Vítimas das chuvas, mãe e filhos precisam tomar remédio controlado e lidar com traumas no RS


Casos de estresse pós-traumático são diagnosticados em meio à maior tragédia climática do Estado

Por Paula Ferreira
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE - “Aqui não vai alagar, se Deus quiser!” A exclamação de Maria Eduarda Garcia, de 6 anos, é uma amostra da herança deixada pelas chuvas às mães atingidas pela tragédia: o trauma gerado em milhares de crianças resgatadas das águas que inundaram o Rio Grande do Sul. Na manhã deste domingo, 12, Maria Eduarda dormia nos braços da mãe, Jessica Garcia, de 33 anos, em um abrigo específico para mulheres em Porto Alegre, antes da conversa com a reportagem do Estadão.

Desde a semana passada, quando precisaram pular do segundo andar da casa em um bote de resgate, Jessica e os dois filhos, Maria Eduarda e Henrique, de 12 anos, precisam tomar remédio para dormir. A medicação foi receitada por psiquiatras do abrigo onde estavam, que diagnosticou o estado de estresse pós-traumático em toda família.

“Deram remédio, porque a sensação é que tu fecha o olho e parece que aquela água está vindo para cima de ti, que você vai morrer afogada”, narrou Jessica.

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Jessica com os filhos Maria Eduarda e Henrique em abrigo na Paróquia São Martinho, em Porto Alegre  Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A família morava na Vila dos Farrapos, em Porto Alegre, e perdeu tudo, inclusive a gata de estimação. Mia morreu afogada, o que, segundo Jessica, abalou ainda mais os filhos. No colo da mãe, usando um vestido de princesa, Maria Eduarda observa atenta a conversa sobre o dia que marcou de tristeza sua memória. Ao lado dela, Henrique, com a perna engessada, fruto de uma queda no abrigo em que estavam anteriormente, abraça a mãe.

“A minha filha teve crise epilética e de choro. Ela está bem depressiva”, lamenta.

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Jessica decidiu mudar de um abrigo misto para um específico para mulheres e crianças após ouvir histórias sobre estupros e violência nesses locais. A prefeitura criou os abrigos femininos após a prisão de seis pessoas suspeitas de cometerem crimes sexuais nesses locais.

No abrigo da Paróquia São Martinho, as famílias ficam em quartos separados e com banheiro próprio. No local, é permitida a presença de meninos de 12 anos acompanhados das mães. No espaço pequeno, com quatro camas e uma janela com vista para a chuva incessante que cai sobre Porto Alegre, Jessica consegue ter alegria na simples constatação de ter seus filhos perto. “Meu presente é esse aí: estar com eles”, diz emocionada, após contar à reportagem que perdeu tudo.

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A manicure conta que a população não foi alertada por autoridades a respeito do risco de inundação. De acordo com ela, não houve sirenes nem avisos para que a população do local deixasse suas casas. Na manhã deste domingo, enquanto o prefeito do município, Sebastião Melo (MDB), visitava o abrigo da Paróquia São Martinho, Jessica não quis nem sair do quarto. Ela conta que o bairro onde mora já vinha sofrendo há algum tempo com as chuvas.

“Já estamos acostumados com a perda, infelizmente. Não é bom acostumar. Primeiro, a água chegou na canela, depois, no joelho, e foi subindo. Assim, a gente sofre com enchente há anos. Todo anos a gente perde alguma coisa”, relata.

Após perder tudo na enchente, Jessica agora precisa lidar com o trauma junto com os seus filhos. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO
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A duas portas do quarto de Jessica, a baiana Maria Lídia Oliveira organiza o pequeno espaço que se tornou sua casa e tenta lavar algumas roupas no banheiro. Desempregada, ela se mudou para Porto Alegre há cerca de um ano e recebeu sua filha em casa apenas alguns dias antes da catástrofe. Maria Ísis, de 9 anos, estava com a avó na Bahia até que a mãe conseguisse se estabilizar. O sonho da estabilidade não resistiu às águas do Guaíba, e mãe e filha foram resgatadas por um bote levando consigo apenas a roupa do corpo e a mochila com os materiais escolares da menina, que nem teve a oportunidade de começar a estudar na nova cidade.

Maria conseguiu salvar a família, porque acordou por acaso às 3h da manhã e viu que a água já estava bem alta. Ao seu redor, alguns vizinhos ainda resistiam em deixar suas casa. Ela conta que temeu pela vida da filha e quis sair para garantir que a tragédia não fosse ainda maior. “As pessoas esquecem que o mais precioso é a vida, porque enquanto há vida há esperança”, afirmou.

