O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apura contradições em documento da Secretaria Municipal de Educação de Ibaté, município do interior paulista, sobre a situação de um aluno de 8 anos, negro e autista, que foi alvo de diversos ataques, acusado de homofobia por um professor e suspenso de escola municipal.
O blog Vencer Limites e a coluna Vencer Limites na Rádio Eldorado acompanham a situação desde o começo, com acesso a todos os arquivos e documentos. Em março, um professor registrou boletim de ocorrência acusando a criança de homofobia. O aluno foi suspenso por mais de uma semana, sem nenhuma explicação à mãe dele, que é funcionária da Prefeitura no setor de limpeza, com confirmação da suspensão por áudio enviado pela diretora da escola à mãe do estudante. Além disso, uma professora afirmou em conversa por WhatsApp com outro docente que o menino (negro, autista, de 8 anos) "é uma criança perigosa", e um ofício enviado pela Prefeitura à Promotoria de Justiça de Ibaté informa que o estudante não havia sido suspenso, contrariando a afirmação da diretora da escola à mãe do menino.
Em reunião na última sexta-feira, 2, convocada pela promotora Alice Carpinetti no escritório do MP-SP em Araraquara, foram ouvidas a diretora da Escola Municipal Vera Helena Trinta Pulcinelli, de Ibaté, e um representante do Conselho Tutelar da cidade, além de Samara Vizzotto, mãe da criança autista, e sua advogada, Rosicléia Oliveira Lomes.
"A promotora de Justiça confrontou esse áudio entre Samara e a diretora da escola, no qual a diretora afirmava que R. deveria ficar em casa, com ofício da Prefeitura, perguntou se a diretora havia de fato dito isso, e ela (a diretora) confirmou. A promotora então destacou que a Secretaria (de Educação) havia enviado informações inverídicas nos documentos apresentados ao Ministério Público, alegaram que R. não teria sido suspenso, e informou que iria oficiar novamente sobre essa conduta e tomará providências", descreve a advogada Rosicléia Oliveira Lomes sobre a reunião no MP, que está gravada e anexada ao processo.
"A Promotora informou à Samara (mãe do menino) que abriu um procedimento específico sobre R. e que, caso haja qualquer dificuldade com a Prefeitura de Ibaté em relação aos direitos de R., ela deve comunicá-la. Além do procedimento administrativo, a promotora abriu outro expediente para verificar a falta de professores de AEE (Atendimento Educacional Especializado) e também colaborativos", conta a advogada.
"Em relação ao boletim de ocorrência feito pelo professor (acusando o aluno de homofobia), a diretora alegou que não sabia. A promotora destacou que R. é uma criança e não comete crimes nem atos infracionais. E o Conselho Tutelar havia afirmado em relatório que R. não teve nenhum direito violado", diz Rosicléia Oliveira Lomes.
Nesta segunda-feira, 5, novos argumentos da Secretaria de Educação de Ibaté foram acrescentados pelo MP à ata da reunião. "Essencialmente, foi esclarecido que a diretora foi orientara pela Secretaria de Educação para que o aluno não fosse à escola até que se estabilizasse. Disse que houve uma reunião da saúde, educação e social (da qual ela não participou), na qual se decidiu que o aluno ficasse em casa até estabilização. Todavia, não houve um atestado médico. Comunicou que o R. teve 30 faltas (de 54 dias letivos) no segundo bimestre", escreve a promotora.
O MP decidiu apurar o caso após receber ofícios da senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) pedindo informações e providências. Em resposta, a promotora informa que dois procedimentos foram instaurados, um sobre violações de direitos do aluno e outro para apurar a falta de política municipal de atendimento educacional especializado em Ibaté.
A parlamentar enviou nota ao blog Vencer Limites na qual destaca a importância da inclusão na escola e elogia o MP. "A educação é a política mais eficaz para reduzir desigualdades e promover desenvolvimento. Não dá para descuidar dela. E o Ministério Público é um dos nossos maiores parceiros na efetivação desse e de outros direitos fundamentais. É na escola que as crianças potencializam o seu desenvolvimento neuropsicomotor e suas habilidades sociais. Todos ganham, as famílias, os profissionais que as recebem que aprendem mais do que ensinam, as crianças sem deficiência que crescem sem preconceitos e com uma visão de mundo ampliada, e sobretudo aquela criança que tem uma deficiência com a oportunidade de crescer acolhida como parte da sociedade", comenta Mara Gabrilli.
Resposta - Questionada sobre o caso e especificamente a respeito das informações no ofício enviado ao MP-SP, a Prefeitura de Ibaté não respondeu.
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