Arqueólogos desvendam civilização maia de 2.500 anos; entenda como


Ruínas de Sak Tz’i, no México, revelam o que eram templos, praças, salões e um imponente palácio com terraços

Por Franz Lidz

Em uma manhã de verão brilhante e cheia de mosquitos, Charles Golden, antropólogo da Universidade Brandeis, cortava o mato alto de uma fazenda de gado no Valle de Santo Domingo, região escassamente povoada de arbustos espessos e selva quase impenetrável. Apenas o rugido estridente dos bugios perfurava o incessante chamado de acasalamento das cigarras. “Estamos chegando ao que resta da dinastia Sak Tz’i’”, disse Golden.

Golden se aproximou de uma cerca de arame farpado, depois passou por baixo dela e observou a vista além: as ruínas de Sak Tz’i’, um assentamento maia de pelo menos 2.500 anos. Espalhados por 40 hectares de trepadeiras emaranhadas e terreno irregular, resquícios da grandeza perdida: montes gigantes de rocha e escombros do que eram templos, praças, salões e um imponente palácio com terraços.

Diretamente à frente estavam os restos de um complexo de plataformas que formavam a acrópole. Em seu auge, tudo era dominado por uma pirâmide de 15 metros de altura na qual os membros da família real talvez tenham sido sepultados. No lugar onde ficavam a pirâmide e várias residências de elite, havia paredes caídas de pedra cortada. Golden observou que a entrada da pirâmide provavelmente apresentava uma fileira de esculturas em relevo, chamadas estelas, a maioria das quais agora estava enterrada nos escombros ou havia sido cortada e levada por ladrões.

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Ruínas de civilização maia encontrada no Valle de Santo Domingo. Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

A sudeste, ele notou um beco cheio de seixos – era uma quadra de bola desgastada pelo tempo, com 100 metros de comprimento e 4,5 metros de largura com laterais inclinadas. O jogo, um evento religioso que simbolizava a regeneração, exigia que os jogadores mantivessem uma bola de borracha sólida no ar usando apenas os quadris e os ombros.

Perto dali, em meio ao que tinha sido um aglomerado de centros cerimoniais, havia um amontoado de pedras onde os plebeus se reuniam para eventos públicos e os reis recebiam a Corte. Golden apontou para o antigo pátio, agora um monte de peças soltas. “Deste lugar”, disse ele, “os governantes Sak Tz’i’ procuravam comandar seus súditos – com sucesso ou não – e se engajavam com a política de uma paisagem por cujo controle vários reinos lutavam”.

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“Cão Branco”

Pequeno e desconexo, Sak Tz’i’ – Cão Branco, na linguagem das antigas inscrições maias – foi aliado, vassalo e inimigo de vários das maiores e mais poderosas forças regionais, incluindo Piedras Negras, no que hoje é a Guatemala, e Bonampak, Palenque, Toniná e Yaxchilán, no atual Chiapas. A dinastia floresceu durante o período clássico da cultura maia, de 250 a 900 d.C., quando a civilização realizou suas maiores conquistas em arquitetura, engenharia, astronomia e matemática.

Por razões ainda obscuras, Sak Tz’i’ e centenas de outros assentamentos foram abandonados e regiões inteiras ficaram desertas no século 9. Embora os descendentes ainda vivam na área, os caprichos da natureza derrubaram as paredes dos templos, ladrões de túmulos desmontaram pirâmides e um dossel da selva escondeu praças e calçadas. Sak Tz’i’ foi efetivamente apagado da memória.

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Os estudiosos começaram a procurar evidências do reino apenas em 1994, quando descobriram inscrições em uma estela – encontrada um século antes na Guatemala – que descreviam a captura de um rei Sak Tz’i’ em 628 d.C. Três verões atrás, um time de pesquisadores e equipes de trabalho locais liderada por Golden e Andrew Scherer, bioarqueólogo da Brown University, exploraram o pasto e descobriram os restos de dezenas de estelas de pedra, utensílios de cozinha e o cadáver de uma mulher de meia-idade que tinha morrido pelo menos 2.500 anos antes.

A datação por radiocarbono indicou que o local, que os pesquisadores chamam de Lacanjá Tzeltal, por causa da comunidade moderna próxima, provavelmente foi colonizado por volta de 750 a.C. e ocupado até o final do período clássico. Talvez mais notavelmente Golden e Scherer estabeleceram que a fazenda de gado havia sido uma – se não a – capital da dinastia Sak Tz’i’.

Simon Martin, curador do Museu Penn da Universidade da Pensilvânia, que não esteve envolvido no projeto, disse que as evidências fornecidas pelos pesquisadores e seus colegas deram um forte argumento de que Lacanjá Tzeltal era o verdadeiro Sak Tz’i’, ou pelo menos uma sede de dinastia por parte de sua história. “As carcaças descartadas de monumentos saqueados nesse local correspondem a algumas das anteriormente anexadas a Sak Tz’i’”, disse ele, “e a descoberta de um novo monumento encomendado por um governante de Sak Tz’i’ é igualmente reveladora”.

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A dinastia floresceu durante o período clássico da cultura maia, de 250 a 900 d.C., quando essa civilização teve suas principais conquista.  Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

O vendedor de carnitas

Golden, de 50 anos, e Scherer, de 46, colaboram nos remansos da história da Mesoamérica desde o final dos anos 1990. Eles foram os primeiros arqueólogos a documentar sistemas de fortificações recém-descobertos nos sítios de Tecolote, em 2003, e Oso Negro, em 2005, na Guatemala. “A divisão do trabalho ocorre de acordo com nossas áreas de especialização”, disse Golden, que organiza dados geográficos, mapeamento e sensoriamento remoto com drones. Scherer analisa ossos humanos e tudo o que tem a ver com dieta, isótopos e enterros.

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Alto, elegante e divertido, Golden nasceu em Chicago e, quando jovem, foi cativado pelos artefatos do Oriental Institute Museum. “Eu tinha pavor das múmias, não conseguia nem ficar na mesma sala que elas”, disse ele. “Mas também fiquei deslumbrado com as peças do Portão de Ishtar da Babilônia e as outras relíquias da Mesopotâmia. Era impressionante ver fragmentos de verdade de lugares que eu tinha ouvido falar na Bíblia.”

