Nos subúrbios de Vienne, no sudeste da França, cientistas encontraram um bairro inteiro da época em que a cidade fazia parte do Império Romano, com luxuosas residências e vastos espaços públicos bem conservados. A descoberta foi anunciada ontem pelos arqueólogos franceses responsáveis pela escavação, sob a liderança de Benjamin Clément, da Universidade de Lyon.
"Trata-se sem dúvida da descoberta mais excepcional do período romano nos últimos 40 ou 50 anos. Tivemos uma sorte extraordinária", disse Clément à AFP. Segundo ele, o bairro, abandonado após uma série de incêndios, já está sendo chamado pelos cientistas de "pequena Pompeia", em alusão à cidade romana da Itália totalmente sepultada por uma erupção do vulcão Vesúvio no ano 79.
Iniciada em abril, a escavação realizada por mais de 20 especialistas deveria terminar em meados de setembro, mas foi prolongada até 15 de dezembro depois de ser classificada como "descoberta excepcional" pelo Ministério da Cultura da França.
O bairro romano, ocupado por pelo menos três séculos, tem uma superfície de 7 mil metros quadrados em meio urbano, o que é muito raro, de acordo com os arqueólogos. Também chamou a atenção dos cientistas a diversidade e o bom estado de conservação dos vestígiosencontrados.
"Incêndios sucessivos permitiram conservar todos os elementos no mesmo lugar em que estavam quando os habitantes fugiram da catástrofe, o que transformou esse setor em uma pequena Pompeia", disse Clément.
Com o incêndio causou o colapso e desabamento do primeiro andar, do teto e do terraço superior de uma suntuosa residência cercada de jardins datada da segunda metade do século 1. A residência foi batizada pelos cientistas de Casa dos Bacanais, por causa de um mosaico que representa um cortejo de bacantes e sátiros ao redor do deus romano Baco. Os andares que desabaram ficaram preservados com todos os móveis abandonados no local original.
O esplendor da casa com seus balaústres, as decorações de seus mosaicos, sua pavimentação de mármore e sua rede hidráulica fizeram os arqueólogos especularem que ela pode ter pertencido a um rico mercador originário do Oriente.
A catástrofe que acabou com a casa beneficiou os arqueólogos. "Vamos poder reconstituir essa casa do piso ao teto, como em Pompeia ou Herculano", disse Clément.
Várias outras casas foram descobertas. Em uma delas, batizada de casa de Tália e Pã, um belo mosaico quase totalmente preservado foi desenterrado no início desta semana, com grande precaução. O mosaico representa Tália, a musa grega da comédia, com as nádegas expostas, sendo raptada por Pã, o deus grego dos bosques e rebanhos.
Segundo Clément, o mosaico será restaurado em um ateliê do Museu Galo-Romano de Saint-Romain-en-Gal, em Vienne, para uma exposição a ser realizada em 2019.
Rota das Gálias. No século 1, a Gália, que corresponde aproximadamente à França moderna, estava sob domínio do Império Romano. A cidade galo-romana de Vienne se situava em uma posição estratégica para a circulação de pessoas e bens entre a Gália Lugdunense, ao norte e a Gália Narbonense, ao sul. A rota pelo rio Ródano ia de Lyon, capital das Gálias, até a cidade de Arles, próxima ao Mar Mediterrâneo.
No sítio de Vienne, às margens do Ródano, foram encontrado um antigo mercado, que mais tarde foi substituído por um grande edifício público de arquitetura atípica, com uma fonte monumental adornada com a estátua de Hércules.
"Isso pode corresponder a uma escola de retórica ou filosofia. Sabemos disso graças aos registros de que existia uma escola muito importante de Vienne. Talvez a tenhamos localizado", afirmou Clément.
Novas análises deverão confirmar a descoberta. Até dezembro, os arqueólogos vasculharão os níveis mais antigos do sítio. "Cavando um pouco mais, vamos sem dúvida descobrir outras coisas excepcionais", disse o arqueólogo.
Vienne, que na Antiguidade já se estendia pelos dois lados do Ródano, abriga um rico patrimônio da cultura galo-romana, incluindo o teatro antigo e o templo de Augusto e Lívia. Os vestígios se espalham pelas duas margens do rio.