"O surfe acalma e melhora a concentração, fortalece as relações entre as pessoas e as amizades", diz Valderiz Gomes Mariano, mãe de Anderson Mariano, de 38 anos, sobre os benefícios que a atividade trouxe para seu filho. Ele tem síndrome de Down e começou a surfar dez anos atrás, quando conheceu o professor Francisco Araña, o Cisco, referência em inclusão pelo esporte e coordenador da Escola Radical de Surfe de Santos, no litoral sul de SP, espaço público em funcionamento desde 1993 na praia da Pompéia (Posto 2).
Anderson é um dos 80 alunos inscritos na Escola Radical de Surfe Adaptado de Santos, inaugurada nesta quinta-feira, 2, na Praia do Gonzaga (Posto 3), a primeira do tipo no mundo. O projeto começou a ser construído em 2017, a partir de uma parceria entre a Prefeitura e a Blue Med Saúde, idealizado pelo professor Cisco Araña.
A administração municipal ficou encarregada de reformar o imóvel, o que foi possível com recursos municipais e estaduais, e a Blue Med é responsável pela contratação dos seis professores, de um coordenador e um terapeuta, além do fornecimento dos uniformes, de parte dos equipamentos (em parceria com o Rotary de Santos) e das roupas especiais.
Para Enzo Todini, de 13 anos, que tem paralisia cerebral e síndrome de West, o surfe foi uma ruptura que provocou evolução física e social. "O contato com o mar, os exercícios e os estímulos, tudo isso ampliou a sociabilidade", diz Itália Todini, mãe do menino. "Com a abertura desse novo espaço, ele poderá surfar com mais frequência, entrar na água", celebra.
Um dos principais diferenciais da Escola Radical de Surfe Adaptado de Santos é um espaço interno para ser usado quando não for possível entrar no mar, por causa de mudanças climáticas, do tamanho das ondas, das chuvas ou dos ventos muitos fortes, de trovoadas e outras situações.
"O Brasil ainda engatinha na oferta de acessibilidade. A construção dessa escola é um exemplo de que é possível fazer, mas precisamos sempre avançar", afirma Rogério Martins, diretor comercial e de marketing da Blue Med Saúde. "O setor privado tem de se engajar nas questões sociais, precisa participar. Esse projeto é feito para toda a sociedade. O empresariado tem de botar a mão na massa", diz o executivo.
As pranchas desenvolvidas pelo professor Cisco Araña funcionam como soluções individuais para cada aluno, considerando de que maneira as deficiências modificam a relação desse alunos com os equipamentos.
"Temos três pranchas com dez adaptações para pessoas com deficiência visual. São recursos táteis que dão referência para o posicionamento das mãos e dos pés", explica o professor. "Isso começou a ser elaborado a partir da chegada do Val (Valdemir Pereira, de 50 anos, primeiro surfista cego do Brasil), por volta de 1995", conta Araña.
"Em 2014, começaram a surgir pessoas com outras deficiências, além da visual, e essas pranchas não eram acessíveis para esse novo grupo. Então, criamos uma prancha multifuncional, com adaptações muito simples, um deck adaptado no qual você coloca sistemas específicos, que não eliminam os outros recursos, e que pode ser usado por duas pessoas juntas", descreve Cisco Araña.
Os materiais aplicados nas adaptações têm baixo custo. São feitos principalmente em E.V.A. (Ethylene Vinyl Acetate ou Etileno Acetato de Vinila), com formatos e cortes direcionados às pranchas, além do famoso 'macarrão de piscina', feito de polietileno, um tipo de plástico atóxico, leve, flexível e impermeável.