Diversidade e Inclusão

"O panorama atual da cultura tem muito mais artistas DEF fazendo seus próprios trabalhos e criando suas próprias estéticas"


Estela Lapponi, performer e pesquisadora, mulher com deficiência, lança o curta-metragem 'LA HEMI', no qual mostra ações do cotidiano com o próprio corpo, que tem hemiparesia após um AVC; em entrevista exclusiva, a produtora e videoartista detalha o novo trabalho e avalia a representatividade da pessoa com deficiência no universo cultural; ASSISTA AO TRAILER.

Por Luiz Alexandre Souza Ventura

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Estela Lapponi se apresenta como performer, videoartista e terrorista poética. Também é produtora, dona da Casa de Zuleika, e pesquisadora da Cultura DEF, uma rara pensadora da deficiência como característica humana e mecanismo de ruptura da hegemonia que prioriza o linear no corpo humano.

Em seu novo trabalho, o curta-metragem 'LA HEMI', ela usa como ponto de partida as ações cotidianas realizadas por um corpo hemiparético. Estela Lapponi é uma mulher com deficiência física, tem hemiparesia esquerda há 27 anos como sequela de um AVC, e precisou desenvolver diferentes tecnologias para se adaptar à realidade de fazer tudo com a mão direita e garantir autonomia diária. A fotógrafa e artista visual Ila Giroto assina o roteiro e a codireção com a produção executiva de Maria Laura Cesar. O filme foi produzido em 2023 por meio do edital de produção da Rede Afirmativa da SPCine.

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No próximo dia 26 de novembro, às 20h, no Cine Matilha, em São Paulo (Rua Rego Freitas, n° 542, República), antecedendo o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3/12), Estela Lapponi e Ila Giroto lançam 'LA HEMI' em evento de duas sessões, cada uma com 64 lugares. Ingressos gratuitos devem ser reservados (clique aqui). Após a exibição, as diretoras e a produção executiva participam de uma conversa com o público. Haverá interpretação em Libras.

O curta também será exibido no FesticineRO (Roraima/2024), XI Modive-se (Campinas/2024), 9 FIIK - Janela Caipira (Rio Claro, Menção Honrosa, 2024), Mostra Cine Diversidade (Rio de Janeiro/2024, primeiro lugar no voto popular), Deficiência em Tela (Belo Horizonte/2024), Cine Poética DEF (Salvador e Curitiba/2024), Mostra Transbordantes de Cinema e Audiovisual Festival de Inverno Ouro Preto (UFOP/2024), Cine Urbana (Brasilia/2024) e III Festival Mimoso de Cinema (Luís Eduardo Magalhães, Bahia/2024).

Vencer Limites - Como tudo isso se formou em sua cabeça até a montagem do filme?

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Estela Lapponi - LA HEMI era uma ideia que eu já tinha, de fazer algo no audiovisual, não necessariamente cinema, mas um filme, uma videoarte. Eu não tinha muita clareza ainda do formato, mas sabia que seria audiovisual, sobre essas tecnologias que eu crio para fazer coisas normalmente feitas com duas mãos. E como tenho uma hemiparesia esquerda, invento tecnologias para poder executar essas ações cotidianas, como amarrar o tênis, abrir uma garrafa ou uma lata, cortar pão, enfim, tudo que eu faço com uma mão só.

Na pandemia, em 2020, a Ila Giroto, que é a codiretora e roteirista, deixou um pão na janela da minha casa. Então o start para começar a visualizar mais, e não ficar só no plano das ideias, foi um pão. Normalmente, compro pão de forma já fatiado, porque esses pães inteiros - o pão que ela deixou era de fermentação natural, de grãos - são difíceis para eu cortar. Na pandemia, tudo era era audiovisual, então, fiz um experimento e gravei com o celular a maneira como resolvi a problemática de cortar aquele pão com uma mão só. Desse experimento visual - teve trilha e tudo mais, feita por um guitarrista - bem caseiro, sem mixagem, fiz essa pílula, essa videoarte, cortando o pão. Eu apoio os peitos em cima do pão para estabilizar e corto. A partir disso, vi que tinha uma coisa interessante em termos de ação, de estranhamento da própria ação simples de cortar um pão, mas com os peitos, ao mesmo tempo sensual, provocativo e o jeito que eu encontrei de fazer isso.

Inicialmente, eu queria fazer uma coisa na qual meu rosto não aparecesse. Então, cortava a cabeça, então, não identificava quem era essa pessoa, essa mulher, no meu caso, uma mulher cis. A maneira como eu executo ações cotidianas tem relação direta com os objetos, uma relação de corpo a corpo. Pensei num telecatch, essa coisa de luta livre.

