Um morador de Santos, no litoral paulista, morreu no último domingo, 14, após ser picado por um animal peçonhento durante uma viagem de lazer a Morro de São Paulo, um dos destinos turísticos mais conhecidos da Bahia. A suspeita é de que o jornalista e advogado Cid Penha, de 65 anos, tenha sido picado por uma aranha- marrom, de veneno extremamente tóxico, mas as causas da morte ainda são investigadas.
Cid viajava com amigos e, na terça-feira, 9, o grupo fez um passeio de lancha e jantou em um restaurante conhecido na região. Foi durante o jantar que ele falou sobre o incômodo causado pela possível picada na perna. No dia seguinte, ele se dirigiu à Unidade Básica de Saúde de Morro de São Paulo reclamando de dores da suposta picada na região da panturrilha. O local estava vermelho e inchado.
Conforme a Secretaria de Saúde de Cairu, como o paciente e os acompanhantes não tinham certeza sobre o que causara o acidente, a equipe de atendimento seguiu os protocolos previstos para picadas de inseto não identificado. Devido à possível necessidade de aplicação de soro, o paciente foi encaminhado para a Santa Casa de Valença, unidade de referência para o soro.
Na Santa Casa, apesar de ter sido considerada improvável a picada pela aranha-marrom, devido à ocorrência rara do aracnídeo na região, os médicos realizaram os procedimentos, mas o paciente não melhorou. O local da picada estava com coloração escura com princípio de necrose. Por ser cardiopata, Cid foi transferido para o Instituto do Coração (Incar), um hospital particular, no município de Santo Antônio de Jesus, onde ficou internado até o óbito, no domingo.
Em redes sociais, amigos lamentaram a morte do jornalista e advogado, e lembraram que ele estava prestes a se formar também em Medicina. Em seus estágios, o estudante atuava como auxiliar de parto.
Para a coordenadora do Núcleo Regional de Ofiologia e Animais Peçonhentos (Noap) da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Rejane Lira, o registro de aranha-marrom é muito raro na região visitada pelo turista, que é de Mata Atlântica. Ela contou que o núcleo acaba de concluir um levantamento da ocorrência desse aracnídeo e, das oito espécies conhecidas, foram registradas duas em áreas de grutas em Pau Brasil, no sul do Estado, e apenas uma – um único exemplar – na Lagoa do Abaeté, em Salvador.
Segundo ela, em 37 anos de pesquisa, não foi registrada nenhuma ocorrência dessa aranha na região de Morro de São Paulo. “As aranhas-marrons da espécie Loxosceles, que têm importância médica, preferem a caatinga e regiões de caverna, sendo mais encontradas, na Bahia, na Chapada Diamantina. Há outras aranhas-marrons, mas não causam esse tipo de acidente”, disse ao Estadão. Segundo ela, é preciso aguardar as investigações e o resultado dos exames que podem determinar o tipo de veneno que levou o turista à morte.
A pesquisadora enviou fotos da lesão para colegas especialistas e todos consideraram improvável que tenha sido causada pelo veneno da aranha-marrom. “O óbito ocasionado pela picada da aranha-marrom geralmente se dá por insuficiência renal aguda. Nesse caso, parece que houve a intubação do paciente, o que ocorre quando o veneno tem ações neurotóxicas, que causam insuficiência respiratória. Não é o caso da aranha-marrom”, disse.
Rejane lembrou que o Ministério da Saúde determina que todos os óbitos por animais peçonhentos sejam investigados.
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Caso é investigado
A prefeitura de Cairu informou que já realiza uma varredura nas regiões visitadas pelo turista em busca de possíveis animais peçonhentos. Já a secretaria municipal de Saúde disse que todos os protocolos foram atendidos até a transferência do paciente para unidade de referência regional e que prossegue com a investigação sobre o caso.
A Santa Casa de Misericórdia de Valença informou em nota que, em menos de 30 minutos após a chegada do paciente, a equipe plantonista acionou o Ciave (Centro de Informações Anti-Envenenamento da Bahia, atual Ciatox-BA), tendo sido indicada a improbabilidade de ataque por aranha-marrom. Até sua transferência, o paciente estava consciente e recebeu todo suporte clínico e médico.
O Incar disse que as informações sobre o caso são passadas exclusivamente à família e às autoridades.
Em nota, o Ciave informou que o caso continua sob investigação. “Não tivemos nenhum caso recente semelhante”, disse.
A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia informou que acompanha o caso do turista paulista, transmitindo informações específicas apenas aos familiares. Em 2024, segundo a pasta, foram notificados, através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 605 casos de acidentes por aranhas na Bahia, com três óbitos.
A reportagem não conseguiu contato com familiares de Penha.