José Nolasco, de 51 anos, se tornou uma pessoa com deficiência permanente em 2015, após sofrer um acidente dentro do escritório da Unilever em São Paulo. "Eu voltava do almoço, pisei num ralo no saguão de entrada e minha perna esquerda afundou no buraco". A queda brusca provocou rompimento do tendão que liga o músculo quadríceps ao joelho. Na época, ele trabalhava como supervisor de contas a pagar, era funcionário havia 15 anos da multinacional de bens de consumo, alimentos, bebidas, produtos de limpeza e produtos de higiene pessoal, com duas graduações e uma pós-graduação na área financeira, e experiência profissional no exterior.
Segundo Nolasco, a partir daquele instante, as reações e providências da Unilever sobre o acidente e os tratamentos que o ele precisaria receber foram as piores possíveis. O funcionário relata que, no momento do tombo, recebeu atendimento de duas enfermeiras e de um bombeiro. "Me deram água e dipirona". A Unilever afirma que o empregado foi avaliado por um médico e que os profissionais da empresa ofereceram uma ambulância. "O funcionário informou que já tinha uma consulta com seu médico de confiança por conta de lesão anterior no mesmo joelho e optou por ir no carro da esposa, que já estava a caminho", respondeu a empresa, mas Nolasco diz que isso não é verdade. "As enfermeiras ligaram para minha esposa para ela me levar de carro ao hospital porque não havia médico nem ambulância na empresa. Eu não tinha problema nenhum no joelho e não havia nenhuma consulta marcada".
O acidente aconteceu no dia 18 de maio de 2015 em uma área monitorada por câmeras, mas as gravações sumiram. "Pedi esse registro por meio da Justiça e nada foi encontrado", diz José Nolasco. "Depois do acidente, fiquei afastado até o fim do mês, quando recebi meu último salário integral. Então, eu teria que entrar com a solicitação da licença pelo INSS, mas a Unilever mentiu na CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). Por isso, fiquei no limbo, não podia voltar a trabalhar e nem conseguia a licença pelo INSS. Foram dez meses nessa situação, sem receber salário da empresa ou do INSS". A Unilever confirma que a CAT foi "registrada com atraso e algumas informações incorretas, corrigidas logo que identificadas".
José Nolasco afirma que tentou comunicação com a Unilever durante dois meses, mas foi ignorado. "Quando eles finalmente falaram comigo, foi para me informar que eu havia sido incluído como testemunha favorável à empresa no processo trabalhista ajuizado por meu antigo chefe, funcionário da Unilever por 37 anos, que sofreu um infarto e foi demitido. O RH me ligou e queria que eu mentisse no tribunal, mas me recusei".
Sem nenhuma remuneração, casado, com dois filhos pequenos e único responsável pelo sustento da própria casa, José Nolasco acumulou dívidas, vendeu um imóvel, ficou meses sem pagar condomínio e IPTU, retirou os filhos da escola particular, entre outras medidas.
Dez meses depois do acidente, ele conseguiu autorização do médico da Unilever e voltou a trabalhar, mas somente após assinar documentos para livrar a empresa de qualquer responsabilidade.
"Nesse retorno, fiquei por cinco meses, mas a Unilever fez de tudo para que eu pedisse demissão. Bloquevam diariamente minha entrada porque eu usava bengala, compartilharam meus holerites com todos os empregados e rebaixaram meu cargo, entre outras humilhações", descreve Nolasco. A Unilever afirma que "os laudos médicos traziam restrições e orientações ao funcionário, mas indicando-o como apto ao retorno. A companhia esclarece que, neste período de trabalho, que durou cinco meses, o sr. Nolasco pôde se afastar sempre que necessário para todos os procedimentos médicos, não havendo qualquer resistência ou desrespeito à sua condição e necessidade".
José Nolasco decidiu procurar a Justiça do Trabalho e ajuizou quatro ações. Na primeira, a Unilever foi intimada a reconhecer o acidente em suas dependências, fornecer ao INSS informações corretas e atualizadas sobre o acidente e as condições do funcionário, além de condenada a pagar ao empregado todos os salários atrasados. "No processo finalizado está mencionado um débito no meu holerite. A juíza concluiu que essa informação está errada e tem de ser corrigida, mas até hoje isso não foi feito", diz Nolasco.
As outras duas ações ainda não foram concluídas. "Não recebi o seguro previsto e nem os valores referentes ao PLR (Programa de Lucros e Resultados) desde meu afastamento em 2015, que deveria ser pago integralmente", relata Nolasco. "Outro problema é a informação que a Unilever envia ao INSS. Na semana passada, fui rebaixado de cargo, de supervisor para administrador". A Unilever explicou que a nomenclatura da CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) passou por atualizações, mas que isso não altera o cargo nem as funções. E que indenizou Nolasco pelo PLR até 2017.
José Nolasco acusa a Unilever de perseguição. "O departamento jurídico da empresa tem uma forma sistemática de fazer pressão, mas nunca registram as ofensas e humilhações. Uma das advogadas disse por telefone que eu queria moleza e era melhor eu pedir demissão", conta.
"Perdi força e mobilidade. Comecei a tomar corticoides para dor. Passei por seis cirurgias. Fui submetido a várias perícias para comprovar minha deficiência. Engordei 60 quilos e tive que fazer bariátrica em 2020. Depois do processo na Justiça do Trabalho, o médico da empresa reconheceu o acidente, mas a companhia descumpriu várias cláusulas de proteção ao funcionário, por exemplo, o reembolso de tratamento e remédios". Segundo José Nolasco, esse ressarcimento é feito sempre com atraso. "Tomo o Nano CBD para dor. Minha pisada foi afetada e isso provocou problemas na planta do pé e na coluna. Antes da cirurgia bariátrica, eu estava pré-diabético. Me tornei hipertenso, o que afeta até meus olhos e preciso usar três colírios diferentes. Além do medicamento para depressão".