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Eu já tinha clareza de que a câmera teria que acompanhar esse corpo, tinha que capengar para acompanhar esse corpo. Minha ideia era uma câmera nada usual, uma fotografia que aleijasse, e não como se fosse a pessoa sem deficiência, que fica observando esse corpo como ele faz as coisas, mas capengando junto, porque a surpresa que a pessoa sem deficiência tem com a gente é "nossa, ela faz isso" ou então "deixa que eu te ajudo", como acontece quando a pessoa sem deficiência me vê abrindo uma garrafa no meio das coxas. E não é um problema, é só o jeito que eu faço, como se fosse uma humilhação a gente não usar as duas mãos para essas ações ordinárias no dia a dia. Está relacionado com a capacidade corporal compulsória, de gente que só anda sob as duas pernas de maneira cadenciada, utiliza as duas mãos, ouve com os dois ouvidos, enxerga com os dois olhos e se comunica pela boca.

Então, com a entrada da Ila Giroto, quando a gente começa a conversar, discutir e ensaiar com a câmera, com o celular mesmo, a gente queria experimentar, para saber qual equipamento usar. Eu estou criando mais sinapses porque invento um jeito de realizar ações e isso cria sinapses. E a Ila estava no meio de um processo de avaliação que culminou na confirmação de autismo (nível 1 de suporte). Então, a questão do cérebro conecta muito a gente, eu eu tive um AVC hemorrágico no cérebro e ela pela questão de ser neurodivergente.

Vencer Limites - Você cria esses mecanismos só no corpo - coloca o pão entre os seios para cortar, coloca a garrafa entre as pernas para abrir - ou também cria ferramentas externas para fazer essas coisas do dia a dia?

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Estela Lapponi - Quando falo de tecnologias corporais, tenho uma relação bem corpo a corpo com os objetos, com as coisas. A gente está o tempo todo criando tecnologias para executar ações porque cada corpo é um corpo.

Vencer Limites - Com quem você quer falar nesse filme, com quem está conversando, com o público geral, qualquer um que assistir, ou com pessoas que vivenciam a mesma experiência, pessoas que não têm nenhum conhecimento sobre isso, mas estão interessadas? Qual público você busca para que esse filme seja visto e compreendido?

Estela Lapponi - Tudo isso e mais um pouco porque, em termos de linguagem cinematográfica, busco um lugar de capengar o cinema, porque ele é bem bípede, o quadro tem que ser extremamente harmônico, e todas essas ideias de harmonia e perfeição do audiovisual. Então, também é brincar com a própria linguagem. Quero pessoas que não têm deficiência, que não conhecem o assunto, e quero pessoas que têm deficiência, principalmente que tiveram AVC, que são hemiparéticos, e estudantes de arte.

Vencer Limites - O que exatamente você quer dizer com o termo capengar?

Estela Lapponi - Colocar essa câmera na mão e ela ser menos precisa, entortar, aleijar, trazer isso para a nossa Cultura DEF, nosso jeito de pensar a arte, de criar a arte, que é a partir dos nossos corpos, que não são hegemônicos, que capengam, que troncham, que mancam, que são aleijados. Essas palavras, pejorativas para a hegemonia, eu trago como cultura, como palavras que fazem parte da minha cultura e da minha criação artística. Investigo as palavras capenga e capengar desde o ano passado. Quando finalizei meu livro ('Corpo Intruso: uma investigação cênica, visual e conceitual', em formato digital e áudio, publicação independente, fruto do PROAC LAB 2021, Prêmio pelo Histórico em Artes Visuais), fiquei com essa ideia de fazer algo sobre a capenga. Então, estou investigando a palavra. Já fiz uma videoarte, estou agora ensaiando e criando, investigando um novo solo que se chama Capenga. É uma palavra da qual venho me apropriando cada vez mais no meu fazer artístico, porque ela produz estética, é uma possibilidade de produção estética.

Vencer Limites - Qual é a sua avaliação sobre a representatividade da pessoa com deficiência e a maneira como a pessoa com deficiência está mostrada e colocada no universo cultural e no audiovisual?

Estela Lapponi - O panorama atual da cultura tem muito mais artista DEF fazendo seus próprios trabalhos e criando suas próprias estéticas. No audiovisual, do cinema produzido pelas pessoas sem deficiência, nas pesquisas que eu fiz, a narrativa sempre é do gênero de drama, colocam esse corpo na categoria de drama. Nós realizadores do audiovisual e que somos pessoas com deficiência colocamos em xeque essa narrativa, trazemos humor nas nossas narrativas, ironia, e também confrontamos esse pensamento hegemônico sobre os nossos corpos, como corpos impossíveis, corpos que sofrem, que são tristes, que não transam, que não gozam, que não se divertem, que não têm alegria.

