públicas precisam promover melhorias no transporte coletivo e na infraestrutura para deslocamentos a pé e por bicicleta. O evento é digital, gratuito e segue até sexta-feira, 21. A programação está disponível no summitmobilidade.estadao.com.br.
O congresso começou com um painel com o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), sobre as ações para ampliação dos espaços para bicicletas e de redução de velocidade de automóveis na cidade, iniciadas há cerca de oito anos. “É uma política de médio prazo”, destacou ao falar sobre a necessidade de continuidade desse tipo de iniciativa mesmo com as trocas de gestão. Segundo ele, em seis anos, acidentes de trânsito deixaram de ser a quinta causa de óbitos na capital para ser a 16ª.
O prefeito citou a implantação das chamadas “áreas calmas” como uma das medidas que ajudaram a reduzir os acidentes de trânsito na capital cearense. Elas são caracterizadas pela redução da velocidade máxima, elevação das faixas de pedestres e alargamento de calçadas.
Outro exemplo foi a ampliação da malha cicloviária de 68 quilômetros para quase 400 quilômetros em oito anos. “A bicicleta é sustentável, econômica e evita aglomeração, o que é fundamental nestes tempos de pandemia”, explica.
Além disso, ele destacou o programa municipal que disponibiliza bicicletas compartilhadas de forma gratuita para os moradores que possuem o cartão de transporte (semelhante ao Bilhete Único paulistano). Essa ideia está ligada ao aumento do uso combinado de diferentes meios de transporte e, por isso, bicicletários e estações de empréstimo de bicicletas também foram instalados nos terminais de ônibus.
Mobilidade ativa como prioridade
A priorização de políticas públicas voltadas à chamada micromobilidade (trajetos curtos feitos por meio de mobilidade ativa, como de bicicleta, a pé, de patinete e afins) foi defendida por especialistas no painel seguinte. Entre os pontos destacados, estão o menor custo necessário na ampliação e na infraestrutura em comparação a outras alternativas, como o carro, por exemplo.
Pesquisadora e integrante do movimento Cidadeapé, Ana Carolina Nunes fez essa comparação ao citar o conserto de calçadas, a ampliação de ciclovias e a transformação de algumas vias em exclusivas para pedestres em centros de bairros. Ela defende que esse tipo de investimento tem um melhor custo-benefício para as cidades do que obras de maior porte voltadas aos carros, como viadutos e pontes.
Ana citou que até os Estados Unidos, que chamou de “Meca do rodoviarismo”, perceberam que é preciso apostar em alternativas ao transporte por veículo automotor. Como exemplo, citou o chamado “Green New Deal” do governo norte-americano, que prevê o incremento das redes de transporte coletivo e de infraestrutura para mobilidade ativa pelo País.
Já Tomás Martins, CEO da Tembici (responsável pela operação de serviços de bicicleta compartilhada em cidades como São Paulo e Porto Alegre), defende um melhor aproveitamento da estrutura viária já existente, por meio de adaptações para outros meios de locomoção. “Repensar essa infraestrutura seria um ganho para as cidades.”
Assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Idesc) e integrante do Movimento Nossa Brasília, Cleo Manhas destacou que não adianta fazer melhorias na infraestrutura para pedestres e ciclistas sem a redução da desigualdade social. Caso contrário, essa mudança estará restrita a bolhas e não impactará a maior parte dos trajetos, que dependem de mais de um meio de locomoção, geralmente associados ao transporte coletivo. “Brasília é um exemplo. O Plano Piloto é repleto de ciclovias, mas não há nas regiões periféricas.”
Por isso, também defende uma mudança na forma de se oferecer transporte coletivo no País. Como abordado em outro painel deste Summit, especialistas têm destacado a possibilidade de se repensar o financiamento para uma lógica que envolva as três esferas de governo. “Na pandemia, a realidade mudou, mas para quem? Não mudou para as pessoas que lotam o transporte coletivo urbano, que não tem a menor condição de distanciamento social.”
Outro modal que precisa crescer e atingir um público mais amplo é o dos ônibus. Para isso, destacou Iêda de Oliveira, diretora e coordenadora do Grupo de Veículos Pesados da Associação Brasileira de Veículo Elétrico (ABVE) e da empresa do mesmo setor Eletra, é preciso que os ônibus sejam mais seguros, confortáveis e sustentáveis. Hoje, grande parte da frota do setor ainda é movida a diesel no País, mesmo sendo um combustível altamente poluente e havendo oferta de veículos elétricos no mercado.
“Temos uma das maiores frotas de ônibus do mundo, e não se consegue avançar”, declarou. Para ela, não basta que essa mudança esteja em leis se não ocorrerem políticas de financiamento.
Sobre esse ponto, Cleo Manhas ainda destacou que, em geral, discute-se mais a eletrificação dos carros do que dos ônibus, o que mostra que a lógica de priorização dos automóveis segue, só que com outra roupagem. “Novamente reforça as desigualdades e essa cultura que vem desde a introdução dos automóveis.”
Políticas e tecnologias para promover a segurança no trânsito
A segurança no trânsito urbano foi discutida no terceiro painel do Summit. Os especialistas e representantes de empresas presentes acreditam que uma mudança no cenário atual depende de planejamento urbano e educação no trânsito.
Secretário municipal de Mobilidade e Transportes de São Paulo, Levi dos Santos Oliveira comentou sobre alguns projetos de "áreas calmas" para redução de velocidade em vias selecionadas de áreas centrais e bairros, como São Miguel Paulista, na zona leste. Também abordou um estudo interno feito pela gestão e a CET para a criação de uma pista local na Marginal do Pinheiros, no entorno da Cidade Universitária, a fim de padronizar o tráfego nas marginais.
Já David Duarte Lima, presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito (IST) e professor da Universidade de Brasília (UnB), lembrou que as políticas públicas em geral ainda não são suficientes para mudar o perfil das principais vítimas hoje do trânsito, como motociclistas e pedestres (especialmente idosos).
Ela fala, portanto, na transformação das cidades em ambientes mais “amigáveis”, com a redução da velocidade de circulação, que é o principal fator de risco junto com o consumo de álcool e uso de “distrações”, como celular, ao volante. Para transformar essa realidade, a educação no trânsito precisa sair do papel e ser implementada de fato, acredita.
Outro ponto discutido foi a inspeção veicular, que o professor Jorge Tiago Bastos, do Departamento de Transporte da UFPR, disse ser um tema importante. Segundo ele, é um dos três fatores que precisam ser considerados na segurança viária, assim como o humano e a infraestrutura.