María Lídia com a filha Maria Ísis: ‘Não há sonho impossível’ Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO
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Ao longo da conversa, a fé de Maria era visível nas palavras. A resignação de quem precisa mais uma vez recomeçar fez com que ela não pensasse duas vezes antes de mudar de abrigo, quando a escola na qual estava alojada começou a desmontar a estrutura. Ainda que para isso tivesse de ficar em um lugar diferente do marido, coisa que tem impedido muitas mulheres de irem para os alojamentos exclusivos, a mulher pegou a mochila da filha e buscou o novo destino. Ao Estadão contou que a filha quer ser médica e, convicta, apesar de todas as dificuldades do caminho, sentenciou: “Não há sonho impossível, se Deus deu poder de a gente sonhar, é porque a gente pode realizar.”

Ao lado da mãe, a serenidade da criança intimida. Na beira da cama, Maria Ísis lia um salmo cujas palavras talvez ainda sejam difíceis demais para sua idade, e a mensagem de gratidão diante das adversidades ainda mais complexa para a compreensão de alguém tão pequena: “Tudo quanto tem fôlego louve ao senhor”.

ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE - “Aqui não vai alagar, se Deus quiser!” A exclamação de Maria Eduarda Garcia, de 6 anos, é uma amostra da herança deixada pelas chuvas às mães atingidas pela tragédia: o trauma gerado em milhares de crianças resgatadas das águas que inundaram o Rio Grande do Sul. Na manhã deste domingo, 12, Maria Eduarda dormia nos braços da mãe, Jessica Garcia, de 33 anos, em um abrigo específico para mulheres em Porto Alegre, antes da conversa com a reportagem do Estadão.

Desde a semana passada, quando precisaram pular do segundo andar da casa em um bote de resgate, Jessica e os dois filhos, Maria Eduarda e Henrique, de 12 anos, precisam tomar remédio para dormir. A medicação foi receitada por psiquiatras do abrigo onde estavam, que diagnosticou o estado de estresse pós-traumático em toda família.

“Deram remédio, porque a sensação é que tu fecha o olho e parece que aquela água está vindo para cima de ti, que você vai morrer afogada”, narrou Jessica.

Jessica com os filhos Maria Eduarda e Henrique em abrigo na Paróquia São Martinho, em Porto Alegre  Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A família morava na Vila dos Farrapos, em Porto Alegre, e perdeu tudo, inclusive a gata de estimação. Mia morreu afogada, o que, segundo Jessica, abalou ainda mais os filhos. No colo da mãe, usando um vestido de princesa, Maria Eduarda observa atenta a conversa sobre o dia que marcou de tristeza sua memória. Ao lado dela, Henrique, com a perna engessada, fruto de uma queda no abrigo em que estavam anteriormente, abraça a mãe.

“A minha filha teve crise epilética e de choro. Ela está bem depressiva”, lamenta.

Jessica decidiu mudar de um abrigo misto para um específico para mulheres e crianças após ouvir histórias sobre estupros e violência nesses locais. A prefeitura criou os abrigos femininos após a prisão de seis pessoas suspeitas de cometerem crimes sexuais nesses locais.

No abrigo da Paróquia São Martinho, as famílias ficam em quartos separados e com banheiro próprio. No local, é permitida a presença de meninos de 12 anos acompanhados das mães. No espaço pequeno, com quatro camas e uma janela com vista para a chuva incessante que cai sobre Porto Alegre, Jessica consegue ter alegria na simples constatação de ter seus filhos perto. “Meu presente é esse aí: estar com eles”, diz emocionada, após contar à reportagem que perdeu tudo.

A manicure conta que a população não foi alertada por autoridades a respeito do risco de inundação. De acordo com ela, não houve sirenes nem avisos para que a população do local deixasse suas casas. Na manhã deste domingo, enquanto o prefeito do município, Sebastião Melo (MDB), visitava o abrigo da Paróquia São Martinho, Jessica não quis nem sair do quarto. Ela conta que o bairro onde mora já vinha sofrendo há algum tempo com as chuvas.

“Já estamos acostumados com a perda, infelizmente. Não é bom acostumar. Primeiro, a água chegou na canela, depois, no joelho, e foi subindo. Assim, a gente sofre com enchente há anos. Todo anos a gente perde alguma coisa”, relata.