A Unilever afirma que o processo de reembolso para todo e qualquer funcionário da companhia prevê comprovação dos gastos a partir da apresentação de notas fiscais, além do preenchimento de uma planilha de requisição de reembolso. "O período entre a entrega dos documentos e a efetivação do reembolso obedece ao prazo máximo de três semanas. Nos últimos anos, os únicos atrasos no pagamento foram os referentes aos meses de novembro e dezembro de 2022, já regularizados em 22 de fevereiro de 2023".
Segundo Nolasco, os reembolsos não cobrem todos os gastos com os remédios. "A empresa apresenta diferentes argumentos para não reembolsar. Então, para evitar conflitos, eu desisti de cobrar. Meu acidente aconteceu em 2015 e a Unilever só começou a fazer esses ressarcimentos em 2018. Atualmente, a média de prazo para o reembolso é de até cinco meses, sem qualquer reajuste. Eu compro. E seja o que Deus quiser".
José Nolasco também acionou o Ministério Público do Trabalho, que intimou a Unilever a prestar esclarecimentos. Na resposta mais recente, em 7 de fevereiro de 2023, assinada pela advogada Fernanda Frezarin Kazakevicius, a empresa afirma que "o acidente ocorreu fora das dependências da companhia, quando o Sr. Nolasco retornava do seu horário de almoço, na ocasião em que ele já tinha passado por uma cirurgia no joelho por motivo totalmente alheio ao trabalho", informações desmentidas anteriormente pela própria Unilever em documentos enviados à Justiça, inclusive na correção da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) apresentada ao INSS.
Além disso, a Unilever, por meio do documento redigido pelo departamento jurídico, tenta desqualificar o funcionário. "Pela cronologia dos fatos, é possível concluir que o Sr. Nolasco tomou tais atitudes após a última ação judicial ajuizada contra a Unilever ter sido julgada improcedente, o que demonstra como seu anseio em responsabilizar alguém da Unilever pelo acidente que ocorreu com ele em 2016 (o ano correto é 2015) se tornou completamente desarrazoado, ainda mais considerando que ele já recebeu indenizações na esfera judicial", declarou a empresa para pedir o arquivamento do procedimento do MPT. Nolasco esclarece que, após essa resposta, encaminhou tréplica e aguarda novos posicionamentos.
O funcionário diz ter sido chamado para uma reunião na Unilever com integrantes do setor de relações trabalhistas, encontro que ocorreu no último dia 15 de fevereiro. "Eu contei toda a minha história novamente. Me disseram que a situação será resolvida e pediram para confiar neles. Então, mostrei esse documento que a Unilever apresentou ao MPT com informações mentirosas sobre mim, o acidente e meu quadro de saúde. Como posso confiar? Todos ficaram supresos e disseram que não tinham conhecimento daquilo".
José Nolasco afirma que gostaria de voltar a trabalhar, "mesmo depois de toda essa fritura". O funcionário conta que foi diagnosticado com um quadro inflamatório e degenerativo, reflexo dos tratamentos a que foi submetido. "Preciso trabalhar, preciso do salário para viver e sustentar minha família. A empresa continua apresentando informações incorretas ao INSS. Se eu quisesse me aposentar, seria muito prejudicado", comenta.
"Por qual motivo sou alvo de tamanha perseguição? Outros acidentes dentro da Unilever foram escondidos? Outras pessoas que sofreram acidentes dentro da Unilever também foram assediadas dessa forma? Quero a correção de todas as informações trabalhistas, a regularização do pagamento referente à previdência privada, complementar ao meu salário", diz José Nolasco.
"Quero respeito. A Unilever roubou minha vida, mentiu sobre o acidente, me persegue e ameaça, não pagou meu salário, impediu meu afastamento pelo INSS, e até hoje, quase oito anos depois, é negligente com a situação. Na minha melhor fase profissional, fui destruído de maneira física e psicológica, eu e minha família. Essa corporação que se apresenta como inclusiva e acolhedora das pesoas com deficiência age para destruir o empregado", desabafa José Nolasco.
Segundo Nolasco, outra reunião com a Unilever ocorreu nesta quarta-feira, 15/3. "Foi muito pesada. Seria o retorno da reunião de 15/2, quando listei todos os problemas, mas não teve retorno nenhum. Fui informado que aquela suposta dívida que ainda consta no meu holerite, mesmo com ordem judicial para que isso seja removido, é usada para descontar uma parte do meu pagamento. Ninguém me avisa sobre isso e continuo sem acesso ao meu holerite. A alegação é de que estão apurando para reunir todos os detalhes. Me pediram, de novo, um voto de confiança. E esticam a situação. É a minha saúde que está ameaçada, serviços que preciso são bloqueados, médicos são descadastrados, não consigo dar andamento ao meus tratamentos. E a empresa me pede paciência e confiança, depois de 8 anos nesse massacre? As informações que já foram repetidas muitas vezes, para pessoas que já sabem de tudo, voltam a circular nos mesmos grupos. E isso não acaba", diz José Nolasco.
Por fim, a Unilever negou qualquer assédio, perseguição e ameaça que o funcionário afirma ter sofrido.
O blog Vencer Limites teve acesso e mantém cópias de todos os documentos mencionados na reportagem.