Golden estudou Arqueologia na Universidade de Illinois Urbana-Champaign, mas a lição mais importante que aprendeu, disse ele, foi como estagiário de verão em uma escavação em Belize, no ano de 1993. Cavando um poço de teste, ele puxou do chão um tubo pequeno e sulcado. “Eu tinha certeza de que era uma conta decorativa pré-colombiana”, disse ele. Sorrindo com orgulho, ele o mostrou ao seu supervisor, que o pegou nas mãos e disse: “Alguém deve ter deixado cair isso no almoço. É macarrão com queijo Kraft”. O aspirante a Louis Leakey se esgueirou de volta para seu poço, muito mais sábio.

Arqueólogo examina achados de civilização maia de 2.500 anos. Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times
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Scherer é mais baixo e atarracado, tem rabo de cavalo e barba grisalha no queixo. Ele cresceu no centro de Minnesota e pegou o vírus da arqueologia na faculdade – Hamline University, em St. Paul –, fazendo um estudo de campo na escavação de um acampamento nativo americano de 2.000 anos. O curso foi conduzido conjuntamente por anciãos ojibwe, que o ensinaram a afiar pedras, curtir peles e construir cabanas.

Ambos os pesquisadores foram atraídos pela cultura maia, a única nas Américas com uma história escrita que data do primeiro milênio.

Scherer e Golden foram avisados da existência das ruínas de Lacanjá Tzeltal por um de seus ex-assistentes de pesquisa. Em 2014, um estudante de pós-graduação da Universidade da Pensilvânia chamado Whittaker Schroder estava explorando escavações arqueológicas perto da fronteira com a Guatemala para um tema de dissertação. Enquanto dirigia pela pequena cidade na floresta tropical de Nuevo Taniperla, Schroder, agora pós-doutorando na Universidade da Flórida, passou por uma barraca de carnitas à beira da estrada. O vendedor tentou acenar para ele, mas Schroder, vegetariano, seguiu em frente.

Não muito tempo depois, ele voltou a passar na frente da venda. Mais uma vez o vendedor tentou chamar a atenção. Dessa vez Schroder parou. “O vendedor disse que tinha um amigo com uma pedra que queria que um arqueólogo examinasse”, lembrou. “Pedi a ele para explicar melhor, e ele disse que a pedra tinha uma escultura com o calendário maia e outros glifos.”

Naquela noite, um amigo do vendedor mostrou a Schroder uma foto de celular que, embora granulada, mostrava claramente um pequeno painel de parede ilustrado com hieróglifos. Em um canto estava uma figura dançante com um chapéu cerimonial, empunhando um machado na mão direita e um bastão na esquerda.

Jacinto Gómez Sánchez, pecuarista que morava a 40 quilômetros de distância, havia descoberto a laje de calcário em sua propriedade muitos anos antes. Schroder contatou Golden e Scherer. “Muitas vezes recebemos pedidos para ver figuras e esculturas de pedra em coleções particulares”, disse Scherer. “Os vasos e outros objetos cerâmicos são quase invariavelmente antigos, mas as esculturas de pedra costumam ser itens modernos de turistas.”

Para grande surpresa de ambos os especialistas, a foto que lhes foi enviada por mensagem mostrava um monumento em tamanho real com glifos da dinastia Sak Tz’i’. Eles levaram mais quatro anos para negociar a permissão para escavar na propriedade. Em 2019, a equipe de pesquisa sobrevoou o local com drones e aviões equipados com uma ferramenta de detecção chamada LIDAR, que podia ver através do dossel da floresta para visualizar o terreno. Os pesquisadores estimaram que, em seu auge, por volta de 750 d.C., o assentamento tinha cerca de 1 mil habitantes.

Em junho deste ano, após um atraso de dois anos por causa do coronavírus, Golden, Scherer e sua equipe voltaram ao local. Grande parte do trabalho foi de manutenção preventiva. Com as paredes de pedra da acrópole em risco de desmoronar, o antropólogo mexicano Fernando Godos e uma equipe local foram convocados para estabilizar as ruínas.

Restos de muros baixos circundam partes do local da escavação, especialmente perto do palácio, o que é incomum para os reinos antigos da região; tipicamente, tais baluartes eram construídos nos arredores. Um objetivo da próxima temporada de pesquisa é determinar se as paredes foram construídas às pressas nos últimos dias da dinastia, como acredita Scherer, ou se faziam parte da construção original do centro do período clássico. A defesa parece ter sido a principal preocupação em Lacanjá Tzeltal, uma fortaleza densamente povoada, cercada por arroios e rios de margens íngremes. As barricadas de pedra presumivelmente reforçavam paliçadas de madeira.

Andrew Scherer analisa ossos humanos e tudo o que tem a ver com dieta, isótopos e enterros.  Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

Uma dinastia desaparecida

Os maias, com seus calendários incrivelmente precisos, hieróglifos sofisticados, sistema agrícola altamente produtivo e capacidade de prever fenômenos celestes como eclipses, foram sem dúvida a cultura mais esclarecida do Novo Mundo. Eles construíram assentamentos suntuosos sem a ajuda da roda, ferramentas de metal ou animais de carga. “Os maias eram realmente os gregos das antigas Américas”, disse Martin. “Eles construíram uma civilização avançada apesar – ou talvez até por causa – de profundas divisões políticas.”

A sociedade maia se estendia para além das fronteiras modernas, ao norte da Guatemala na Península de Yucatán, a leste em Belize e ao sul através das extremidades ocidentais de El Salvador e Honduras. Nunca unificados politicamente, os maias do período clássico eram uma miscelânea de cidades-Estado. A paisagem dos antigos maias é pontilhada de ruínas cujos nomes são desconhecidos pelos estudiosos e cujas inscrições hieroglíficas mencionam dezenas de lugares cujas localizações agora estão perdidas. “Sak Tz’i’ e a busca obstinada por sua identificação mobilizou estudiosos por três décadas”, disse Martin. “Sak Tz’i’ foi o mais importante dos atores políticos ‘sem-localização’ remanescentes.”

