Em uma madrugada de outubro de 2011, o analista fiscal Marcos Paulo Villa, então com 32 anos, e o namorado, o supervisor financeiro J.P., na época com 30, foram agredidos com socos e pontapés por dois amigos na região da Avenida Paulista, no centro da capital. O caso aconteceu em frente a um restaurante, na Rua Fernando de Albuquerque. J.P. chegou a ter a perna fraturada em dois pontos.
Marcos Villa, que foi embora do País depois do caso e hoje mora na Irlanda, dá depoimento relembrando o episódio e opinando, como vítima de homofobia, sobre o significado da decisão favorável do STF de criminalizar a homofobia:
"No dia 30 de setembro de 2011, saí com o meu ex para jantar com duas amigas e depois fomos em uma balada gay, na Bela Cintra. Tinha dois caras lá. Eles estavam lá porque o irmão de um deles trabalhava lá. Eles chegaram nas duas meninas que estavam com a gente. Elas não quiseram nada, eles ficaram meio com raiva e saíram fora.
A gente fez amizade com outra pessoa na balada e estava lá fora fumando. Eles nos viram de novo e logo depois a gente foi embora. No que a gente estava saindo, eles estavam lá fora de novo. Um deles estava com uma garrafinha de cerveja na mão e 'tacou' no chão. A gente se assustou e levou as meninas no estacionamento com aquele outro grupinho que a gente tinha conhecido. Os meninos xingaram a gente: 'Esses viados sempre estão com essas meninas mais gatas'. Eu morava em um prédio na Rua da Consolação.
A gente estava a 150 metros de casa, no máximo 200. Parei naquele posto de esquina na Rua Fernando de Albuquerque com a Bela Cintra para comprar cigarro e os meninos estavam lá. Eles começaram a mexer com a gente. A gente acabou discutindo. Meu namorado e eu saímos do posto e eles foram embora.
De repente, eles voltaram e pegaram a gente. Tomei um monte de soco na nuca, um monte de chute, mas meu ex-parceiro... Deram um soco nele, ele caiu e bateu a cabeça. Os meninos começaram a chutá-lo. Ele teve traumatismo craniano, hemorragia cerebral. Quebraram a perna dele em três lugares. Foi horrível. Ele ficou três meses internado.
Deu um rebuliço na mídia porque foi com dois caras brancos de classe média. Eu estava aparecendo em tudo que era lugar porque queria colocar a boca no mundo e achar esses moleques. A policia achou. Só que nunca foi feito nada. Eles foram na delegacia, prestaram depoimento. Tinha todas as filmagens, mas a filmagem da agressão em si não tinha. O caso foi arquivado por falta de provas.
Eu tinha feito um post no Facebook, alguns amigos meus viram o que tinha acontecido e mandaram gente para a porta da delegacia. Como o negócio tomou uma proporção muito grande, foi encaminhado para o Decradi, aquela delegacia de delitos raciais. Fizemos o B.O. Eu estava no meio daquele furdunço, meu ex-namorado no hospital, minha tia tinha morrido, e aí na terça-feira meu chefe ligou: "É, eu vi o que aconteceu. Olha, sendo muito sincero com você. Eu não acho que você deveria voltar para a empresa. Está todo mundo dando risada de você".
Fiquei pior ainda e acabei saindo mesmo. Não tinha condições de lidar com tudo aquilo que tava acontecendo. Na família do meu ex, ainda tinha muita gente que não sabia que ele era gay e, principalmente, que ele era casado, pela questão toda do preconceito. A família dele era toda de Minas. Veio muita gente pra São Paulo. Meu apartamento virou um furdunço. E ele no hospital, ficou internado uma semana. Em uma semana, ele saiu. Mas aí foi aquela história: ele ficou afastado do trabalho por três meses e, quando voltou pro trabalho, ele foi demitido após uma semana.
A gente não tinha paz, com muito medo de sofrer represália dos meninos ou de alguém. Aparecia muita gente em cima toda hora. A gente ficou com medo mesmo, principalmente porque os meninos nunca foram presos. Saí do Brasil em maio de 2012. Meu namorado não segurou a onda de ficar aqui na Irlanda e a gente acabou terminando. Tenho bastante amizade com a irmã dele.
Ele ainda se sente bastante mal, principalmente por todo o tempo que ficou preso na cadeira de rodas sem poder fazer nada. Não tenho coragem de dar a mão pra ninguém na rua. Dá um trauma. A gente fica com essa coisa de... 'Será que vai acontecer de novo?' 'Será que vão aparecer?'. A gente supera, mas ficou."