É importante frisar o audiovisual porque ele ainda é um meio de ampla divulgação, o filme pode viajar para qualquer lugar sem que a gente tenha que se deslocar. É diferente das artes cênicas, tanto a dança quanto o teatro, nos quais gente precisa estar ao vivo nos lugares para poder apresentar um trabalho. Já o filme, o cinema, seja curta, longa, média, seja qual for o gênero, ele viaja de várias formas, tanto por meio de festivais quanto de mostras e hoje em dia dos streamings. Qualquer pessoa que tem acesso ao streaming consegue, de qualquer lugar, acessar esse conteúdo. É muito nítido isso em pesquisa, a porcentagem maior dos filmes de drama que têm como tema a pessoa com deficiência. Depois é terror e documentário. Comédia deve ser 1%. Encontrei textos, artigos e mestrados, uma pesquisa de 20 ano atrás, outra desde 1900. Quando o filme é realizado por uma pessoa com deficiência, com certeza é importante essa representatividade, não só o fato de ter uma personagem no audiovisual com deficiência, como também que narrativa é essa que vai ser apresentada, de que forma essa história vai ser contada e qual é a perspectiva.

Sinopse - 'LA HEMI' é um curta-metragem performático que mergulha nas ações cotidianas de um corpo hemiparético. A câmera é como espectador e personagem, que ao adentrar o labirinto cerebral, testemunha a criatividade da personagem, que utiliza uma só mão nos afazeres rotineiros como: amarrar os tênis; escovar os dentes; cortar pão; abrir lata; abrir garrafa pet e até mesmo ralar um queijo. A narrativa sonora espetaculariza a jornada de LA HEMI, focando com ironia e sensualidade a potência disruptiva do corpo DEF (Pessoa com Deficiência). Uma autoficção em que a performer Estela Lapponi coloca a realidade de seu corpo hemiparético (por conta de um AVC há 27 anos) como prova da neuroplasticidade cerebral e desafia a capacidade corporal compulsória - quem disse, que só há um jeito de se fazer as coisas? Um filme que afirma o corpo DEF como um corpo possível e celebra a criatividade em seu modo próprio de existir.

Estela Lapponi é performer, videoartista e terrorista poética paulistana. Tem como foco de investigação artística o discurso cênico do corpo DEF (pessoa com deficiência), a prática performativa e relacional (público) e o trânsito entre as linguagens visuais e cênicas. Desde 2009, realiza práticas investigativas a partir do conceito que criou, Corpo Intruso. Em 2018, dirigiu e produziu seu primeiro curta 'profanAÇÃO', e também atuou ao lado de mais quatro artistas DEF, curta também contemplado pelo edital de produção de curta-metragem da SPCine. Em 2023, lançou o livro 'Corpo Intruso - uma investigação cênica, visual e conceitual'. É master em Práticas Cênicas e Cultura Visual pela Universidad de Alcalá de Madri e especialista em Estudos Contemporâneos de Dança pela Universidade Federal da Bahia.

Ila Giroto trabalha no audiovisual desde 2005. Como diretora de elenco, contribuiu para filmes e séries de diversos gêneros e plataformas, como Disney+, Prime Video, GloboPlay, Netflix. Também é fotógrafa e artista visual. 'LA HEMI' é seu primeiro curta-metragem, do qual assina roteiro e codireção.

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Estela Lapponi se apresenta como performer, videoartista e terrorista poética. Também é produtora, dona da Casa de Zuleika, e pesquisadora da Cultura DEF, uma rara pensadora da deficiência como característica humana e mecanismo de ruptura da hegemonia que prioriza o linear no corpo humano.

Em seu novo trabalho, o curta-metragem 'LA HEMI', ela usa como ponto de partida as ações cotidianas realizadas por um corpo hemiparético. Estela Lapponi é uma mulher com deficiência física, tem hemiparesia esquerda há 27 anos como sequela de um AVC, e precisou desenvolver diferentes tecnologias para se adaptar à realidade de fazer tudo com a mão direita e garantir autonomia diária. A fotógrafa e artista visual Ila Giroto assina o roteiro e a codireção com a produção executiva de Maria Laura Cesar. O filme foi produzido em 2023 por meio do edital de produção da Rede Afirmativa da SPCine.