Após perder tudo na enchente, Jessica agora precisa lidar com o trauma junto com os seus filhos. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A duas portas do quarto de Jessica, a baiana Maria Lídia Oliveira organiza o pequeno espaço que se tornou sua casa e tenta lavar algumas roupas no banheiro. Desempregada, ela se mudou para Porto Alegre há cerca de um ano e recebeu sua filha em casa apenas alguns dias antes da catástrofe. Maria Ísis, de 9 anos, estava com a avó na Bahia até que a mãe conseguisse se estabilizar. O sonho da estabilidade não resistiu às águas do Guaíba, e mãe e filha foram resgatadas por um bote levando consigo apenas a roupa do corpo e a mochila com os materiais escolares da menina, que nem teve a oportunidade de começar a estudar na nova cidade.

Maria conseguiu salvar a família, porque acordou por acaso às 3h da manhã e viu que a água já estava bem alta. Ao seu redor, alguns vizinhos ainda resistiam em deixar suas casa. Ela conta que temeu pela vida da filha e quis sair para garantir que a tragédia não fosse ainda maior. “As pessoas esquecem que o mais precioso é a vida, porque enquanto há vida há esperança”, afirmou.

María Lídia com a filha Maria Ísis: ‘Não há sonho impossível’ Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Ao longo da conversa, a fé de Maria era visível nas palavras. A resignação de quem precisa mais uma vez recomeçar fez com que ela não pensasse duas vezes antes de mudar de abrigo, quando a escola na qual estava alojada começou a desmontar a estrutura. Ainda que para isso tivesse de ficar em um lugar diferente do marido, coisa que tem impedido muitas mulheres de irem para os alojamentos exclusivos, a mulher pegou a mochila da filha e buscou o novo destino. Ao Estadão contou que a filha quer ser médica e, convicta, apesar de todas as dificuldades do caminho, sentenciou: “Não há sonho impossível, se Deus deu poder de a gente sonhar, é porque a gente pode realizar.”

Ao lado da mãe, a serenidade da criança intimida. Na beira da cama, Maria Ísis lia um salmo cujas palavras talvez ainda sejam difíceis demais para sua idade, e a mensagem de gratidão diante das adversidades ainda mais complexa para a compreensão de alguém tão pequena: “Tudo quanto tem fôlego louve ao senhor”.

ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE - “Aqui não vai alagar, se Deus quiser!” A exclamação de Maria Eduarda Garcia, de 6 anos, é uma amostra da herança deixada pelas chuvas às mães atingidas pela tragédia: o trauma gerado em milhares de crianças resgatadas das águas que inundaram o Rio Grande do Sul. Na manhã deste domingo, 12, Maria Eduarda dormia nos braços da mãe, Jessica Garcia, de 33 anos, em um abrigo específico para mulheres em Porto Alegre, antes da conversa com a reportagem do Estadão.

Desde a semana passada, quando precisaram pular do segundo andar da casa em um bote de resgate, Jessica e os dois filhos, Maria Eduarda e Henrique, de 12 anos, precisam tomar remédio para dormir. A medicação foi receitada por psiquiatras do abrigo onde estavam, que diagnosticou o estado de estresse pós-traumático em toda família.

“Deram remédio, porque a sensação é que tu fecha o olho e parece que aquela água está vindo para cima de ti, que você vai morrer afogada”, narrou Jessica.

Jessica com os filhos Maria Eduarda e Henrique em abrigo na Paróquia São Martinho, em Porto Alegre  Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A família morava na Vila dos Farrapos, em Porto Alegre, e perdeu tudo, inclusive a gata de estimação. Mia morreu afogada, o que, segundo Jessica, abalou ainda mais os filhos. No colo da mãe, usando um vestido de princesa, Maria Eduarda observa atenta a conversa sobre o dia que marcou de tristeza sua memória. Ao lado dela, Henrique, com a perna engessada, fruto de uma queda no abrigo em que estavam anteriormente, abraça a mãe.

“A minha filha teve crise epilética e de choro. Ela está bem depressiva”, lamenta.

Jessica decidiu mudar de um abrigo misto para um específico para mulheres e crianças após ouvir histórias sobre estupros e violência nesses locais. A prefeitura criou os abrigos femininos após a prisão de seis pessoas suspeitas de cometerem crimes sexuais nesses locais.

