As plantas são inteligentes? Se forem, o que isso significa para a sua salada?


Livro recém-lançado analisa como as plantas percebem o mundo e o poder que elas têm em suas próprias vidas

Por Elizabeth A. Harris
Foto: Reprodução/x.com/zoeschlanger/
Entrevista comZoë SchlangerAutora do livro 'As comedoras de luz'

Zoë Schlanger era uma repórter que cobria mudanças climáticas – o ataque diário de enchentes, incêndios e outros desastres naturais – quando começou a ler revistas de botânica para relaxar.

Nelas encontrou algo que a surpreendeu: os pesquisadores estavam debatendo se as plantas eram inteligentes.

Veja o caso do milho. Ele é um dos vários tipos de plantas que conseguem identificar uma espécie de lagarta por meio da saliva dela e emitir compostos químicos no ar para atrair o predador do inseto. Avisada da presença da lagarta por esses compostos, uma vespa parasita chega e a destrói, protegendo o milho.

continua após a publicidade

“Um dos grandes debates é se as plantas têm ou não alguma forma de intenção, e se é preciso intenção para que algo tenha inteligência”, disse Schlanger. “Mas você pode argumentar que não importa muito encontrar intenção nas plantas. O que importa é observar o que elas fazem. E o que elas fazem é tomar decisões em tempo real e planejar o futuro”.

Schlanger passou os anos seguintes explorando o comportamento das plantas para seu livro, The Light Eaters (algo como As comedoras de luz, em tradução livre), que foi publicado este mês. Numa caminhada semanas atrás pelo Central Park, em Nova York – passando por hortênsias, heléboros, jacintos e um jogo da liga de softball da Broadway entre a equipe Hamilton e a equipe O Rei Leão – Schlanger descreveu coisas surpreendentes que as plantas conseguem fazer e explicou como aprender mais sobre elas ajudou seu trabalho de reportagem sobre mudanças climáticas, tema que ela cobre para o The Atlantic.

Esta entrevista foi editada e condensada por motivos de extensão e clareza.

continua após a publicidade
'Somos animais que precisam comer plantas', diz Zoë Schlanger Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

O que as plantas conseguem fazer de surpreendente?

O que mais me encanta são as formas como as plantas manipulam os animais para benefício próprio.

continua após a publicidade

As plantas da espécie Erythranthe guttata sabem mentir para as abelhas sobre a quantidade de pólen que têm em suas flores, para enganá-las e atraí-las. As abelhas fazem um processo de triagem em que coletam amostras de substâncias químicas voláteis que emanam das flores, e esses químicos indicam a quantidade de pólen. Mas essas flores criaram um jeito de não precisar passar pelo trabalho muito caro em termos energéticos de produzir todo esse pólen, elas soltam só os químicos voláteis. Aí as abelhas aparecem e não tem nada lá para elas, mas a flor é polinizada mesmo assim.

E temos também todo o mundo das orquídeas que criam ilusões sexuais, que eu acho muito bacana. Algumas delas têm uma pétala realmente incomum: um fio bem comprido, com um pequeno bulbo na extremidade. As vespas macho chegam e se agarram a esse fio porque ele exala quase o mesmo feromônio das fêmeas.

continua após a publicidade

Gosto quando elas atraem um predador. É muito louco isso...

Nos anos 1990, os pesquisadores perceberam que o milho e o tomate conseguiam coletar amostras da saliva da lagarta que os comia e, em seguida, sintetizar substâncias químicas que atraiam a vespa parasita certa, que então vinha para injetar sua larva nas lagartas. Então a vespa chega e injeta um monte de larvas dentro das lagartas. As larvas eclodem e comem as lagartas de dentro para fora, depois colam seus casulos na parte externa da lagarta. No fim, sobram só as cascas das lagartas, cobertas por casulos de vespas.

Ai, que nojo!

continua após a publicidade

É uma imagem bem nojenta e assustadora mesmo. Mas a planta só está tentando se salvar, atraindo o predador certo para eliminar as lagartas. É como se a planta estivesse usando uma ferramenta. Quer dizer, não sei como é o seu feed de redes sociais, mas o meu está cheio de vídeos de coisas como corvos usando gravetos como ferramentas.

O algoritmo encontrou você!