Em uma manhã de verão brilhante e cheia de mosquitos, Charles Golden, antropólogo da Universidade Brandeis, cortava o mato alto de uma fazenda de gado no Valle de Santo Domingo, região escassamente povoada de arbustos espessos e selva quase impenetrável. Apenas o rugido estridente dos bugios perfurava o incessante chamado de acasalamento das cigarras. “Estamos chegando ao que resta da dinastia Sak Tz’i’”, disse Golden.

Golden se aproximou de uma cerca de arame farpado, depois passou por baixo dela e observou a vista além: as ruínas de Sak Tz’i’, um assentamento maia de pelo menos 2.500 anos. Espalhados por 40 hectares de trepadeiras emaranhadas e terreno irregular, resquícios da grandeza perdida: montes gigantes de rocha e escombros do que eram templos, praças, salões e um imponente palácio com terraços.

Diretamente à frente estavam os restos de um complexo de plataformas que formavam a acrópole. Em seu auge, tudo era dominado por uma pirâmide de 15 metros de altura na qual os membros da família real talvez tenham sido sepultados. No lugar onde ficavam a pirâmide e várias residências de elite, havia paredes caídas de pedra cortada. Golden observou que a entrada da pirâmide provavelmente apresentava uma fileira de esculturas em relevo, chamadas estelas, a maioria das quais agora estava enterrada nos escombros ou havia sido cortada e levada por ladrões.

Ruínas de civilização maia encontrada no Valle de Santo Domingo. Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

A sudeste, ele notou um beco cheio de seixos – era uma quadra de bola desgastada pelo tempo, com 100 metros de comprimento e 4,5 metros de largura com laterais inclinadas. O jogo, um evento religioso que simbolizava a regeneração, exigia que os jogadores mantivessem uma bola de borracha sólida no ar usando apenas os quadris e os ombros.

Perto dali, em meio ao que tinha sido um aglomerado de centros cerimoniais, havia um amontoado de pedras onde os plebeus se reuniam para eventos públicos e os reis recebiam a Corte. Golden apontou para o antigo pátio, agora um monte de peças soltas. “Deste lugar”, disse ele, “os governantes Sak Tz’i’ procuravam comandar seus súditos – com sucesso ou não – e se engajavam com a política de uma paisagem por cujo controle vários reinos lutavam”.

“Cão Branco”

Pequeno e desconexo, Sak Tz’i’ – Cão Branco, na linguagem das antigas inscrições maias – foi aliado, vassalo e inimigo de vários das maiores e mais poderosas forças regionais, incluindo Piedras Negras, no que hoje é a Guatemala, e Bonampak, Palenque, Toniná e Yaxchilán, no atual Chiapas. A dinastia floresceu durante o período clássico da cultura maia, de 250 a 900 d.C., quando a civilização realizou suas maiores conquistas em arquitetura, engenharia, astronomia e matemática.

Por razões ainda obscuras, Sak Tz’i’ e centenas de outros assentamentos foram abandonados e regiões inteiras ficaram desertas no século 9. Embora os descendentes ainda vivam na área, os caprichos da natureza derrubaram as paredes dos templos, ladrões de túmulos desmontaram pirâmides e um dossel da selva escondeu praças e calçadas. Sak Tz’i’ foi efetivamente apagado da memória.

Os estudiosos começaram a procurar evidências do reino apenas em 1994, quando descobriram inscrições em uma estela – encontrada um século antes na Guatemala – que descreviam a captura de um rei Sak Tz’i’ em 628 d.C. Três verões atrás, um time de pesquisadores e equipes de trabalho locais liderada por Golden e Andrew Scherer, bioarqueólogo da Brown University, exploraram o pasto e descobriram os restos de dezenas de estelas de pedra, utensílios de cozinha e o cadáver de uma mulher de meia-idade que tinha morrido pelo menos 2.500 anos antes.

A datação por radiocarbono indicou que o local, que os pesquisadores chamam de Lacanjá Tzeltal, por causa da comunidade moderna próxima, provavelmente foi colonizado por volta de 750 a.C. e ocupado até o final do período clássico. Talvez mais notavelmente Golden e Scherer estabeleceram que a fazenda de gado havia sido uma – se não a – capital da dinastia Sak Tz’i’.

Simon Martin, curador do Museu Penn da Universidade da Pensilvânia, que não esteve envolvido no projeto, disse que as evidências fornecidas pelos pesquisadores e seus colegas deram um forte argumento de que Lacanjá Tzeltal era o verdadeiro Sak Tz’i’, ou pelo menos uma sede de dinastia por parte de sua história. “As carcaças descartadas de monumentos saqueados nesse local correspondem a algumas das anteriormente anexadas a Sak Tz’i’”, disse ele, “e a descoberta de um novo monumento encomendado por um governante de Sak Tz’i’ é igualmente reveladora”.

A dinastia floresceu durante o período clássico da cultura maia, de 250 a 900 d.C., quando essa civilização teve suas principais conquista.  Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

O vendedor de carnitas

Golden, de 50 anos, e Scherer, de 46, colaboram nos remansos da história da Mesoamérica desde o final dos anos 1990. Eles foram os primeiros arqueólogos a documentar sistemas de fortificações recém-descobertos nos sítios de Tecolote, em 2003, e Oso Negro, em 2005, na Guatemala. “A divisão do trabalho ocorre de acordo com nossas áreas de especialização”, disse Golden, que organiza dados geográficos, mapeamento e sensoriamento remoto com drones. Scherer analisa ossos humanos e tudo o que tem a ver com dieta, isótopos e enterros.

Alto, elegante e divertido, Golden nasceu em Chicago e, quando jovem, foi cativado pelos artefatos do Oriental Institute Museum. “Eu tinha pavor das múmias, não conseguia nem ficar na mesma sala que elas”, disse ele. “Mas também fiquei deslumbrado com as peças do Portão de Ishtar da Babilônia e as outras relíquias da Mesopotâmia. Era impressionante ver fragmentos de verdade de lugares que eu tinha ouvido falar na Bíblia.”