No próximo dia 26 de novembro, às 20h, no Cine Matilha, em São Paulo (Rua Rego Freitas, n° 542, República), antecedendo o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3/12), Estela Lapponi e Ila Giroto lançam 'LA HEMI' em evento de duas sessões, cada uma com 64 lugares. Ingressos gratuitos devem ser reservados (clique aqui). Após a exibição, as diretoras e a produção executiva participam de uma conversa com o público. Haverá interpretação em Libras.

O curta também será exibido no FesticineRO (Roraima/2024), XI Modive-se (Campinas/2024), 9 FIIK - Janela Caipira (Rio Claro, Menção Honrosa, 2024), Mostra Cine Diversidade (Rio de Janeiro/2024, primeiro lugar no voto popular), Deficiência em Tela (Belo Horizonte/2024), Cine Poética DEF (Salvador e Curitiba/2024), Mostra Transbordantes de Cinema e Audiovisual Festival de Inverno Ouro Preto (UFOP/2024), Cine Urbana (Brasilia/2024) e III Festival Mimoso de Cinema (Luís Eduardo Magalhães, Bahia/2024).

Vencer Limites - Como tudo isso se formou em sua cabeça até a montagem do filme?

Estela Lapponi - LA HEMI era uma ideia que eu já tinha, de fazer algo no audiovisual, não necessariamente cinema, mas um filme, uma videoarte. Eu não tinha muita clareza ainda do formato, mas sabia que seria audiovisual, sobre essas tecnologias que eu crio para fazer coisas normalmente feitas com duas mãos. E como tenho uma hemiparesia esquerda, invento tecnologias para poder executar essas ações cotidianas, como amarrar o tênis, abrir uma garrafa ou uma lata, cortar pão, enfim, tudo que eu faço com uma mão só.

Na pandemia, em 2020, a Ila Giroto, que é a codiretora e roteirista, deixou um pão na janela da minha casa. Então o start para começar a visualizar mais, e não ficar só no plano das ideias, foi um pão. Normalmente, compro pão de forma já fatiado, porque esses pães inteiros - o pão que ela deixou era de fermentação natural, de grãos - são difíceis para eu cortar. Na pandemia, tudo era era audiovisual, então, fiz um experimento e gravei com o celular a maneira como resolvi a problemática de cortar aquele pão com uma mão só. Desse experimento visual - teve trilha e tudo mais, feita por um guitarrista - bem caseiro, sem mixagem, fiz essa pílula, essa videoarte, cortando o pão. Eu apoio os peitos em cima do pão para estabilizar e corto. A partir disso, vi que tinha uma coisa interessante em termos de ação, de estranhamento da própria ação simples de cortar um pão, mas com os peitos, ao mesmo tempo sensual, provocativo e o jeito que eu encontrei de fazer isso.

Inicialmente, eu queria fazer uma coisa na qual meu rosto não aparecesse. Então, cortava a cabeça, então, não identificava quem era essa pessoa, essa mulher, no meu caso, uma mulher cis. A maneira como eu executo ações cotidianas tem relação direta com os objetos, uma relação de corpo a corpo. Pensei num telecatch, essa coisa de luta livre.

Eu já tinha clareza de que a câmera teria que acompanhar esse corpo, tinha que capengar para acompanhar esse corpo. Minha ideia era uma câmera nada usual, uma fotografia que aleijasse, e não como se fosse a pessoa sem deficiência, que fica observando esse corpo como ele faz as coisas, mas capengando junto, porque a surpresa que a pessoa sem deficiência tem com a gente é "nossa, ela faz isso" ou então "deixa que eu te ajudo", como acontece quando a pessoa sem deficiência me vê abrindo uma garrafa no meio das coxas. E não é um problema, é só o jeito que eu faço, como se fosse uma humilhação a gente não usar as duas mãos para essas ações ordinárias no dia a dia. Está relacionado com a capacidade corporal compulsória, de gente que só anda sob as duas pernas de maneira cadenciada, utiliza as duas mãos, ouve com os dois ouvidos, enxerga com os dois olhos e se comunica pela boca.

Então, com a entrada da Ila Giroto, quando a gente começa a conversar, discutir e ensaiar com a câmera, com o celular mesmo, a gente queria experimentar, para saber qual equipamento usar. Eu estou criando mais sinapses porque invento um jeito de realizar ações e isso cria sinapses. E a Ila estava no meio de um processo de avaliação que culminou na confirmação de autismo (nível 1 de suporte). Então, a questão do cérebro conecta muito a gente, eu eu tive um AVC hemorrágico no cérebro e ela pela questão de ser neurodivergente.