No abrigo da Paróquia São Martinho, as famílias ficam em quartos separados e com banheiro próprio. No local, é permitida a presença de meninos de 12 anos acompanhados das mães. No espaço pequeno, com quatro camas e uma janela com vista para a chuva incessante que cai sobre Porto Alegre, Jessica consegue ter alegria na simples constatação de ter seus filhos perto. “Meu presente é esse aí: estar com eles”, diz emocionada, após contar à reportagem que perdeu tudo.

A manicure conta que a população não foi alertada por autoridades a respeito do risco de inundação. De acordo com ela, não houve sirenes nem avisos para que a população do local deixasse suas casas. Na manhã deste domingo, enquanto o prefeito do município, Sebastião Melo (MDB), visitava o abrigo da Paróquia São Martinho, Jessica não quis nem sair do quarto. Ela conta que o bairro onde mora já vinha sofrendo há algum tempo com as chuvas.

“Já estamos acostumados com a perda, infelizmente. Não é bom acostumar. Primeiro, a água chegou na canela, depois, no joelho, e foi subindo. Assim, a gente sofre com enchente há anos. Todo anos a gente perde alguma coisa”, relata.

Após perder tudo na enchente, Jessica agora precisa lidar com o trauma junto com os seus filhos. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A duas portas do quarto de Jessica, a baiana Maria Lídia Oliveira organiza o pequeno espaço que se tornou sua casa e tenta lavar algumas roupas no banheiro. Desempregada, ela se mudou para Porto Alegre há cerca de um ano e recebeu sua filha em casa apenas alguns dias antes da catástrofe. Maria Ísis, de 9 anos, estava com a avó na Bahia até que a mãe conseguisse se estabilizar. O sonho da estabilidade não resistiu às águas do Guaíba, e mãe e filha foram resgatadas por um bote levando consigo apenas a roupa do corpo e a mochila com os materiais escolares da menina, que nem teve a oportunidade de começar a estudar na nova cidade.

Maria conseguiu salvar a família, porque acordou por acaso às 3h da manhã e viu que a água já estava bem alta. Ao seu redor, alguns vizinhos ainda resistiam em deixar suas casa. Ela conta que temeu pela vida da filha e quis sair para garantir que a tragédia não fosse ainda maior. “As pessoas esquecem que o mais precioso é a vida, porque enquanto há vida há esperança”, afirmou.

María Lídia com a filha Maria Ísis: ‘Não há sonho impossível’ Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Ao longo da conversa, a fé de Maria era visível nas palavras. A resignação de quem precisa mais uma vez recomeçar fez com que ela não pensasse duas vezes antes de mudar de abrigo, quando a escola na qual estava alojada começou a desmontar a estrutura. Ainda que para isso tivesse de ficar em um lugar diferente do marido, coisa que tem impedido muitas mulheres de irem para os alojamentos exclusivos, a mulher pegou a mochila da filha e buscou o novo destino. Ao Estadão contou que a filha quer ser médica e, convicta, apesar de todas as dificuldades do caminho, sentenciou: “Não há sonho impossível, se Deus deu poder de a gente sonhar, é porque a gente pode realizar.”

Ao lado da mãe, a serenidade da criança intimida. Na beira da cama, Maria Ísis lia um salmo cujas palavras talvez ainda sejam difíceis demais para sua idade, e a mensagem de gratidão diante das adversidades ainda mais complexa para a compreensão de alguém tão pequena: “Tudo quanto tem fôlego louve ao senhor”.

ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE - “Aqui não vai alagar, se Deus quiser!” A exclamação de Maria Eduarda Garcia, de 6 anos, é uma amostra da herança deixada pelas chuvas às mães atingidas pela tragédia: o trauma gerado em milhares de crianças resgatadas das águas que inundaram o Rio Grande do Sul. Na manhã deste domingo, 12, Maria Eduarda dormia nos braços da mãe, Jessica Garcia, de 33 anos, em um abrigo específico para mulheres em Porto Alegre, antes da conversa com a reportagem do Estadão.

Desde a semana passada, quando precisaram pular do segundo andar da casa em um bote de resgate, Jessica e os dois filhos, Maria Eduarda e Henrique, de 12 anos, precisam tomar remédio para dormir. A medicação foi receitada por psiquiatras do abrigo onde estavam, que diagnosticou o estado de estresse pós-traumático em toda família.

“Deram remédio, porque a sensação é que tu fecha o olho e parece que aquela água está vindo para cima de ti, que você vai morrer afogada”, narrou Jessica.