Golden estudou Arqueologia na Universidade de Illinois Urbana-Champaign, mas a lição mais importante que aprendeu, disse ele, foi como estagiário de verão em uma escavação em Belize, no ano de 1993. Cavando um poço de teste, ele puxou do chão um tubo pequeno e sulcado. “Eu tinha certeza de que era uma conta decorativa pré-colombiana”, disse ele. Sorrindo com orgulho, ele o mostrou ao seu supervisor, que o pegou nas mãos e disse: “Alguém deve ter deixado cair isso no almoço. É macarrão com queijo Kraft”. O aspirante a Louis Leakey se esgueirou de volta para seu poço, muito mais sábio.

Arqueólogo examina achados de civilização maia de 2.500 anos. Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

Scherer é mais baixo e atarracado, tem rabo de cavalo e barba grisalha no queixo. Ele cresceu no centro de Minnesota e pegou o vírus da arqueologia na faculdade – Hamline University, em St. Paul –, fazendo um estudo de campo na escavação de um acampamento nativo americano de 2.000 anos. O curso foi conduzido conjuntamente por anciãos ojibwe, que o ensinaram a afiar pedras, curtir peles e construir cabanas.

Ambos os pesquisadores foram atraídos pela cultura maia, a única nas Américas com uma história escrita que data do primeiro milênio.

Scherer e Golden foram avisados da existência das ruínas de Lacanjá Tzeltal por um de seus ex-assistentes de pesquisa. Em 2014, um estudante de pós-graduação da Universidade da Pensilvânia chamado Whittaker Schroder estava explorando escavações arqueológicas perto da fronteira com a Guatemala para um tema de dissertação. Enquanto dirigia pela pequena cidade na floresta tropical de Nuevo Taniperla, Schroder, agora pós-doutorando na Universidade da Flórida, passou por uma barraca de carnitas à beira da estrada. O vendedor tentou acenar para ele, mas Schroder, vegetariano, seguiu em frente.

Não muito tempo depois, ele voltou a passar na frente da venda. Mais uma vez o vendedor tentou chamar a atenção. Dessa vez Schroder parou. “O vendedor disse que tinha um amigo com uma pedra que queria que um arqueólogo examinasse”, lembrou. “Pedi a ele para explicar melhor, e ele disse que a pedra tinha uma escultura com o calendário maia e outros glifos.”

Naquela noite, um amigo do vendedor mostrou a Schroder uma foto de celular que, embora granulada, mostrava claramente um pequeno painel de parede ilustrado com hieróglifos. Em um canto estava uma figura dançante com um chapéu cerimonial, empunhando um machado na mão direita e um bastão na esquerda.

Jacinto Gómez Sánchez, pecuarista que morava a 40 quilômetros de distância, havia descoberto a laje de calcário em sua propriedade muitos anos antes. Schroder contatou Golden e Scherer. “Muitas vezes recebemos pedidos para ver figuras e esculturas de pedra em coleções particulares”, disse Scherer. “Os vasos e outros objetos cerâmicos são quase invariavelmente antigos, mas as esculturas de pedra costumam ser itens modernos de turistas.”

Para grande surpresa de ambos os especialistas, a foto que lhes foi enviada por mensagem mostrava um monumento em tamanho real com glifos da dinastia Sak Tz’i’. Eles levaram mais quatro anos para negociar a permissão para escavar na propriedade. Em 2019, a equipe de pesquisa sobrevoou o local com drones e aviões equipados com uma ferramenta de detecção chamada LIDAR, que podia ver através do dossel da floresta para visualizar o terreno. Os pesquisadores estimaram que, em seu auge, por volta de 750 d.C., o assentamento tinha cerca de 1 mil habitantes.

Em junho deste ano, após um atraso de dois anos por causa do coronavírus, Golden, Scherer e sua equipe voltaram ao local. Grande parte do trabalho foi de manutenção preventiva. Com as paredes de pedra da acrópole em risco de desmoronar, o antropólogo mexicano Fernando Godos e uma equipe local foram convocados para estabilizar as ruínas.

Restos de muros baixos circundam partes do local da escavação, especialmente perto do palácio, o que é incomum para os reinos antigos da região; tipicamente, tais baluartes eram construídos nos arredores. Um objetivo da próxima temporada de pesquisa é determinar se as paredes foram construídas às pressas nos últimos dias da dinastia, como acredita Scherer, ou se faziam parte da construção original do centro do período clássico. A defesa parece ter sido a principal preocupação em Lacanjá Tzeltal, uma fortaleza densamente povoada, cercada por arroios e rios de margens íngremes. As barricadas de pedra presumivelmente reforçavam paliçadas de madeira.

Andrew Scherer analisa ossos humanos e tudo o que tem a ver com dieta, isótopos e enterros.  Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

Uma dinastia desaparecida

Os maias, com seus calendários incrivelmente precisos, hieróglifos sofisticados, sistema agrícola altamente produtivo e capacidade de prever fenômenos celestes como eclipses, foram sem dúvida a cultura mais esclarecida do Novo Mundo. Eles construíram assentamentos suntuosos sem a ajuda da roda, ferramentas de metal ou animais de carga. “Os maias eram realmente os gregos das antigas Américas”, disse Martin. “Eles construíram uma civilização avançada apesar – ou talvez até por causa – de profundas divisões políticas.”

A sociedade maia se estendia para além das fronteiras modernas, ao norte da Guatemala na Península de Yucatán, a leste em Belize e ao sul através das extremidades ocidentais de El Salvador e Honduras. Nunca unificados politicamente, os maias do período clássico eram uma miscelânea de cidades-Estado. A paisagem dos antigos maias é pontilhada de ruínas cujos nomes são desconhecidos pelos estudiosos e cujas inscrições hieroglíficas mencionam dezenas de lugares cujas localizações agora estão perdidas. “Sak Tz’i’ e a busca obstinada por sua identificação mobilizou estudiosos por três décadas”, disse Martin. “Sak Tz’i’ foi o mais importante dos atores políticos ‘sem-localização’ remanescentes.”

