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Pessoas com deficiência serão expulsas de aviões e nem sequer poderão questionar essa decisão unilateral das companhias aéreas? Se depender da Resolução nº 280/2013, proposta pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), há uma real possibilidade.
Uma revisão da resolução passa por consulta pública até 27/3 e uma audiência pública foi feita no último dia 13, com participação de instituições que representam as pessoas com deficiência. A íntegra está publicada no canal da Anac no YouTube.
O presidente da Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência (ANAPcD), Abrão Dib, destacou o caráter excludente da proposta. "Empresas aéreas ganham uma concessão e as pessoas com deficiência, a discriminação. Ninguém está perdido favor".
Dib chamou a atenção para situações de constrangimento e desrespeito vivenciadas por passageiros com deficiência em viagens aéreas, e mencionou o caso de um casal, ambos usuários de cadeiras de rodas e obrigados a aguardar por várias horas no aeroporto, enquanto a companhia aérea decidia sozinha se a dupla poderia embarcar.
"Já encaminhamos o pedido de prorrogação do prazo da consulta pública para mais 180 dias", afirma o presidente da ANAPcD.
A Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB) também se pronunciou na audiência, com participação online de seu secretário de Direitos Humanos e Assuntos Jurídicos, Agnaldo Borcath. "Falamos de uma construção histórica do conceito de pessoa com deficiência, e fazemos uma comparação com o texto da proposta e o que estabelece a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n° 13.146/2015). Na proposta, coloca-se a limitação na pessoa, chamada de 'PNAE', enquanto a LBI diz expressamente que é a 'interação com uma ou mais barreiras que obstruem a participação na sociedade' o fator determinante para identificar a pessoa com deficiência. A resolução joga o ônus exclusivamente sobre a pessoa com deficiência".
"Risco de discriminação" - Não houve participação na audiência pública de integrantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNDPD), além do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). Questionado pelo blog Vencer Limites, o MDHC respondeu em nota.
"O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNDPD), tem colaborado com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) na revisão da Resolução n° 280, de 2013.
Esse tema é complexo e envolve não apenas os direitos das pessoas com deficiência, mas também os interesses de operadores aéreos e aeroportuários e de pessoas trabalhadoras do setor, como tripulantes e aeroviários. A SNDPD participou da coleta de subsídios e da análise de impacto regulatório que antecederam a consulta pública.
Além disso, a SNDPD reconhece e valoriza o caráter democrático e inclusivo do processo conduzido pela ANAC, que tem seguido o princípio do "nada sobre nós sem nós".
Nesse sentido, incentivamos as pessoas com deficiência e seus movimentos organizados a participarem da audiência pública híbrida realizada no dia 13 de março, às 14h, na sede da ANAC, cujo objetivo foi permitir a vocalização de interesses ainda não acessados pela Agência.
Da mesma forma, continuaremos a encorajar contribuições à consulta pública, que seguirá aberta até 27 de março, no endereço: https://www.gov.br/participamaisbrasil/cp-02-2025, e manteremos nosso diálogo com a Agência.
Como uma agência reguladora, a ANAC possui independência para tomar decisões dentro do seu escopo de atuação. Suas decisões devem ser baseadas em critérios técnicos, regulatórios e normativos, buscando equilibrar interesses do setor aéreo, consumidores e políticas públicas. Devido à diversidade de interesses envolvidos, nem todas as preocupações antecipadas pela SNDPD foram plenamente atendidas no texto em consulta pública.
Pela nossa perspectiva, a minuta da resolução traz avanços importantes -- por exemplo, ao reforçar a autonomia de decisão do "passageiro com necessidade de assistência especial" (PNAE) quanto ao seu cuidado e assistência. Ainda assim, há pontos que precisam de mais atenção.
Sob o argumento de mitigar um risco ínfimo -- de não evacuação de pessoas com limitação motora severa (condição muito rara) em caso de emergência (situação muito rara) --, a manutenção do inciso III do caput do art. 17 ensejaria riscos muito maiores de discriminação.
A SNDPD acredita no fortalecimento dos direitos das pessoas com deficiência ao final desse processo, algo já refletido em diversos trechos da minuta, como no inovador art. 15: 'O transportador aéreo não pode restringir o transporte de PNAE desacompanhado sob alegação de incapacidade de cuidar de seus próprios cuidados pessoais, podendo ser exigida autodeclaração do PNAE assumindo plena responsabilidade por seus cuidados pessoais.'
Seguiremos acompanhando atentamente esse processo e reafirmamos nosso compromisso com a defesa dos direitos das pessoas com deficiência na aviação civil", diz o MDHC.
Contraditória e discriminatória - A proposta da Anac está detalhada no episódio 180 da coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado.Dois pontos se destacam: a alteração do conceito sobre quem é esse passageiro com necessidade de assistência especial, chamado de PNAE, e a permissão à empresa aérea de decidir de maneira unilateral qual pessoa com deficiência tem autonomia e independência para viajar sozinha. A Anac também quer dar ênfase à importância da informação prévia por parte dos passageiros, das companhias e dos aeroportos.