Vencer Limites - Você cria esses mecanismos só no corpo - coloca o pão entre os seios para cortar, coloca a garrafa entre as pernas para abrir - ou também cria ferramentas externas para fazer essas coisas do dia a dia?

Estela Lapponi - Quando falo de tecnologias corporais, tenho uma relação bem corpo a corpo com os objetos, com as coisas. A gente está o tempo todo criando tecnologias para executar ações porque cada corpo é um corpo.

Vencer Limites - Com quem você quer falar nesse filme, com quem está conversando, com o público geral, qualquer um que assistir, ou com pessoas que vivenciam a mesma experiência, pessoas que não têm nenhum conhecimento sobre isso, mas estão interessadas? Qual público você busca para que esse filme seja visto e compreendido?

Estela Lapponi - Tudo isso e mais um pouco porque, em termos de linguagem cinematográfica, busco um lugar de capengar o cinema, porque ele é bem bípede, o quadro tem que ser extremamente harmônico, e todas essas ideias de harmonia e perfeição do audiovisual. Então, também é brincar com a própria linguagem. Quero pessoas que não têm deficiência, que não conhecem o assunto, e quero pessoas que têm deficiência, principalmente que tiveram AVC, que são hemiparéticos, e estudantes de arte.

Vencer Limites - O que exatamente você quer dizer com o termo capengar?

Estela Lapponi - Colocar essa câmera na mão e ela ser menos precisa, entortar, aleijar, trazer isso para a nossa Cultura DEF, nosso jeito de pensar a arte, de criar a arte, que é a partir dos nossos corpos, que não são hegemônicos, que capengam, que troncham, que mancam, que são aleijados. Essas palavras, pejorativas para a hegemonia, eu trago como cultura, como palavras que fazem parte da minha cultura e da minha criação artística. Investigo as palavras capenga e capengar desde o ano passado. Quando finalizei meu livro ('Corpo Intruso: uma investigação cênica, visual e conceitual', em formato digital e áudio, publicação independente, fruto do PROAC LAB 2021, Prêmio pelo Histórico em Artes Visuais), fiquei com essa ideia de fazer algo sobre a capenga. Então, estou investigando a palavra. Já fiz uma videoarte, estou agora ensaiando e criando, investigando um novo solo que se chama Capenga. É uma palavra da qual venho me apropriando cada vez mais no meu fazer artístico, porque ela produz estética, é uma possibilidade de produção estética.

Vencer Limites - Qual é a sua avaliação sobre a representatividade da pessoa com deficiência e a maneira como a pessoa com deficiência está mostrada e colocada no universo cultural e no audiovisual?

Estela Lapponi - O panorama atual da cultura tem muito mais artista DEF fazendo seus próprios trabalhos e criando suas próprias estéticas. No audiovisual, do cinema produzido pelas pessoas sem deficiência, nas pesquisas que eu fiz, a narrativa sempre é do gênero de drama, colocam esse corpo na categoria de drama. Nós realizadores do audiovisual e que somos pessoas com deficiência colocamos em xeque essa narrativa, trazemos humor nas nossas narrativas, ironia, e também confrontamos esse pensamento hegemônico sobre os nossos corpos, como corpos impossíveis, corpos que sofrem, que são tristes, que não transam, que não gozam, que não se divertem, que não têm alegria.

É importante frisar o audiovisual porque ele ainda é um meio de ampla divulgação, o filme pode viajar para qualquer lugar sem que a gente tenha que se deslocar. É diferente das artes cênicas, tanto a dança quanto o teatro, nos quais gente precisa estar ao vivo nos lugares para poder apresentar um trabalho. Já o filme, o cinema, seja curta, longa, média, seja qual for o gênero, ele viaja de várias formas, tanto por meio de festivais quanto de mostras e hoje em dia dos streamings. Qualquer pessoa que tem acesso ao streaming consegue, de qualquer lugar, acessar esse conteúdo. É muito nítido isso em pesquisa, a porcentagem maior dos filmes de drama que têm como tema a pessoa com deficiência. Depois é terror e documentário. Comédia deve ser 1%. Encontrei textos, artigos e mestrados, uma pesquisa de 20 ano atrás, outra desde 1900. Quando o filme é realizado por uma pessoa com deficiência, com certeza é importante essa representatividade, não só o fato de ter uma personagem no audiovisual com deficiência, como também que narrativa é essa que vai ser apresentada, de que forma essa história vai ser contada e qual é a perspectiva.