Em uma manhã de verão brilhante e cheia de mosquitos, Charles Golden, antropólogo da Universidade Brandeis, cortava o mato alto de uma fazenda de gado no Valle de Santo Domingo, região escassamente povoada de arbustos espessos e selva quase impenetrável. Apenas o rugido estridente dos bugios perfurava o incessante chamado de acasalamento das cigarras. “Estamos chegando ao que resta da dinastia Sak Tz’i’”, disse Golden.

Golden se aproximou de uma cerca de arame farpado, depois passou por baixo dela e observou a vista além: as ruínas de Sak Tz’i’, um assentamento maia de pelo menos 2.500 anos. Espalhados por 40 hectares de trepadeiras emaranhadas e terreno irregular, resquícios da grandeza perdida: montes gigantes de rocha e escombros do que eram templos, praças, salões e um imponente palácio com terraços.

Diretamente à frente estavam os restos de um complexo de plataformas que formavam a acrópole. Em seu auge, tudo era dominado por uma pirâmide de 15 metros de altura na qual os membros da família real talvez tenham sido sepultados. No lugar onde ficavam a pirâmide e várias residências de elite, havia paredes caídas de pedra cortada. Golden observou que a entrada da pirâmide provavelmente apresentava uma fileira de esculturas em relevo, chamadas estelas, a maioria das quais agora estava enterrada nos escombros ou havia sido cortada e levada por ladrões.

Ruínas de civilização maia encontrada no Valle de Santo Domingo. Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

A sudeste, ele notou um beco cheio de seixos – era uma quadra de bola desgastada pelo tempo, com 100 metros de comprimento e 4,5 metros de largura com laterais inclinadas. O jogo, um evento religioso que simbolizava a regeneração, exigia que os jogadores mantivessem uma bola de borracha sólida no ar usando apenas os quadris e os ombros.

Perto dali, em meio ao que tinha sido um aglomerado de centros cerimoniais, havia um amontoado de pedras onde os plebeus se reuniam para eventos públicos e os reis recebiam a Corte. Golden apontou para o antigo pátio, agora um monte de peças soltas. “Deste lugar”, disse ele, “os governantes Sak Tz’i’ procuravam comandar seus súditos – com sucesso ou não – e se engajavam com a política de uma paisagem por cujo controle vários reinos lutavam”.

“Cão Branco”

Pequeno e desconexo, Sak Tz’i’ – Cão Branco, na linguagem das antigas inscrições maias – foi aliado, vassalo e inimigo de vários das maiores e mais poderosas forças regionais, incluindo Piedras Negras, no que hoje é a Guatemala, e Bonampak, Palenque, Toniná e Yaxchilán, no atual Chiapas. A dinastia floresceu durante o período clássico da cultura maia, de 250 a 900 d.C., quando a civilização realizou suas maiores conquistas em arquitetura, engenharia, astronomia e matemática.

Por razões ainda obscuras, Sak Tz’i’ e centenas de outros assentamentos foram abandonados e regiões inteiras ficaram desertas no século 9. Embora os descendentes ainda vivam na área, os caprichos da natureza derrubaram as paredes dos templos, ladrões de túmulos desmontaram pirâmides e um dossel da selva escondeu praças e calçadas. Sak Tz’i’ foi efetivamente apagado da memória.

Os estudiosos começaram a procurar evidências do reino apenas em 1994, quando descobriram inscrições em uma estela – encontrada um século antes na Guatemala – que descreviam a captura de um rei Sak Tz’i’ em 628 d.C. Três verões atrás, um time de pesquisadores e equipes de trabalho locais liderada por Golden e Andrew Scherer, bioarqueólogo da Brown University, exploraram o pasto e descobriram os restos de dezenas de estelas de pedra, utensílios de cozinha e o cadáver de uma mulher de meia-idade que tinha morrido pelo menos 2.500 anos antes.

A datação por radiocarbono indicou que o local, que os pesquisadores chamam de Lacanjá Tzeltal, por causa da comunidade moderna próxima, provavelmente foi colonizado por volta de 750 a.C. e ocupado até o final do período clássico. Talvez mais notavelmente Golden e Scherer estabeleceram que a fazenda de gado havia sido uma – se não a – capital da dinastia Sak Tz’i’.

Simon Martin, curador do Museu Penn da Universidade da Pensilvânia, que não esteve envolvido no projeto, disse que as evidências fornecidas pelos pesquisadores e seus colegas deram um forte argumento de que Lacanjá Tzeltal era o verdadeiro Sak Tz’i’, ou pelo menos uma sede de dinastia por parte de sua história. “As carcaças descartadas de monumentos saqueados nesse local correspondem a algumas das anteriormente anexadas a Sak Tz’i’”, disse ele, “e a descoberta de um novo monumento encomendado por um governante de Sak Tz’i’ é igualmente reveladora”.

A dinastia floresceu durante o período clássico da cultura maia, de 250 a 900 d.C., quando essa civilização teve suas principais conquista.  Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

O vendedor de carnitas

Golden, de 50 anos, e Scherer, de 46, colaboram nos remansos da história da Mesoamérica desde o final dos anos 1990. Eles foram os primeiros arqueólogos a documentar sistemas de fortificações recém-descobertos nos sítios de Tecolote, em 2003, e Oso Negro, em 2005, na Guatemala. “A divisão do trabalho ocorre de acordo com nossas áreas de especialização”, disse Golden, que organiza dados geográficos, mapeamento e sensoriamento remoto com drones. Scherer analisa ossos humanos e tudo o que tem a ver com dieta, isótopos e enterros.

Alto, elegante e divertido, Golden nasceu em Chicago e, quando jovem, foi cativado pelos artefatos do Oriental Institute Museum. “Eu tinha pavor das múmias, não conseguia nem ficar na mesma sala que elas”, disse ele. “Mas também fiquei deslumbrado com as peças do Portão de Ishtar da Babilônia e as outras relíquias da Mesopotâmia. Era impressionante ver fragmentos de verdade de lugares que eu tinha ouvido falar na Bíblia.”

