A família da enfermeira Isabelle Quedas Gadelho, de 24 anos, autista, aprovada no concurso do Instituto de Infectologia Emílio Ribas na condição de pessoa com deficiência, acusa o hospital e o Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME) de sabotagem e capacitismo para impedir a contratação da jovem.
"Minha filha é autista nível 1. Ao fazer a perícia no DPME, foi declarada inapta sob alegação de incompatibilidade da profissão com o autismo. Foi avaliada por equipe multidisciplinar, sem especialistas em autismo. Eles a submeteram a uma prova oral de conhecimentos específicos, com ênfase nas maiores dificuldades do autismo, como liderança e socialização em equipe", relata Antonio Gadelho, pai da enfermeira.
"Na faculdade, Isabelle sempre tirou excelentes notas. Os colegas achavam que ela teria dificuldades, mas com dois meses de apoio social inicial, se tornou conselheira de todos no aprendizado e no conteúdo, virou referência", afirma Gadelho.
O pai explica que a jovem ainda lida mal com frustrações, mas já apresenta melhoras. "Ela ficou arrasada depois da perícia, mas rapidamente se recuperou. No passado, levava dias".
Atualmente, Isabelle cursa análise de sistemas na Fatec e pretende fazer pós-graduação em informática para enfermagem.
"Ela estava empolgada com a nova lei de apoio ao trabalho para pessoas com deficiência, especialmente os autistas, e foi frustrante perceber que nem os próprios órgãos do estado conseguiram perceber o espírito do legislador", diz Antonio Gadelho.
O blog Vencer Limites questionou o governo de SP, o IE Emílio Ribas, a Secretaria de Estado da Saúde e a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência sobre as acusações da enfermeira e os procedimentos aplicados pelo DMPE.
Uma reposta conjunta, assinada pela Secretaria de Gestão e Governo Digital, foi enviada por email.
"Todos os servidores aprovados em concurso público no estado de São Paulo passam obrigatoriamente por uma avaliação do DPME. Em relação ao último concurso realizado para profissionais de enfermagem, o Instituto de Infectologia Emílio Ribas esclarece que, de oito candidatos autodeclarados Pessoas com Deficiência, seis foram considerados aptos a trabalhar na instituição, sendo que um deles também era profissional com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Quanto ao caso da enfermeira I.G.D, informamos que este passará por reavaliação do Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME). Por fim, a Secretaria de Estado da Saúde ressalta que o hospital reafirma seu compromisso com a diversidade e a inclusão de pessoas com autismo no mercado de trabalho", declarou o governo de SP.
Emprego Apoiado - Publicada na primeira página do Diário Oficial de São Paulo em 8 de março, a Lei nº 17.645/2023 institui a Política Estadual de Trabalho com Apoio para Pessoas com Deficiência. Criada a partir do PL 859/2021, do deputado Teonilio (PT), tem base na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, que o Brasil assinou em 2009, e também na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n° 13.146/2015).
Em 10/3, foi publicado no DO/SP o Decreto n° 67.556, que instituiu o Grupo de Trabalho Intersecretarial para apresentar proposta de unificação da avaliação biopsicossocial para as políticas públicas relacionadas às pessoas com deficiência. São cinco integrantes, representantes das secretarias dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Fazenda e Planejamento, Justiça e Cidadania, Transportes Metropolitanos e da Saúde. A secretaria da pessoa com deficiência, representada pela secretária executiva Claudia Carletto, coordena o trabalho.
Segunda fase só para pessoas com deficiência - Para o pai da enfermeira, o procedimento para avaliação de Isabelle tem falhas que prejudicaram a jovem autista.
"Foi aplicado o IFBrM (Índice Brasileiro de Funcionalidades Modificado), mas sem equipe especializada em autismo. Avaliaram-na capaz, conforme o resultado do método, mas inapta sob a alegação de que o Emílio Ribas é um local estressante e que pode agravar o estado emocional dela caso venha a exercer o seu direito ao trabalho" conta Gadelho.
"Além da avaliação de capacidade pelo método, incluíram por conta própria uma prova oral de capacidade técnica, ítem por ítem, das atribuições exigidas no edital. A nota dessa prova oral determinou também a inaptidão para exercer o cargo. Uma verdadeira segunda fase do concurso somente para pessoas com deficiência, submetidas a mais uma barreira, como se não bastassem as inúmeras que têm que transpor. Ao invés de igualarem as condições, tornam mais difícil a vida das pessoas com deficiência", critica.
"Minha filha informou que o ambiente era totalmente desfavorável para o autista nessa prova oral. Focaram as perguntas técnicas na deficiência e seus pontos fracos, socialização em equipe, trato com parentes dos pacientes e liderança, sabedores dessas dificuldades em relação aos autistas nível 1. Foi a primeira vez que ouvi de uma médica que a profissão de enfermagem é incompatível com a deficiência do autismo nível 1. E que autistas não devem trabalhar por causa do estresse comum da maioria das profissões, sob pena de agravamento das suas comorbidades", desabafa Antonio Gadelho.
Segundo o pai da jovem autista, uma nova perícia foi marcada para 28 de março, "dessa vez com uma junta de três médicos", diz.