Somente 0,3% dos estudantes matriculados em universidades federais do Brasil são pessoas transexuais, diz a quinta edição da Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Instituições Federais de Ensino Superior Brasileiras, organizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e analisada pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ).
Apesar dos resultados, os pesquisadores afirmam que há muitos impedimentos para a construção de uma análise mais ampla. "As informações sobre a população trans brasileira são diminutas, pontuais, não oficiais e, em geral, associadas a dados de violência", afirma João Feres Júnior, coordenador do GEMAA e do Observatório Legislativo Brasileiro (OLB).
"Se nem mesmo sabemos quantas pessoas trans existem no País, como podemos discutir caminhos para construção de políticas que deem conta das suas vulnerabilidades? Essa é a primeira conclusão que tiramos ao longo da pesquisa", diz Feres Júnior, que é cientista político, professor e diretor do IESP/UERJ.
"O fato de termos menos de três mil pessoas trans em mais de um milhão de estudantes matriculados em universidades federais é um reflexo da marginalização e invisibilidade relegadas a esse grupo", avalia o pesquisador. "Nesse sentido, os resultados da pesquisa indicarem que pessoas trans são duas vezes mais engajadas em movimentos sociais que pessoas cis é algo a ser realçado", comenta.
"Hipotetizamos que esse engajamento é o que, muitas vezes, proporciona o ingresso na universidade. Uma vez que grande parte da população trans sofre discriminação dentro de casa, é expulsa e costuma abandonar a escola, essas redes são fundamentais para que construam trajetórias educacionais de sucesso", destaca o coordenador.
"Mulheres trans negras são as de perfil mais vulnerável no cenário observado. Elas são maioria entre as pessoas trans nas universidades, mas também são as que, proporcionalmente, mais dependem de assistência estudantil (40%) e as que apresentam o maior percentual de renda per capita familiar de até 1,5 salário mínimo (85%)", completa João Feres Júnior.
O que fazer? - "O primeiro passo é desenvolver estatísticas relacionadas à população trans, tanto dentro das pesquisas já existentes (Censo, PNAD etc.) quanto a partir de estudos focados no perfil e demandas desse grupo. Construir políticas às cegas é sempre um risco", alerta a socióloga Poema Portela, pesquisadora do GEMAA.
"No âmbito da educação, é necessário pensar medidas de não discriminação desde as primeiras séries escolares, fator que muitas vezes pesa para o abandono", defende a especialista. "No Ensino Superior, vemos iniciativas pontuais de universidades de reservar vagas e conceder assistência estudantil para pessoas trans, na graduação e na pós-graduação. A sistematização de uma política nesse sentido, que garanta o acesso de pessoas trans ao ensino superior em todo território nacional, seria ainda mais eficiente para reverter o quadro de sub-representação que se encontra nessas instituições", explica a socióloga.
"É central o papel dos gestores das universidades nesse processo. Devem ficar atentos para como se dá o acolhimento dessas pessoas, seja no uso do nome social como regra por todo o corpo técnico, seja na abertura de canais de denúncia para quaisquer casos de assédio que por ventura ocorram. Além disso, ainda que não haja informações de amplitude nacional, as universidades podem fazer seus próprios mapeamentos de estudantes trans e construir políticas de acordo com as demandas apresentadas", conclui Poema Portela.