Golden estudou Arqueologia na Universidade de Illinois Urbana-Champaign, mas a lição mais importante que aprendeu, disse ele, foi como estagiário de verão em uma escavação em Belize, no ano de 1993. Cavando um poço de teste, ele puxou do chão um tubo pequeno e sulcado. “Eu tinha certeza de que era uma conta decorativa pré-colombiana”, disse ele. Sorrindo com orgulho, ele o mostrou ao seu supervisor, que o pegou nas mãos e disse: “Alguém deve ter deixado cair isso no almoço. É macarrão com queijo Kraft”. O aspirante a Louis Leakey se esgueirou de volta para seu poço, muito mais sábio.

Arqueólogo examina achados de civilização maia de 2.500 anos. Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

Scherer é mais baixo e atarracado, tem rabo de cavalo e barba grisalha no queixo. Ele cresceu no centro de Minnesota e pegou o vírus da arqueologia na faculdade – Hamline University, em St. Paul –, fazendo um estudo de campo na escavação de um acampamento nativo americano de 2.000 anos. O curso foi conduzido conjuntamente por anciãos ojibwe, que o ensinaram a afiar pedras, curtir peles e construir cabanas.

Ambos os pesquisadores foram atraídos pela cultura maia, a única nas Américas com uma história escrita que data do primeiro milênio.

Scherer e Golden foram avisados da existência das ruínas de Lacanjá Tzeltal por um de seus ex-assistentes de pesquisa. Em 2014, um estudante de pós-graduação da Universidade da Pensilvânia chamado Whittaker Schroder estava explorando escavações arqueológicas perto da fronteira com a Guatemala para um tema de dissertação. Enquanto dirigia pela pequena cidade na floresta tropical de Nuevo Taniperla, Schroder, agora pós-doutorando na Universidade da Flórida, passou por uma barraca de carnitas à beira da estrada. O vendedor tentou acenar para ele, mas Schroder, vegetariano, seguiu em frente.

Não muito tempo depois, ele voltou a passar na frente da venda. Mais uma vez o vendedor tentou chamar a atenção. Dessa vez Schroder parou. “O vendedor disse que tinha um amigo com uma pedra que queria que um arqueólogo examinasse”, lembrou. “Pedi a ele para explicar melhor, e ele disse que a pedra tinha uma escultura com o calendário maia e outros glifos.”

Naquela noite, um amigo do vendedor mostrou a Schroder uma foto de celular que, embora granulada, mostrava claramente um pequeno painel de parede ilustrado com hieróglifos. Em um canto estava uma figura dançante com um chapéu cerimonial, empunhando um machado na mão direita e um bastão na esquerda.

Jacinto Gómez Sánchez, pecuarista que morava a 40 quilômetros de distância, havia descoberto a laje de calcário em sua propriedade muitos anos antes. Schroder contatou Golden e Scherer. “Muitas vezes recebemos pedidos para ver figuras e esculturas de pedra em coleções particulares”, disse Scherer. “Os vasos e outros objetos cerâmicos são quase invariavelmente antigos, mas as esculturas de pedra costumam ser itens modernos de turistas.”

Para grande surpresa de ambos os especialistas, a foto que lhes foi enviada por mensagem mostrava um monumento em tamanho real com glifos da dinastia Sak Tz’i’. Eles levaram mais quatro anos para negociar a permissão para escavar na propriedade. Em 2019, a equipe de pesquisa sobrevoou o local com drones e aviões equipados com uma ferramenta de detecção chamada LIDAR, que podia ver através do dossel da floresta para visualizar o terreno. Os pesquisadores estimaram que, em seu auge, por volta de 750 d.C., o assentamento tinha cerca de 1 mil habitantes.

Em junho deste ano, após um atraso de dois anos por causa do coronavírus, Golden, Scherer e sua equipe voltaram ao local. Grande parte do trabalho foi de manutenção preventiva. Com as paredes de pedra da acrópole em risco de desmoronar, o antropólogo mexicano Fernando Godos e uma equipe local foram convocados para estabilizar as ruínas.

Restos de muros baixos circundam partes do local da escavação, especialmente perto do palácio, o que é incomum para os reinos antigos da região; tipicamente, tais baluartes eram construídos nos arredores. Um objetivo da próxima temporada de pesquisa é determinar se as paredes foram construídas às pressas nos últimos dias da dinastia, como acredita Scherer, ou se faziam parte da construção original do centro do período clássico. A defesa parece ter sido a principal preocupação em Lacanjá Tzeltal, uma fortaleza densamente povoada, cercada por arroios e rios de margens íngremes. As barricadas de pedra presumivelmente reforçavam paliçadas de madeira.

Andrew Scherer analisa ossos humanos e tudo o que tem a ver com dieta, isótopos e enterros.  Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

Uma dinastia desaparecida

Os maias, com seus calendários incrivelmente precisos, hieróglifos sofisticados, sistema agrícola altamente produtivo e capacidade de prever fenômenos celestes como eclipses, foram sem dúvida a cultura mais esclarecida do Novo Mundo. Eles construíram assentamentos suntuosos sem a ajuda da roda, ferramentas de metal ou animais de carga. “Os maias eram realmente os gregos das antigas Américas”, disse Martin. “Eles construíram uma civilização avançada apesar – ou talvez até por causa – de profundas divisões políticas.”

A sociedade maia se estendia para além das fronteiras modernas, ao norte da Guatemala na Península de Yucatán, a leste em Belize e ao sul através das extremidades ocidentais de El Salvador e Honduras. Nunca unificados politicamente, os maias do período clássico eram uma miscelânea de cidades-Estado. A paisagem dos antigos maias é pontilhada de ruínas cujos nomes são desconhecidos pelos estudiosos e cujas inscrições hieroglíficas mencionam dezenas de lugares cujas localizações agora estão perdidas. “Sak Tz’i’ e a busca obstinada por sua identificação mobilizou estudiosos por três décadas”, disse Martin. “Sak Tz’i’ foi o mais importante dos atores políticos ‘sem-localização’ remanescentes.”