Encontrou, com certeza. É claro que os corvos são brilhantes por fazerem isso, então como encarar o fato de que as plantas fazem essencialmente a mesma coisa, mas com organismos vivos? Elas liberam substâncias químicas que levam um animal a fazer uma coisa específica. Será que esse animal acredita que está fazendo isso por vontade própria? É uma zumbificação dos animais? Ou é mais uma relação mútua, colaborativa, em que a vespa ganha algo em troca? É difícil identificar a diferença entre manipulação e colaboração na natureza.

continua após a publicidade

O que os cientistas querem dizer quando falam de “inteligência” nas plantas?

As plantas fazem cálculos o tempo todo, assimilando todos os aspectos de seu ambiente e ajustando sua vida de acordo com eles, e isso está começando a se parecer muito com o que poderíamos chamar de inteligência. É mais ou menos assim que devemos tratar o assunto. A inteligência delas não vai se manifestar da mesma forma que a nossa. Vai aparecer de maneiras evolutivamente apropriadas para as plantas.

Então ninguém está dizendo que as plantas vão escrever poemas ou fazer a tarefa de matemática?

Ainda não! Embora os pesquisadores que estudam o tema falem sobre uma sintaxe na comunicação das plantas e, de certa forma, uma estrutura de frases. Mas eles estão falando sobre química, compostos químicos flutuando no ar, cada um com um certo significado.

E quanto à maneira como as plantas percebem o mundo? Elas interagem com o som?

Em algumas pesquisas, os cientistas ficam tocando sons para as plantas e eles vêm notando que certos sons fazem com que as plantas produzam mais de certos compostos. Tem um som que, se tocado por tempo suficiente, faz com que os brócolis aumentem seus antioxidantes. Nos brotos de alfafa, outros sons fazem com que a planta produza mais vitamina C. Se eles conseguirem descobrir mais coisas, será possível ajustar o conteúdo nutricional das plantações só tocando sons.

Também seria possível fazer com que as produzissem mais de seu próprio pesticida, o que é interessante quando se pensa na quantidade de pesticida que usamos para cultivar nossos alimentos.

Você mudou seu comportamento depois de passar tanto tempo refletindo sobre essas questões? Está mais difícil comer salada agora?

Somos animais que precisam comer plantas, claro. Não tem como evitar isso. Mas tem um jeito de imaginar um futuro com práticas agrícolas que estejam mais sintonizadas com o estilo de vida das plantas, com as coisas que elas são capazes de fazer e com suas propensões.

Isso abre o mundo da ética vegetal. Como será o nosso mundo se incluirmos as plantas na nossa imaginação moral? Muitas culturas já têm isso como um princípio. Robin Wall Kimmerer (autor de Braiding Sweetgrass) escreve muito sobre como a ciência indígena deixa muito mais espaço para questões que são centradas no respeito pelas plantas e no interesse mútuo.

O que você quer que as pessoas levem desse livro?

Ao refletirmos sobre a inteligência das plantas, o que estamos pensando de verdade é no quanto as plantas são participantes ativas de sua própria vida. Elas têm uma capacidade de ação, mesmo que não se pareça em nada com a nossa capacidade de ação. Acho que é uma lição de humildade para nós.

Tudo quer continuar vivendo. Isso realmente me ajudou a voltar às reportagens sobre o clima com mais noção do que podemos perder com as mudanças climáticas. Cada espécie é uma façanha biológica engenhosa que seria uma grande tolice extinguir. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

Zoë Schlanger era uma repórter que cobria mudanças climáticas – o ataque diário de enchentes, incêndios e outros desastres naturais – quando começou a ler revistas de botânica para relaxar.

Nelas encontrou algo que a surpreendeu: os pesquisadores estavam debatendo se as plantas eram inteligentes.

Veja o caso do milho. Ele é um dos vários tipos de plantas que conseguem identificar uma espécie de lagarta por meio da saliva dela e emitir compostos químicos no ar para atrair o predador do inseto. Avisada da presença da lagarta por esses compostos, uma vespa parasita chega e a destrói, protegendo o milho.

“Um dos grandes debates é se as plantas têm ou não alguma forma de intenção, e se é preciso intenção para que algo tenha inteligência”, disse Schlanger. “Mas você pode argumentar que não importa muito encontrar intenção nas plantas. O que importa é observar o que elas fazem. E o que elas fazem é tomar decisões em tempo real e planejar o futuro”.