Sinopse - 'LA HEMI' é um curta-metragem performático que mergulha nas ações cotidianas de um corpo hemiparético. A câmera é como espectador e personagem, que ao adentrar o labirinto cerebral, testemunha a criatividade da personagem, que utiliza uma só mão nos afazeres rotineiros como: amarrar os tênis; escovar os dentes; cortar pão; abrir lata; abrir garrafa pet e até mesmo ralar um queijo. A narrativa sonora espetaculariza a jornada de LA HEMI, focando com ironia e sensualidade a potência disruptiva do corpo DEF (Pessoa com Deficiência). Uma autoficção em que a performer Estela Lapponi coloca a realidade de seu corpo hemiparético (por conta de um AVC há 27 anos) como prova da neuroplasticidade cerebral e desafia a capacidade corporal compulsória - quem disse, que só há um jeito de se fazer as coisas? Um filme que afirma o corpo DEF como um corpo possível e celebra a criatividade em seu modo próprio de existir.

Estela Lapponi é performer, videoartista e terrorista poética paulistana. Tem como foco de investigação artística o discurso cênico do corpo DEF (pessoa com deficiência), a prática performativa e relacional (público) e o trânsito entre as linguagens visuais e cênicas. Desde 2009, realiza práticas investigativas a partir do conceito que criou, Corpo Intruso. Em 2018, dirigiu e produziu seu primeiro curta 'profanAÇÃO', e também atuou ao lado de mais quatro artistas DEF, curta também contemplado pelo edital de produção de curta-metragem da SPCine. Em 2023, lançou o livro 'Corpo Intruso - uma investigação cênica, visual e conceitual'. É master em Práticas Cênicas e Cultura Visual pela Universidad de Alcalá de Madri e especialista em Estudos Contemporâneos de Dança pela Universidade Federal da Bahia.

Ila Giroto trabalha no audiovisual desde 2005. Como diretora de elenco, contribuiu para filmes e séries de diversos gêneros e plataformas, como Disney+, Prime Video, GloboPlay, Netflix. Também é fotógrafa e artista visual. 'LA HEMI' é seu primeiro curta-metragem, do qual assina roteiro e codireção.

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Em seu novo trabalho, o curta-metragem 'LA HEMI', ela usa como ponto de partida as ações cotidianas realizadas por um corpo hemiparético. Estela Lapponi é uma mulher com deficiência física, tem hemiparesia esquerda há 27 anos como sequela de um AVC, e precisou desenvolver diferentes tecnologias para se adaptar à realidade de fazer tudo com a mão direita e garantir autonomia diária. A fotógrafa e artista visual Ila Giroto assina o roteiro e a codireção com a produção executiva de Maria Laura Cesar. O filme foi produzido em 2023 por meio do edital de produção da Rede Afirmativa da SPCine.

No próximo dia 26 de novembro, às 20h, no Cine Matilha, em São Paulo (Rua Rego Freitas, n° 542, República), antecedendo o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3/12), Estela Lapponi e Ila Giroto lançam 'LA HEMI' em evento de duas sessões, cada uma com 64 lugares. Ingressos gratuitos devem ser reservados (clique aqui). Após a exibição, as diretoras e a produção executiva participam de uma conversa com o público. Haverá interpretação em Libras.

O curta também será exibido no FesticineRO (Roraima/2024), XI Modive-se (Campinas/2024), 9 FIIK - Janela Caipira (Rio Claro, Menção Honrosa, 2024), Mostra Cine Diversidade (Rio de Janeiro/2024, primeiro lugar no voto popular), Deficiência em Tela (Belo Horizonte/2024), Cine Poética DEF (Salvador e Curitiba/2024), Mostra Transbordantes de Cinema e Audiovisual Festival de Inverno Ouro Preto (UFOP/2024), Cine Urbana (Brasilia/2024) e III Festival Mimoso de Cinema (Luís Eduardo Magalhães, Bahia/2024).

Vencer Limites - Como tudo isso se formou em sua cabeça até a montagem do filme?

Estela Lapponi - LA HEMI era uma ideia que eu já tinha, de fazer algo no audiovisual, não necessariamente cinema, mas um filme, uma videoarte. Eu não tinha muita clareza ainda do formato, mas sabia que seria audiovisual, sobre essas tecnologias que eu crio para fazer coisas normalmente feitas com duas mãos. E como tenho uma hemiparesia esquerda, invento tecnologias para poder executar essas ações cotidianas, como amarrar o tênis, abrir uma garrafa ou uma lata, cortar pão, enfim, tudo que eu faço com uma mão só.

