BRASÍLIA - O orçamento do governo federal previsto neste ano para prevenção e recuperação de desastres é o menor dos últimos 14 anos. A dotação atual é de R$ 1,17 bilhão. Esse dinheiro é usado para evitar tragédias como a que vem ocorrendo no litoral Norte de São Paulo. Devido às fortes chuvas que atingem a região, o Estado contabiliza dezenas de mortos e mais de 1 mil desabrigados e desalojados.
Os valores reservados para a gestão de riscos e desastres vêm caindo nos últimos anos. Em 2013, a cifra chegou a R$ 11,5 bilhões, atualizados pela inflação. Uma cifra dez vezes maior do que a disponível para este ano, segundo levantamento feito pela ONG Contas Abertas. Em 2010, início da série histórica, eram R$ 9,4 bilhões.
“Todo ano sabemos que esse problema vai acontecer, sabemos a época que vai acontecer e até mesmo os locais onde isso vai acontecer, mas acaba se repetindo”, afirma o economista Gil Castello Branco, do Contas Abertas. “Esse filme nós conhecemos muito bem. Após as tragédias, as autoridades sobrevoam as áreas atingidas e prometem recursos emergenciais, mas no ano seguinte os fatos voltam a se repetir.”
O próprio Gil Castello Branco é um dos atingidos pelas chuvas no litoral paulista. Quando conversou com a reportagem, ele estava com a esposa, filhas e netos em Bertioga. O prédio onde estavam não tinha água, os elevadores pararam de funcionar e a garagem inundou. “Estamos tendo que comprar caminhões-pipas. Jamais imaginei que a situação fosse ser dessa dimensão”, diz, ao ponderar que sua situação não se compara com a tragédia que moradores do litoral norte estão passando.
Em entrevista ao Estadão, um dos principais especialistas mundiais no tema, Paulo Artaxo, disse que parte das mortes registradas em tragédias ambientais brasileiras seriam “evitáveis” se os governos se mobilizassem em ações de prevenção e redução de riscos.
“O clima do Brasil já mudou, o novo normal são essas chuvas cada vez mais concentradas e intensas”, afirma. Ele defende a implantação de um Programa Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas e uma maior atuação das defesas civis estadual e municipal.
Durante a transição, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a denunciar a falta de orçamento para gestão de riscos e de desastres em 2023. Inicialmente, o projeto de lei do orçamento, enviado pelo então governo de Jair Bolsonaro, previa R$ 671,4 milhões para o programa. O valor subiu em R$ 500 milhões após negociações capitaneadas pela nova gestão federal.
Em entrevista nesta segunda-feira, 20, no Guarujá, uma das cidades atingidas, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que todos os ministérios do governo estão prontos para atuar no desastre causado pelas chuvas no litoral norte de São Paulo. Ela assegurou que não faltarão recursos, mas ponderou haver necessidade de realocar verbas futuramente.
“No Ministério da Integração, para essa área de programa, de defesa civil, tem algo em torno de R$ 579 milhões. Uma parte já foi empenhada, mas é início de ano e deve ter pelo menos R$ 400 milhões para atender o Brasil. Significa que lá na frente vai precisar repor para outros municípios e estados, mas já tem dinheiro”, disse a ministra do Planejamento.
“Para recuperação das estradas, que não podem ficar interditadas, existe dinheiro no Ministério dos Transportes. O Ministério da Saúde, o Ministério do Desenvolvimento Social, todos eles, têm recursos destinados para situações emergenciais”, prosseguiu Tebet.
Os dados levantados pela ONG Contas Abertas mostram ainda que três dos seis municípios que declaram emergência neste carnaval em São Paulo não receberam nenhum recurso do governo federal para prevenção de desastres nos últimos três anos. São os casos de Bertioga, São Sebastião e Ilhabela. O levantamento considera números até 19 de fevereiro deste ano.
Segundo Castello Branco, há um descompasso entre governos federal, estadual e municipal na ações de prevenção a desastres naturais. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) revela que o apoio federal para ações de assistência e restabelecimento têm demorado a chegar em alguns municípios por conta de exigências burocráticas. O estudo considerou a atuação do governo após chuvas intensas ocorridas após novembro de 2021 nos estados da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco.
Segundo auditores do tribunal de contas, boa parte das Defesas Civis municipais tem estrutura precária e as prefeituras têm dificuldade até para preencher formulários num sistema federal para atestar que o local está em situação de emergência para ter acesso a recursos federais. “Observou-se que os municípios, principalmente os de menor porte, não possuem estrutura adequada para realizar suas ações de Defesa Civil, bem como não possuem recursos próprios imediatamente disponíveis e/ou em montante suficiente para utilização pela Defesa Civil municipal”, acrescenta o TCU.
Na tarde desta segunda-feira, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional anunciou que 54 cidades atingidas por desastres vão receber R$ 33,7 milhões para ações da Defesa Civil. Os recursos serão repassados para nove Estados, além de São Paulo.