Schlanger passou os anos seguintes explorando o comportamento das plantas para seu livro, The Light Eaters (algo como As comedoras de luz, em tradução livre), que foi publicado este mês. Numa caminhada semanas atrás pelo Central Park, em Nova York – passando por hortênsias, heléboros, jacintos e um jogo da liga de softball da Broadway entre a equipe Hamilton e a equipe O Rei Leão – Schlanger descreveu coisas surpreendentes que as plantas conseguem fazer e explicou como aprender mais sobre elas ajudou seu trabalho de reportagem sobre mudanças climáticas, tema que ela cobre para o The Atlantic.

Esta entrevista foi editada e condensada por motivos de extensão e clareza.

'Somos animais que precisam comer plantas', diz Zoë Schlanger Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

O que as plantas conseguem fazer de surpreendente?

O que mais me encanta são as formas como as plantas manipulam os animais para benefício próprio.

As plantas da espécie Erythranthe guttata sabem mentir para as abelhas sobre a quantidade de pólen que têm em suas flores, para enganá-las e atraí-las. As abelhas fazem um processo de triagem em que coletam amostras de substâncias químicas voláteis que emanam das flores, e esses químicos indicam a quantidade de pólen. Mas essas flores criaram um jeito de não precisar passar pelo trabalho muito caro em termos energéticos de produzir todo esse pólen, elas soltam só os químicos voláteis. Aí as abelhas aparecem e não tem nada lá para elas, mas a flor é polinizada mesmo assim.

E temos também todo o mundo das orquídeas que criam ilusões sexuais, que eu acho muito bacana. Algumas delas têm uma pétala realmente incomum: um fio bem comprido, com um pequeno bulbo na extremidade. As vespas macho chegam e se agarram a esse fio porque ele exala quase o mesmo feromônio das fêmeas.

Gosto quando elas atraem um predador. É muito louco isso...

Nos anos 1990, os pesquisadores perceberam que o milho e o tomate conseguiam coletar amostras da saliva da lagarta que os comia e, em seguida, sintetizar substâncias químicas que atraiam a vespa parasita certa, que então vinha para injetar sua larva nas lagartas. Então a vespa chega e injeta um monte de larvas dentro das lagartas. As larvas eclodem e comem as lagartas de dentro para fora, depois colam seus casulos na parte externa da lagarta. No fim, sobram só as cascas das lagartas, cobertas por casulos de vespas.

Ai, que nojo!

É uma imagem bem nojenta e assustadora mesmo. Mas a planta só está tentando se salvar, atraindo o predador certo para eliminar as lagartas. É como se a planta estivesse usando uma ferramenta. Quer dizer, não sei como é o seu feed de redes sociais, mas o meu está cheio de vídeos de coisas como corvos usando gravetos como ferramentas.

O algoritmo encontrou você!

Encontrou, com certeza. É claro que os corvos são brilhantes por fazerem isso, então como encarar o fato de que as plantas fazem essencialmente a mesma coisa, mas com organismos vivos? Elas liberam substâncias químicas que levam um animal a fazer uma coisa específica. Será que esse animal acredita que está fazendo isso por vontade própria? É uma zumbificação dos animais? Ou é mais uma relação mútua, colaborativa, em que a vespa ganha algo em troca? É difícil identificar a diferença entre manipulação e colaboração na natureza.

O que os cientistas querem dizer quando falam de “inteligência” nas plantas?

As plantas fazem cálculos o tempo todo, assimilando todos os aspectos de seu ambiente e ajustando sua vida de acordo com eles, e isso está começando a se parecer muito com o que poderíamos chamar de inteligência. É mais ou menos assim que devemos tratar o assunto. A inteligência delas não vai se manifestar da mesma forma que a nossa. Vai aparecer de maneiras evolutivamente apropriadas para as plantas.

Então ninguém está dizendo que as plantas vão escrever poemas ou fazer a tarefa de matemática?

Ainda não! Embora os pesquisadores que estudam o tema falem sobre uma sintaxe na comunicação das plantas e, de certa forma, uma estrutura de frases. Mas eles estão falando sobre química, compostos químicos flutuando no ar, cada um com um certo significado.