Jessica com os filhos Maria Eduarda e Henrique em abrigo na Paróquia São Martinho, em Porto Alegre  Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A família morava na Vila dos Farrapos, em Porto Alegre, e perdeu tudo, inclusive a gata de estimação. Mia morreu afogada, o que, segundo Jessica, abalou ainda mais os filhos. No colo da mãe, usando um vestido de princesa, Maria Eduarda observa atenta a conversa sobre o dia que marcou de tristeza sua memória. Ao lado dela, Henrique, com a perna engessada, fruto de uma queda no abrigo em que estavam anteriormente, abraça a mãe.

“A minha filha teve crise epilética e de choro. Ela está bem depressiva”, lamenta.

Jessica decidiu mudar de um abrigo misto para um específico para mulheres e crianças após ouvir histórias sobre estupros e violência nesses locais. A prefeitura criou os abrigos femininos após a prisão de seis pessoas suspeitas de cometerem crimes sexuais nesses locais.

No abrigo da Paróquia São Martinho, as famílias ficam em quartos separados e com banheiro próprio. No local, é permitida a presença de meninos de 12 anos acompanhados das mães. No espaço pequeno, com quatro camas e uma janela com vista para a chuva incessante que cai sobre Porto Alegre, Jessica consegue ter alegria na simples constatação de ter seus filhos perto. “Meu presente é esse aí: estar com eles”, diz emocionada, após contar à reportagem que perdeu tudo.

A manicure conta que a população não foi alertada por autoridades a respeito do risco de inundação. De acordo com ela, não houve sirenes nem avisos para que a população do local deixasse suas casas. Na manhã deste domingo, enquanto o prefeito do município, Sebastião Melo (MDB), visitava o abrigo da Paróquia São Martinho, Jessica não quis nem sair do quarto. Ela conta que o bairro onde mora já vinha sofrendo há algum tempo com as chuvas.

“Já estamos acostumados com a perda, infelizmente. Não é bom acostumar. Primeiro, a água chegou na canela, depois, no joelho, e foi subindo. Assim, a gente sofre com enchente há anos. Todo anos a gente perde alguma coisa”, relata.

Após perder tudo na enchente, Jessica agora precisa lidar com o trauma junto com os seus filhos. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A duas portas do quarto de Jessica, a baiana Maria Lídia Oliveira organiza o pequeno espaço que se tornou sua casa e tenta lavar algumas roupas no banheiro. Desempregada, ela se mudou para Porto Alegre há cerca de um ano e recebeu sua filha em casa apenas alguns dias antes da catástrofe. Maria Ísis, de 9 anos, estava com a avó na Bahia até que a mãe conseguisse se estabilizar. O sonho da estabilidade não resistiu às águas do Guaíba, e mãe e filha foram resgatadas por um bote levando consigo apenas a roupa do corpo e a mochila com os materiais escolares da menina, que nem teve a oportunidade de começar a estudar na nova cidade.

Maria conseguiu salvar a família, porque acordou por acaso às 3h da manhã e viu que a água já estava bem alta. Ao seu redor, alguns vizinhos ainda resistiam em deixar suas casa. Ela conta que temeu pela vida da filha e quis sair para garantir que a tragédia não fosse ainda maior. “As pessoas esquecem que o mais precioso é a vida, porque enquanto há vida há esperança”, afirmou.

María Lídia com a filha Maria Ísis: ‘Não há sonho impossível’ Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Ao longo da conversa, a fé de Maria era visível nas palavras. A resignação de quem precisa mais uma vez recomeçar fez com que ela não pensasse duas vezes antes de mudar de abrigo, quando a escola na qual estava alojada começou a desmontar a estrutura. Ainda que para isso tivesse de ficar em um lugar diferente do marido, coisa que tem impedido muitas mulheres de irem para os alojamentos exclusivos, a mulher pegou a mochila da filha e buscou o novo destino. Ao Estadão contou que a filha quer ser médica e, convicta, apesar de todas as dificuldades do caminho, sentenciou: “Não há sonho impossível, se Deus deu poder de a gente sonhar, é porque a gente pode realizar.”

Ao lado da mãe, a serenidade da criança intimida. Na beira da cama, Maria Ísis lia um salmo cujas palavras talvez ainda sejam difíceis demais para sua idade, e a mensagem de gratidão diante das adversidades ainda mais complexa para a compreensão de alguém tão pequena: “Tudo quanto tem fôlego louve ao senhor”.

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