Tamara Klink não foi apenas a brasileira mais jovem a cruzar o Oceano Atlântico sozinha em 2021, quando tinha 24 anos. Nem a primeira a cruzar este ano o Círculo Polar Ártico, indo da França à Groenlândia. Ela é também escritora, autora dos livros Mil Milhas, Crescer e Partir e, o mais recente, Nós, o Atlântico em solitário. As obras a ajudam a financiar expedições que parecem ser seu verdadeiro combustível. Mas a velejadora formada em Arquitetura faz questão de dispensar o título de desbravadora. No meio do oceano, diz, títulos não têm valor.
“No mar, não importa quantos livros você publicou, quantas pessoas te seguem no Instagram, se você é nova ou velha, se é homem ou mulher, pequena ou forte, o que você já fez ou deixou de fazer… O mar será sempre indiferente a mim, à minha passagem, ao meu barco. Isso para uma mulher é muito libertador”, disse Tamara, direto da Groenlândia.
A velejadora conversou com exclusividade com o programa Mulheres Reais, da rádio Eldorado, direto do convés de seu barco, o Sardinha 2, sob 5ºC de temperatura do verão no Ártico. Contou que mantém uma relação afetiva com a rádio, que historicamente acompanhou as expedições de sua família - Tamara é filha do velejador Amir Klink e em 2010 escreveu com as irmãs Férias na Antártica.
Segundo ela, foi um processo de autorreflexão que a fez refutar o título de desbravadora. “A gente vai descobrindo que muitas das coisas que nos limitam são ligadas à cultura, às pessoas que nos rodeiam e às nossas crenças. No barco, não tinha como mantê-las. Eu só tinha essas duas mãos para puxar os cabos, para reparar o motor, para fazer ligações elétricas e, por mais que nem sempre soubesse como resolver os problemas, eu só tinha eu mesma para contar.”
O contato com a própria vulnerabilidade diante da força da natureza faz a velejadora sentir medo com frequência. Sentimento que ela faz questão de revelar no contato com os seguidores nas redes sociais. “Eu adoro que o nome do barco seja Sardinha, porque é low profile. Ninguém espera nada de um barco (chamado) Sardinha. E isso dá para mim uma certa liberdade de falar sobre erros. Acho que é um tipo de missão falar sobre meus medos. A coragem não é oposta ao medo. Na verdade, a gente só sabe que tem coragem quando já a usou. O tempo todo eu sinto medo e mesmo assim eu estou indo.”
Apesar da longa experiência do pai, Tamara precisou se virar para velejar. Em 2021, em plena pandemia, partiu da França em um veleiro de 26 pés comprado pelo preço de uma bicicleta. Retornou ao Brasil três meses e 7 mil milhas depois. Nesta nova viagem, o dinheiro da venda de seus últimos livros foi fundamental para ajudar nos custos. “Não era muito, mas era o suficiente”, contou. “Comprei o barco que pude. Meu pai sempre disse que não me ajudaria, que não me daria nenhum conselho, que me daria zero centavo, e isso no fim foi uma grande ajuda, eu fui atrás de tudo”, narrou, ressaltando a importância do auxílio recebido de amigos.
Ela contou que as maiores dificuldades aconteceram na fase de preparação do barco, que se estendeu por cerca de um ano. E precisou enfrentar o ceticismo de pessoas que duvidaram de que ela conseguiria realizar a viagem. “Teve prestadores de serviço que duvidaram”, lembrou. “Mas, se eu pude terminar, é porque muitas outras pessoas apoiaram.”
Entre os aprendizados está o de encarar a solidão no mar: “Aprendi a ficar só e a tornar a solidão minha companheira”, contou. Outra lição foi sobre como lidar e superar a vontade de desistir. “A desistência é sempre tentadora, principalmente antes da partida.”
Ao chegar à Groenlândia, surpreendeu-se com os contrastes do modo de vida ancestral sob influências do Ocidente, a partir da ligação territorial com a Dinamarca. “Tive uma expectativa completamente quebrada. Eu encontro aqui um ambiente que me lembra muito aquele que eu via quando estava na Antártida, na minha infância”, recordou, evocando férias que passou no continente gelado com a família.
“Só que há um fator que transforma tudo agora: a presença de pessoas. Os groenlandeses têm uma cultura ligada ao meio ambiente que os rodeia e hábitos culturais que são chocantes pra gente. Eles caçam focas, estão acostumados a ter iceberg no jardim. Tenho várias concepções completamente transformadas. É um povo que sabe da importância de se adaptar aos contextos”, explicou.
O Mulheres Reais vai ao ar às segundas-feiras, a partir das 8h, no Jornal Eldorado. O podcast é apresentado por Carolina Ercolin e Luciana Garbin e está disponível em todas as plataformas de áudio. /COLABOROU FABIO GRELLET