BRASÍLIA - Em meio à repercussão negativa no Brasil e em outros países da morte de um homem negro em um supermercado de Porto Alegre, na noite de quinta-feira (19), o presidente Jair Bolsonaro abriu seu discurso na cúpula do G20 - o grupo das 20 maiores economias do planeta - abordando o racismo. Pedindo licença às demais autoridades participantes do evento virtual para tratar do tema, que é estranho à cúpula, Bolsonaro defendeu que não existe "cor de pele melhor do que as outras".
Em sua fala, Bolsonaro disse que gostaria de fazer uma "rápida defesa do caráter nacional brasileiro em face das tentativas de importar para o nosso território tensões alheias à nossa história".
Segundo ele, o Brasil é um país miscigenado e "foi a essência desse povo que conquistou a simpatia do mundo". "Contudo, há quem queira destruí-la, e colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças, sempre mascarados de 'luta por igualdade' ou 'justiça social'. Tudo em busca de poder", afirmou o presidente no discurso. A cúpula do G20 está sendo organizada pela Arábia Saudita. Em função da pandemia do novo coronavírus, as discussões entre as autoridades têm ocorrido virtualmente. Na noite de sexta-feira (20), Bolsonaro já havia se pronunciado, por meio das redes sociais, sobre as tensões que surgiram após o crime em Porto Alegre. Na ocasião, o presidente sugeriu que estava ocorrendo manipulação política do caso. "Como homem e como presidente, sou daltônico: todos têm a mesma cor", escreveu no Twitter.
Na noite de quinta-feira, João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, foi espancado e morto por dois homens brancos em um supermercado Carrefour, na zona norte de Porto Alegre. Vídeos do espancamento rodaram o mundo. Simbolicamente, o caso ocorreu na véspera do Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.
Apesar da forte repercussão no Brasil e na imprensa internacional, outras autoridades do governo adotaram discurso que questiona a existência de racismo no País. O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou na sexta-feira que "não existe racismo no Brasil". Já o presidente da Fundação Palmares, Sérigo Camargo, afirmou que "não existe racismo estrutural no Brasil; o nosso racismo é circunstancial - ou seja, há alguns imbecis que cometem o crime".
No discurso deste sábado no G20, Bolsonaro adotou a mesma linha. "Não somos perfeitos. Temos, sim, os nossos problemas. Existem diversos interesses para que se criem tensões entre nós", afirmou Bolsonaro. "Um povo unido é um povo soberano. Dividido é vulnerável. E um povo vulnerável pode ser mais facilmente controlado e subjugado. Nossa liberdade é inegociável", acrescentou.
Numa fala de contornos nacionalistas, Bolsonaro afirmou ainda que enxerga "todos com as mesmas cores: verde e amarelo!". "Não existe uma cor de pele melhor do que as outras. O que existem são homens bons e homens maus; e são as nossas escolhas e valores que determinarão qual dos dois nós seremos", disse.
Bolsonaro disse ainda, sem especificar exatamente a quem se dirigia, que "aqueles que instigam o povo à discórdia, fabricando e promovendo conflitos, atentam não somente contra a nação, mas contra nossa própria história".
Durante a sexta-feira, em meio à repercussão da morte, dezenas de organizações da sociedade civil e políticos demonstraram espanto com o acontecimento em Porto Alegre. Também houve protestos em unidades do Carrefour em várias cidades do País. Em reação, o Carrefour decidiu doar toda a renda obtida em suas lojas na sexta-feira a projetos de combate ao racismo.
G20. Após abordar o racismo em sua fala inicial do G20, Bolsonaro fez uma defesa da reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo ele, a reforma da OMC já era necessária antes mesmo da pandemia do novo coronavírus. "(Ela) torna-se, agora, elemento-chave para a recuperação da economia mundial", defendeu o presidente.
Bolsonaro defendeu avanços nos três pilares da OMC: negociações, solução de controvérsias e monitoramento e transparência. "Também esperamos que o Órgão de Apelação possa voltar à plena operação o mais rápido possível", disse. "Na reforma da Organização, queremos que a ambição de reduzir os subsídios para bens agrícolas conte com a mesma vontade com que alguns países buscam promover o comércio de bens industriais", acrescentou.