Conceito - A resolução estabelece que (artigo 3) "passageiro com necessidade de assistência especial (PNAE) ao serviço de transporte aéreo é entendido como qualquer pessoa que, por alguma condição específica, tenha limitação na sua autonomia ou mobilidade como passageiro e que requeira assistência especial", ou seja, toda e qualquer pessoa que se apresente com essas características.
Conforme destacou a ONCB, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n° 13.146/2015) considera pessoa com deficiência (artigo 2) "aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". Isso significa que, para a atual legislação brasileira, a pessoa com deficiência tem direito garantido à acessibilidade que garante a sua cidadania e não é responsável pela construção e oferta desses recursos.
No trecho que trata da autonomia e da independência do passageiro com necessidade de assistência especial, a proposta da Anac é, no mínimo, preocupante, além de contraditória.
A resolução afirma que esse passageiro com necessidade de assistência especial (artigo 14) "possui autonomia e livre arbítrio acerca de seus próprios cuidados pessoais, cabendo-lhe a decisão de viajar desacompanhado ou acompanhado", (artigo 15) "o transportador aéreo não pode restringir o transporte desacompanhado sob alegação de incapacidade dos próprios cuidados pessoais, podendo ser exigida autodeclaração assumindo plena responsabilidade por esses cuidados", e a pessoa (artigo 17) "com condição severa de limitação de autonomia ou mobilidade é impedida de viajar desacompanhada por avaliação do transportador aéreo sempre que, (item III) em virtude de limitação motora severa, não esteja apto a participar fisicamente da sua própria evacuação da aeronave em caso de emergência".
Como isso funcionaria na prática? Uma pessoa paraplégica que usa cadeira de rodas, por exemplo, pode ter autonomia para fazer tudo sozinha, inclusive entrar em sair do aeroporto e do avião pelos meios de acessibilidade exigidos por lei, fazer a própria movimentação entre a cadeira de rodas e a poltrona do avião, e não precisa de nenhum acompanhante. Alguém com amputações e que usa, ou não, próteses, também pode ser plenamente capaz de se cuidar sozinha. Um indivíduo que se locomove apoiado em muletas também pode ser independente. Então, quais seriam os critérios para determinar essa "limitação motora severa"?
Nesse sentido, a sequência da resolução estabelece que (artigo 19) "o passageiro é responsável pela informação prévia ao transportador aéreo acerca de sua aptidão e saúde física e mental para realização de voo", mas esse passageiro pode ter o embarque impedido se (item IV) "causar perigo ou desconforto a outros passageiros devido sua condição física ou comportamental".
Especialmente neste trecho, a proposta da Anac mostra-se capacitista e discriminatória. Qual "perigo ou desconforto" uma condição física pode gerar a outros passageiros?
Anac responde - Pedi explicações à Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac declarou que não há agenda para porta-voz no momento e enviou informações por escrito.
"A abertura da consulta, em 24 de janeiro, e a realização de audiência pública, em 13 de março, para a discussão das propostas de revisão da Resolução nº 280/2013, têm o propósito de levar o assunto para debate e propor aprimoramentos para o regulamento. O objetivo é escutar a sociedade civil, pessoas com deficiência e seus representantes, setor de aviação civil, empresas e especialistas com vistas a aprimorar a regulação e assegurar que passageiros com necessidade de assistência especial tenham condições de viajar com independência e dignidade, reduzindo barreiras e fortalecendo soluções que promovam a autonomia dos usuários do transporte aéreo
A proposta normativa de atualização da Resolução nº 280 da Anac reforça que passageiros com necessidades de assistência especial devem informar previamente suas condições à empresa aérea, possibilitando uma análise detalhada para providenciar assistência personalizada. Além disso, os transportadores aéreos devem providenciar informações e comunicação de forma acessível.
Nos casos em que o transportador aéreo não autorizar a viagem desacompanhada devido a limitações graves de autonomia ou mobilidade, como, por exemplo, passageiros com dificuldades motoras graves ou com severo Transtorno do Espectro Autista (TEA), que impossibilite a compreensão das instruções de segurança de voo e for indispensável a presença de um acompanhante (assistente de segurança operacional), a proposta normativa prevê a isenção do custo total da passagem desse assistente, com exceção da tarifa de embarque.
A construção da proposta contou com a colaboração de usuários, agentes do setor aéreo, órgãos de promoção dos direitos das pessoas com deficiência e unidades técnicas da Anac. Esse processo busca assegurar que a regulação atenda de forma abrangente as necessidades de todos os envolvidos e seja um marco na promoção da acessibilidade e da inclusão no transporte aéreo.
A Anac ainda enfatiza a importância da participação da sociedade neste processo, tanto por meio do envio de contribuições para a consulta pública, disponível na plataforma Participa+Brasil, quanto por participação direta na audiência pública de 13 de março".
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