Nos anos em que ficou à frente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo foi os olhos e os braços da atual presidente Dilma Rousseff em questões polêmicas como o projeto do trem-bala e a briga para ampliar o acesso às ferrovias e reduzir os fretes no setor. Agora, na condição de presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Figueiredo terá a incumbência de unificar o planejamento e a integração dos modais terrestres, aquáticos e aéreos no Brasil, hoje fragmentados em três ministérios --Transportes, Secretaria Especial de Portos e Secretaria Especial de Aviação Civil-- e suas respectivas agências reguladoras. A EPL já nasce com a responsabilidade de viabilizar um pacote de 133 bilhões de reais de investimentos em ferrovias e rodovias, com ampla participação da iniciativa privada. Economista formado pela Universidade de Brasília (UNB), Figueiredo atua há quase 40 anos na área de transportes. Curiosamente, ele iniciou sua carreira, na década dos anos 70, em um extinto órgão federal, o Geipot, que tinha como função o planejamento da logística, algo parecido com sua tarefa na EPL. "A sensação que tenho é de que estamos vivendo, nos anos 2000, uma situação muito parecida com a da década de 70, em que você tinha um processo degradado, e de repente a economia se arrumou de alguma forma, com perspectiva de crescimento, e era preciso cuidar da logística", disse Figueiredo à Reuters. O perfil técnico de Figueiredo o fez chegar à posição de homem de confiança de Dilma, com quem trabalhou na Casa Civil entre 2005 e 2008 --quando assumiu a diretoria-geral da ANTT. O homem forte da logística conheceu Dilma no início de 2005. O primeiro contato foi uma reunião para discutir uma possível Parceria Público-Privada (PPP) na ferrovia Norte-Sul --posteriormente, o governo acabou deixando de lado a PPP e fez uma concessão no trecho norte da via. "Eu estava no Ministério do Planejamento, fazendo a modelagem da Norte-Sul, e me chamaram para apresentar a proposta... O primeiro contato que tive com ela foi numa reunião com outros ministros e vários técnicos", contou Figueiredo. Alguns poucos meses depois, ele foi convidado para trabalhar na Casa Civil, onde participou da elaboração do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2007, no início de seu segundo mandato. Com o lançamento do PAC, seguiu-se uma verdadeira maratona de trabalho. "Foi um período intenso após o PAC, em que a gente virava a noite na Casa Civil fazendo o monitoramento de ações." "Eu acho que nesse processo, ela (Dilma) achou que eu poderia ser uma pessoa útil", disse, sorridente, o presidente da EPL, explicando porque foi indicado, no fim de 2007, para comandar a ANTT a partir do ano seguinte, quando terminaria o mandato do então diretor-geral José Alexandre Resende. MUDANÇA NA ANTT A troca de comando da ANTT representou uma aproximação entre a agência reguladora e o governo petista, já que Resende havia sido nomeado ainda pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Com Figueiredo na ANTT, o governo aprofundou os estudos sobre o trem-bala entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, e iniciou um processo de embate com as concessionárias de ferrovias. "Quando entrei na ANTT, falei em uma reunião com os presidentes de ferrovias: 'Não conheço ninguém, exceto vocês, que acha que vocês estão fazendo um bom trabalho'", disse Figueiredo. "Quando eu fui para lá, foi um pouco com a missão de tentar reverter esse quadro, rever os contratos, o modelo e criar alternativas." Nos quatro anos seguintes, a ANTT iniciou um processo de revisão para baixo do teto dos fretes cobrados pelas concessionárias de ferrovias. Em 2011, a agência regulamentou o direito de passagem nas malhas das concessionárias e estabeleceu metas de utilização das vias. O embate não impediu que Figueiredo fosse bem avaliado e respeitado por representantes das concessionárias. "Ele é um grande criador de ideias. Tem conhecimento e uma grande oportunidade, agora, por meio da EPL, de implementar um sonho do setor de logística, de retomar o planejamento em projetos de infraestrutura", disse o presidente-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça. REJEIÇÃO Apesar da boa avaliação junto à Dilma e ao mercado, principalmente entre usuários de ferrovias de carga, Figueiredo teve sua indicação para um novo mandato na ANTT rejeitado pelo Senado em março deste ano. Na época, a votação no Senado foi interpretada mais como um recado da base do governo ao Planalto do que como uma rejeição a Figueiredo, com parlamentares de partidos aliados queixando-se, por exemplo, de indicações não atendidas e emendas não liberadas. A ANTT também era alvo de críticas de uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), em 2011, que apontou "existência de graves fragilidades na atuação (da agência) no controle e supervisão dos investimentos no setor ferroviário nacional". O golpe foi duro, já que Figueiredo era uma indicação pessoal da presidente. No mês passado, Dilma colocou Figueiredo à frente da recém-criada EPL, empresa estatal com super poderes na área de logística. Para Figueiredo, o período entre a rejeição pelo Senado e a "volta por cima" foi produtivo, principalmente do ponto de vista pessoal. "Foi ótimo. Eu nunca tive tanto tempo para pensar na minha vida. Emagreci 10 quilos, de forma saudável, andando e com alimentação regular. E tive todo o tempo para fazer as reflexões que essa vida louca do dia a dia, de trabalhar 12 horas por dia, não permite." CHEFE BEM HUMORADO A rotina de longas jornadas de trabalho voltou com o novo cargo, na EPL. "O Bernardo trabalha muito. Começa cedo e não tem hora para sair. Na verdade, depois das 18h é que a gente consegue falar com ele mais tranquilamente", disse o diretor da EPL Hederverton Andrade Santos. Santos trabalha com Figueiredo desde 2007, quando os dois estavam na Casa Civil. Segundo ele, o presidente da EPL é um chefe muito bem humorado. "Essa é uma marca dele. Ele perde o amigo, mas não perde a piada. Não existe nada que não possa ser motivo de piada", disse Santos. Mineiro, Figueiredo é torcedor do Cruzeiro, mas simpatiza também com a Portuguesa, em São Paulo, e o Bangu, no Rio de Janeiro. Assistir a jogos de futebol --qualquer um que passasse na TV-- foi uma das atividades que o ajudaram a ocupar o tempo até voltar ao governo como presidente da EPL. Agora, com a agenda cheia novamente, será difícil Figueiredo acompanhar até mesmo os jogos da Raposa.