Na pandemia, em 2020, a Ila Giroto, que é a codiretora e roteirista, deixou um pão na janela da minha casa. Então o start para começar a visualizar mais, e não ficar só no plano das ideias, foi um pão. Normalmente, compro pão de forma já fatiado, porque esses pães inteiros - o pão que ela deixou era de fermentação natural, de grãos - são difíceis para eu cortar. Na pandemia, tudo era era audiovisual, então, fiz um experimento e gravei com o celular a maneira como resolvi a problemática de cortar aquele pão com uma mão só. Desse experimento visual - teve trilha e tudo mais, feita por um guitarrista - bem caseiro, sem mixagem, fiz essa pílula, essa videoarte, cortando o pão. Eu apoio os peitos em cima do pão para estabilizar e corto. A partir disso, vi que tinha uma coisa interessante em termos de ação, de estranhamento da própria ação simples de cortar um pão, mas com os peitos, ao mesmo tempo sensual, provocativo e o jeito que eu encontrei de fazer isso.

Inicialmente, eu queria fazer uma coisa na qual meu rosto não aparecesse. Então, cortava a cabeça, então, não identificava quem era essa pessoa, essa mulher, no meu caso, uma mulher cis. A maneira como eu executo ações cotidianas tem relação direta com os objetos, uma relação de corpo a corpo. Pensei num telecatch, essa coisa de luta livre.

Eu já tinha clareza de que a câmera teria que acompanhar esse corpo, tinha que capengar para acompanhar esse corpo. Minha ideia era uma câmera nada usual, uma fotografia que aleijasse, e não como se fosse a pessoa sem deficiência, que fica observando esse corpo como ele faz as coisas, mas capengando junto, porque a surpresa que a pessoa sem deficiência tem com a gente é "nossa, ela faz isso" ou então "deixa que eu te ajudo", como acontece quando a pessoa sem deficiência me vê abrindo uma garrafa no meio das coxas. E não é um problema, é só o jeito que eu faço, como se fosse uma humilhação a gente não usar as duas mãos para essas ações ordinárias no dia a dia. Está relacionado com a capacidade corporal compulsória, de gente que só anda sob as duas pernas de maneira cadenciada, utiliza as duas mãos, ouve com os dois ouvidos, enxerga com os dois olhos e se comunica pela boca.

Então, com a entrada da Ila Giroto, quando a gente começa a conversar, discutir e ensaiar com a câmera, com o celular mesmo, a gente queria experimentar, para saber qual equipamento usar. Eu estou criando mais sinapses porque invento um jeito de realizar ações e isso cria sinapses. E a Ila estava no meio de um processo de avaliação que culminou na confirmação de autismo (nível 1 de suporte). Então, a questão do cérebro conecta muito a gente, eu eu tive um AVC hemorrágico no cérebro e ela pela questão de ser neurodivergente.

Vencer Limites - Você cria esses mecanismos só no corpo - coloca o pão entre os seios para cortar, coloca a garrafa entre as pernas para abrir - ou também cria ferramentas externas para fazer essas coisas do dia a dia?

Estela Lapponi - Quando falo de tecnologias corporais, tenho uma relação bem corpo a corpo com os objetos, com as coisas. A gente está o tempo todo criando tecnologias para executar ações porque cada corpo é um corpo.

Vencer Limites - Com quem você quer falar nesse filme, com quem está conversando, com o público geral, qualquer um que assistir, ou com pessoas que vivenciam a mesma experiência, pessoas que não têm nenhum conhecimento sobre isso, mas estão interessadas? Qual público você busca para que esse filme seja visto e compreendido?

Estela Lapponi - Tudo isso e mais um pouco porque, em termos de linguagem cinematográfica, busco um lugar de capengar o cinema, porque ele é bem bípede, o quadro tem que ser extremamente harmônico, e todas essas ideias de harmonia e perfeição do audiovisual. Então, também é brincar com a própria linguagem. Quero pessoas que não têm deficiência, que não conhecem o assunto, e quero pessoas que têm deficiência, principalmente que tiveram AVC, que são hemiparéticos, e estudantes de arte.

Vencer Limites - O que exatamente você quer dizer com o termo capengar?

Estela Lapponi - Colocar essa câmera na mão e ela ser menos precisa, entortar, aleijar, trazer isso para a nossa Cultura DEF, nosso jeito de pensar a arte, de criar a arte, que é a partir dos nossos corpos, que não são hegemônicos, que capengam, que troncham, que mancam, que são aleijados. Essas palavras, pejorativas para a hegemonia, eu trago como cultura, como palavras que fazem parte da minha cultura e da minha criação artística. Investigo as palavras capenga e capengar desde o ano passado. Quando finalizei meu livro ('Corpo Intruso: uma investigação cênica, visual e conceitual', em formato digital e áudio, publicação independente, fruto do PROAC LAB 2021, Prêmio pelo Histórico em Artes Visuais), fiquei com essa ideia de fazer algo sobre a capenga. Então, estou investigando a palavra. Já fiz uma videoarte, estou agora ensaiando e criando, investigando um novo solo que se chama Capenga. É uma palavra da qual venho me apropriando cada vez mais no meu fazer artístico, porque ela produz estética, é uma possibilidade de produção estética.