Em uma manhã de verão brilhante e cheia de mosquitos, Charles Golden, antropólogo da Universidade Brandeis, cortava o mato alto de uma fazenda de gado no Valle de Santo Domingo, região escassamente povoada de arbustos espessos e selva quase impenetrável. Apenas o rugido estridente dos bugios perfurava o incessante chamado de acasalamento das cigarras. “Estamos chegando ao que resta da dinastia Sak Tz’i’”, disse Golden.

Golden se aproximou de uma cerca de arame farpado, depois passou por baixo dela e observou a vista além: as ruínas de Sak Tz’i’, um assentamento maia de pelo menos 2.500 anos. Espalhados por 40 hectares de trepadeiras emaranhadas e terreno irregular, resquícios da grandeza perdida: montes gigantes de rocha e escombros do que eram templos, praças, salões e um imponente palácio com terraços.

Diretamente à frente estavam os restos de um complexo de plataformas que formavam a acrópole. Em seu auge, tudo era dominado por uma pirâmide de 15 metros de altura na qual os membros da família real talvez tenham sido sepultados. No lugar onde ficavam a pirâmide e várias residências de elite, havia paredes caídas de pedra cortada. Golden observou que a entrada da pirâmide provavelmente apresentava uma fileira de esculturas em relevo, chamadas estelas, a maioria das quais agora estava enterrada nos escombros ou havia sido cortada e levada por ladrões.

Ruínas de civilização maia encontrada no Valle de Santo Domingo. Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

A sudeste, ele notou um beco cheio de seixos – era uma quadra de bola desgastada pelo tempo, com 100 metros de comprimento e 4,5 metros de largura com laterais inclinadas. O jogo, um evento religioso que simbolizava a regeneração, exigia que os jogadores mantivessem uma bola de borracha sólida no ar usando apenas os quadris e os ombros.

Perto dali, em meio ao que tinha sido um aglomerado de centros cerimoniais, havia um amontoado de pedras onde os plebeus se reuniam para eventos públicos e os reis recebiam a Corte. Golden apontou para o antigo pátio, agora um monte de peças soltas. “Deste lugar”, disse ele, “os governantes Sak Tz’i’ procuravam comandar seus súditos – com sucesso ou não – e se engajavam com a política de uma paisagem por cujo controle vários reinos lutavam”.

“Cão Branco”

Pequeno e desconexo, Sak Tz’i’ – Cão Branco, na linguagem das antigas inscrições maias – foi aliado, vassalo e inimigo de vários das maiores e mais poderosas forças regionais, incluindo Piedras Negras, no que hoje é a Guatemala, e Bonampak, Palenque, Toniná e Yaxchilán, no atual Chiapas. A dinastia floresceu durante o período clássico da cultura maia, de 250 a 900 d.C., quando a civilização realizou suas maiores conquistas em arquitetura, engenharia, astronomia e matemática.

Por razões ainda obscuras, Sak Tz’i’ e centenas de outros assentamentos foram abandonados e regiões inteiras ficaram desertas no século 9. Embora os descendentes ainda vivam na área, os caprichos da natureza derrubaram as paredes dos templos, ladrões de túmulos desmontaram pirâmides e um dossel da selva escondeu praças e calçadas. Sak Tz’i’ foi efetivamente apagado da memória.

Os estudiosos começaram a procurar evidências do reino apenas em 1994, quando descobriram inscrições em uma estela – encontrada um século antes na Guatemala – que descreviam a captura de um rei Sak Tz’i’ em 628 d.C. Três verões atrás, um time de pesquisadores e equipes de trabalho locais liderada por Golden e Andrew Scherer, bioarqueólogo da Brown University, exploraram o pasto e descobriram os restos de dezenas de estelas de pedra, utensílios de cozinha e o cadáver de uma mulher de meia-idade que tinha morrido pelo menos 2.500 anos antes.

A datação por radiocarbono indicou que o local, que os pesquisadores chamam de Lacanjá Tzeltal, por causa da comunidade moderna próxima, provavelmente foi colonizado por volta de 750 a.C. e ocupado até o final do período clássico. Talvez mais notavelmente Golden e Scherer estabeleceram que a fazenda de gado havia sido uma – se não a – capital da dinastia Sak Tz’i’.

Simon Martin, curador do Museu Penn da Universidade da Pensilvânia, que não esteve envolvido no projeto, disse que as evidências fornecidas pelos pesquisadores e seus colegas deram um forte argumento de que Lacanjá Tzeltal era o verdadeiro Sak Tz’i’, ou pelo menos uma sede de dinastia por parte de sua história. “As carcaças descartadas de monumentos saqueados nesse local correspondem a algumas das anteriormente anexadas a Sak Tz’i’”, disse ele, “e a descoberta de um novo monumento encomendado por um governante de Sak Tz’i’ é igualmente reveladora”.

A dinastia floresceu durante o período clássico da cultura maia, de 250 a 900 d.C., quando essa civilização teve suas principais conquista.  Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

O vendedor de carnitas

Golden, de 50 anos, e Scherer, de 46, colaboram nos remansos da história da Mesoamérica desde o final dos anos 1990. Eles foram os primeiros arqueólogos a documentar sistemas de fortificações recém-descobertos nos sítios de Tecolote, em 2003, e Oso Negro, em 2005, na Guatemala. “A divisão do trabalho ocorre de acordo com nossas áreas de especialização”, disse Golden, que organiza dados geográficos, mapeamento e sensoriamento remoto com drones. Scherer analisa ossos humanos e tudo o que tem a ver com dieta, isótopos e enterros.

Alto, elegante e divertido, Golden nasceu em Chicago e, quando jovem, foi cativado pelos artefatos do Oriental Institute Museum. “Eu tinha pavor das múmias, não conseguia nem ficar na mesma sala que elas”, disse ele. “Mas também fiquei deslumbrado com as peças do Portão de Ishtar da Babilônia e as outras relíquias da Mesopotâmia. Era impressionante ver fragmentos de verdade de lugares que eu tinha ouvido falar na Bíblia.”

