Uma mulher cega, funcionária pública estadual em SP, afirma que o motorista de um carro solicitado pelo aplicativo da Uber a expulsou do veículo porque ela estava com um cão-guia e diz que o condutor retornou ao endereço dela para intimidá-la.
As situações foram gravadas em vídeo e áudio, além de mensagens no aplicativo de transporte. No último dia 15 de abril, A.C.G, de 39 anos, moradora da capital paulista, pediu o carro por volta de 17h45 e entrou no automóvel, um Ford KA vermelho, com o cão-guia Hug, um labrador preto, de 4 anos, que está com ela há dois anos.
A passageira afirma que o motorista, S.F.P, de 26 anos, se recusou a fazer a viagem sob o argumento de que "Uber X leva apenas pessoas, animais devem ser transportados pelo Uber Pet".
A usuária conta que tentou explicar ao motorista a função do cão-guia, um recurso de acessibilidade com acesso garantido por lei a qualquer tipo de transporte público ou privado, mas o condutor manteve a recusa.
"Argumentei que era cão de assistência, de serviço, mas ele disse que eu pegasse Uber Pet ou transporte público", detalha a passageira.
"Reportei ao aplicativo e, no dia seguinte, soube que o motorista havia sido bloqueado pela plataforma porque ele (o condutor) foi até minha residência me intimidar para eu retirar a queixa, sugerindo que eu mudasse meu posicionamento, inclusive com uma mentira sobre ter 'problema de cabeça', e que errei ao fazer a denúncia, ou seja, ele se recusa a me levar, me expulsa do carro e ainda exige que eu diga que estou errada", diz.
"Fiquei com medo e o restante da minha semana foi completamente arruinado. Sou musicista e não consegui ir a um evento para cantar e tocar, cancelei o compromisso. Pago personal trainer e não compareci à academia naquela semana porque eu fiquei com bastante receio do que poderia acontecer", afirma.
Orientada pela advogada Helena Rosa Gois, também cega, a passageira foi à 1ª Delegacia da Pessoa com Deficiência de São Paulo na última quarta-feira, 24, e registrou boletim de ocorrência.
"É um direito muito importante da pessoa com deficiência usuária de cão-guia ingressar e permanecer em qualquer meio de transporte, isso está determinado na Lei n° 11.126/2005 há quase 20 anos, mas essa lei é violada de forma reiterada e diária por motoristas da Uber. Há também uma falta de conscientização e de treinamento da própria Uber", avalia a advogada.
"Apenas banir os motoristas não é suficiente. Há casos muito graves de violações desses direitos e a gente precisa pensar que essa violação é sim um crime, cabe ação por dano moral e dano material, por exemplo, se a pessoa com deficiência vai trabalhar e enfrenta essa recusa", explica a especialista.
"Para a pessoa com deficiência, o transporte por aplicativo é essencial. Muitas vezes, essa pessoa vai a lugares que não conhece, não há semáforo para atravessar a rua com segurança e o transporte por aplicativo é o meio mais seguro", ressalta.
"Cão-guia não é um animal de estimação convencional, ele entra no veículo e fica no piso, é treinado para guiar a pessoa com deficiência, uma tecnologia assistiva muito importante que proporciona autonomia a pessoas com deficiência visual", comenta a advogada Helena Rosa Gois.
Não foi possível fazer contato com o motorista para ouvir a versão dele sobre o caso.
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Resposta - Questionada pelo blog Vencer Limites e a coluna Vencer Limites na Rádio Eldorado, a Uber confirmou em nota que a conta do motorista foi desativada, mas não menciona banimento do condutor.
"A Uber lamenta o caso e considera inaceitável qualquer tipo de violência. A conta do motorista parceiro foi desativada assim que tomamos conhecimento do ocorrido. A empresa permanece à disposição das autoridades para colaborar com as investigações, na forma da lei. Além disso, em parceria com o MeToo, a Uber disponibiliza um canal de suporte psicológico que será disponibilizado à usuária.
A Uber reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o nosso app. Temos como política que os motoristas parceiros cumpram a legislação que rege o transporte de pessoas com deficiência e acomodem cães de serviço.
A empresa fornece diversos materiais informativos a motoristas parceiros sobre como tratar cada usuário com cordialidade e respeito e possui um guia de acessibilidade que tem como objetivo apoiar os motoristas parceiros com informações sobre como ter interações positivas e respeitosas com usuários que têm alguma deficiência. A Uber inclusive abordou o tema recentemente do quinto episódio do Uber Cast.
Nos casos em que usuários sentirem que o tratamento dado pelo parceiro não foi respeitoso, ou que desrespeitou os termos da lei, ressaltamos sempre a importância de reportarem esses incidentes à Uber, para que possamos tomar as medidas necessárias. Conforme explicitado no Código da Comunidade Uber, casos comprovados de motoristas que adotem conduta discriminatória podem levar à perda de acesso à plataforma", diz a nota.
A Uber também informou que não pode fornecer informações do motorista porque isso é proibido pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).