Vencer Limites - Qual é a sua avaliação sobre a representatividade da pessoa com deficiência e a maneira como a pessoa com deficiência está mostrada e colocada no universo cultural e no audiovisual?

Estela Lapponi - O panorama atual da cultura tem muito mais artista DEF fazendo seus próprios trabalhos e criando suas próprias estéticas. No audiovisual, do cinema produzido pelas pessoas sem deficiência, nas pesquisas que eu fiz, a narrativa sempre é do gênero de drama, colocam esse corpo na categoria de drama. Nós realizadores do audiovisual e que somos pessoas com deficiência colocamos em xeque essa narrativa, trazemos humor nas nossas narrativas, ironia, e também confrontamos esse pensamento hegemônico sobre os nossos corpos, como corpos impossíveis, corpos que sofrem, que são tristes, que não transam, que não gozam, que não se divertem, que não têm alegria.

É importante frisar o audiovisual porque ele ainda é um meio de ampla divulgação, o filme pode viajar para qualquer lugar sem que a gente tenha que se deslocar. É diferente das artes cênicas, tanto a dança quanto o teatro, nos quais gente precisa estar ao vivo nos lugares para poder apresentar um trabalho. Já o filme, o cinema, seja curta, longa, média, seja qual for o gênero, ele viaja de várias formas, tanto por meio de festivais quanto de mostras e hoje em dia dos streamings. Qualquer pessoa que tem acesso ao streaming consegue, de qualquer lugar, acessar esse conteúdo. É muito nítido isso em pesquisa, a porcentagem maior dos filmes de drama que têm como tema a pessoa com deficiência. Depois é terror e documentário. Comédia deve ser 1%. Encontrei textos, artigos e mestrados, uma pesquisa de 20 ano atrás, outra desde 1900. Quando o filme é realizado por uma pessoa com deficiência, com certeza é importante essa representatividade, não só o fato de ter uma personagem no audiovisual com deficiência, como também que narrativa é essa que vai ser apresentada, de que forma essa história vai ser contada e qual é a perspectiva.

Sinopse - 'LA HEMI' é um curta-metragem performático que mergulha nas ações cotidianas de um corpo hemiparético. A câmera é como espectador e personagem, que ao adentrar o labirinto cerebral, testemunha a criatividade da personagem, que utiliza uma só mão nos afazeres rotineiros como: amarrar os tênis; escovar os dentes; cortar pão; abrir lata; abrir garrafa pet e até mesmo ralar um queijo. A narrativa sonora espetaculariza a jornada de LA HEMI, focando com ironia e sensualidade a potência disruptiva do corpo DEF (Pessoa com Deficiência). Uma autoficção em que a performer Estela Lapponi coloca a realidade de seu corpo hemiparético (por conta de um AVC há 27 anos) como prova da neuroplasticidade cerebral e desafia a capacidade corporal compulsória - quem disse, que só há um jeito de se fazer as coisas? Um filme que afirma o corpo DEF como um corpo possível e celebra a criatividade em seu modo próprio de existir.

Estela Lapponi é performer, videoartista e terrorista poética paulistana. Tem como foco de investigação artística o discurso cênico do corpo DEF (pessoa com deficiência), a prática performativa e relacional (público) e o trânsito entre as linguagens visuais e cênicas. Desde 2009, realiza práticas investigativas a partir do conceito que criou, Corpo Intruso. Em 2018, dirigiu e produziu seu primeiro curta 'profanAÇÃO', e também atuou ao lado de mais quatro artistas DEF, curta também contemplado pelo edital de produção de curta-metragem da SPCine. Em 2023, lançou o livro 'Corpo Intruso - uma investigação cênica, visual e conceitual'. É master em Práticas Cênicas e Cultura Visual pela Universidad de Alcalá de Madri e especialista em Estudos Contemporâneos de Dança pela Universidade Federal da Bahia.

Ila Giroto trabalha no audiovisual desde 2005. Como diretora de elenco, contribuiu para filmes e séries de diversos gêneros e plataformas, como Disney+, Prime Video, GloboPlay, Netflix. Também é fotógrafa e artista visual. 'LA HEMI' é seu primeiro curta-metragem, do qual assina roteiro e codireção.

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