Golden estudou Arqueologia na Universidade de Illinois Urbana-Champaign, mas a lição mais importante que aprendeu, disse ele, foi como estagiário de verão em uma escavação em Belize, no ano de 1993. Cavando um poço de teste, ele puxou do chão um tubo pequeno e sulcado. “Eu tinha certeza de que era uma conta decorativa pré-colombiana”, disse ele. Sorrindo com orgulho, ele o mostrou ao seu supervisor, que o pegou nas mãos e disse: “Alguém deve ter deixado cair isso no almoço. É macarrão com queijo Kraft”. O aspirante a Louis Leakey se esgueirou de volta para seu poço, muito mais sábio.

Arqueólogo examina achados de civilização maia de 2.500 anos. Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

Scherer é mais baixo e atarracado, tem rabo de cavalo e barba grisalha no queixo. Ele cresceu no centro de Minnesota e pegou o vírus da arqueologia na faculdade – Hamline University, em St. Paul –, fazendo um estudo de campo na escavação de um acampamento nativo americano de 2.000 anos. O curso foi conduzido conjuntamente por anciãos ojibwe, que o ensinaram a afiar pedras, curtir peles e construir cabanas.

Ambos os pesquisadores foram atraídos pela cultura maia, a única nas Américas com uma história escrita que data do primeiro milênio.

Scherer e Golden foram avisados da existência das ruínas de Lacanjá Tzeltal por um de seus ex-assistentes de pesquisa. Em 2014, um estudante de pós-graduação da Universidade da Pensilvânia chamado Whittaker Schroder estava explorando escavações arqueológicas perto da fronteira com a Guatemala para um tema de dissertação. Enquanto dirigia pela pequena cidade na floresta tropical de Nuevo Taniperla, Schroder, agora pós-doutorando na Universidade da Flórida, passou por uma barraca de carnitas à beira da estrada. O vendedor tentou acenar para ele, mas Schroder, vegetariano, seguiu em frente.

Não muito tempo depois, ele voltou a passar na frente da venda. Mais uma vez o vendedor tentou chamar a atenção. Dessa vez Schroder parou. “O vendedor disse que tinha um amigo com uma pedra que queria que um arqueólogo examinasse”, lembrou. “Pedi a ele para explicar melhor, e ele disse que a pedra tinha uma escultura com o calendário maia e outros glifos.”

Naquela noite, um amigo do vendedor mostrou a Schroder uma foto de celular que, embora granulada, mostrava claramente um pequeno painel de parede ilustrado com hieróglifos. Em um canto estava uma figura dançante com um chapéu cerimonial, empunhando um machado na mão direita e um bastão na esquerda.

Jacinto Gómez Sánchez, pecuarista que morava a 40 quilômetros de distância, havia descoberto a laje de calcário em sua propriedade muitos anos antes. Schroder contatou Golden e Scherer. “Muitas vezes recebemos pedidos para ver figuras e esculturas de pedra em coleções particulares”, disse Scherer. “Os vasos e outros objetos cerâmicos são quase invariavelmente antigos, mas as esculturas de pedra costumam ser itens modernos de turistas.”

Para grande surpresa de ambos os especialistas, a foto que lhes foi enviada por mensagem mostrava um monumento em tamanho real com glifos da dinastia Sak Tz’i’. Eles levaram mais quatro anos para negociar a permissão para escavar na propriedade. Em 2019, a equipe de pesquisa sobrevoou o local com drones e aviões equipados com uma ferramenta de detecção chamada LIDAR, que podia ver através do dossel da floresta para visualizar o terreno. Os pesquisadores estimaram que, em seu auge, por volta de 750 d.C., o assentamento tinha cerca de 1 mil habitantes.

Em junho deste ano, após um atraso de dois anos por causa do coronavírus, Golden, Scherer e sua equipe voltaram ao local. Grande parte do trabalho foi de manutenção preventiva. Com as paredes de pedra da acrópole em risco de desmoronar, o antropólogo mexicano Fernando Godos e uma equipe local foram convocados para estabilizar as ruínas.

Restos de muros baixos circundam partes do local da escavação, especialmente perto do palácio, o que é incomum para os reinos antigos da região; tipicamente, tais baluartes eram construídos nos arredores. Um objetivo da próxima temporada de pesquisa é determinar se as paredes foram construídas às pressas nos últimos dias da dinastia, como acredita Scherer, ou se faziam parte da construção original do centro do período clássico. A defesa parece ter sido a principal preocupação em Lacanjá Tzeltal, uma fortaleza densamente povoada, cercada por arroios e rios de margens íngremes. As barricadas de pedra presumivelmente reforçavam paliçadas de madeira.

Andrew Scherer analisa ossos humanos e tudo o que tem a ver com dieta, isótopos e enterros.  Foto: Meghan Dhaliwal/The New York Times

Uma dinastia desaparecida

Os maias, com seus calendários incrivelmente precisos, hieróglifos sofisticados, sistema agrícola altamente produtivo e capacidade de prever fenômenos celestes como eclipses, foram sem dúvida a cultura mais esclarecida do Novo Mundo. Eles construíram assentamentos suntuosos sem a ajuda da roda, ferramentas de metal ou animais de carga. “Os maias eram realmente os gregos das antigas Américas”, disse Martin. “Eles construíram uma civilização avançada apesar – ou talvez até por causa – de profundas divisões políticas.”

A sociedade maia se estendia para além das fronteiras modernas, ao norte da Guatemala na Península de Yucatán, a leste em Belize e ao sul através das extremidades ocidentais de El Salvador e Honduras. Nunca unificados politicamente, os maias do período clássico eram uma miscelânea de cidades-Estado. A paisagem dos antigos maias é pontilhada de ruínas cujos nomes são desconhecidos pelos estudiosos e cujas inscrições hieroglíficas mencionam dezenas de lugares cujas localizações agora estão perdidas. “Sak Tz’i’ e a busca obstinada por sua identificação mobilizou estudiosos por três décadas”, disse Martin. “Sak Tz’i’ foi o mais importante dos atores políticos ‘sem-localização’ remanescentes.”

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