E quanto à maneira como as plantas percebem o mundo? Elas interagem com o som?

Em algumas pesquisas, os cientistas ficam tocando sons para as plantas e eles vêm notando que certos sons fazem com que as plantas produzam mais de certos compostos. Tem um som que, se tocado por tempo suficiente, faz com que os brócolis aumentem seus antioxidantes. Nos brotos de alfafa, outros sons fazem com que a planta produza mais vitamina C. Se eles conseguirem descobrir mais coisas, será possível ajustar o conteúdo nutricional das plantações só tocando sons.

Também seria possível fazer com que as produzissem mais de seu próprio pesticida, o que é interessante quando se pensa na quantidade de pesticida que usamos para cultivar nossos alimentos.

Você mudou seu comportamento depois de passar tanto tempo refletindo sobre essas questões? Está mais difícil comer salada agora?

Somos animais que precisam comer plantas, claro. Não tem como evitar isso. Mas tem um jeito de imaginar um futuro com práticas agrícolas que estejam mais sintonizadas com o estilo de vida das plantas, com as coisas que elas são capazes de fazer e com suas propensões.

Isso abre o mundo da ética vegetal. Como será o nosso mundo se incluirmos as plantas na nossa imaginação moral? Muitas culturas já têm isso como um princípio. Robin Wall Kimmerer (autor de Braiding Sweetgrass) escreve muito sobre como a ciência indígena deixa muito mais espaço para questões que são centradas no respeito pelas plantas e no interesse mútuo.

O que você quer que as pessoas levem desse livro?

Ao refletirmos sobre a inteligência das plantas, o que estamos pensando de verdade é no quanto as plantas são participantes ativas de sua própria vida. Elas têm uma capacidade de ação, mesmo que não se pareça em nada com a nossa capacidade de ação. Acho que é uma lição de humildade para nós.

Tudo quer continuar vivendo. Isso realmente me ajudou a voltar às reportagens sobre o clima com mais noção do que podemos perder com as mudanças climáticas. Cada espécie é uma façanha biológica engenhosa que seria uma grande tolice extinguir. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

Zoë Schlanger era uma repórter que cobria mudanças climáticas – o ataque diário de enchentes, incêndios e outros desastres naturais – quando começou a ler revistas de botânica para relaxar.

Nelas encontrou algo que a surpreendeu: os pesquisadores estavam debatendo se as plantas eram inteligentes.

Veja o caso do milho. Ele é um dos vários tipos de plantas que conseguem identificar uma espécie de lagarta por meio da saliva dela e emitir compostos químicos no ar para atrair o predador do inseto. Avisada da presença da lagarta por esses compostos, uma vespa parasita chega e a destrói, protegendo o milho.

“Um dos grandes debates é se as plantas têm ou não alguma forma de intenção, e se é preciso intenção para que algo tenha inteligência”, disse Schlanger. “Mas você pode argumentar que não importa muito encontrar intenção nas plantas. O que importa é observar o que elas fazem. E o que elas fazem é tomar decisões em tempo real e planejar o futuro”.

Schlanger passou os anos seguintes explorando o comportamento das plantas para seu livro, The Light Eaters (algo como As comedoras de luz, em tradução livre), que foi publicado este mês. Numa caminhada semanas atrás pelo Central Park, em Nova York – passando por hortênsias, heléboros, jacintos e um jogo da liga de softball da Broadway entre a equipe Hamilton e a equipe O Rei Leão – Schlanger descreveu coisas surpreendentes que as plantas conseguem fazer e explicou como aprender mais sobre elas ajudou seu trabalho de reportagem sobre mudanças climáticas, tema que ela cobre para o The Atlantic.

Esta entrevista foi editada e condensada por motivos de extensão e clareza.

'Somos animais que precisam comer plantas', diz Zoë Schlanger Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

O que as plantas conseguem fazer de surpreendente?

O que mais me encanta são as formas como as plantas manipulam os animais para benefício próprio.

As plantas da espécie Erythranthe guttata sabem mentir para as abelhas sobre a quantidade de pólen que têm em suas flores, para enganá-las e atraí-las. As abelhas fazem um processo de triagem em que coletam amostras de substâncias químicas voláteis que emanam das flores, e esses químicos indicam a quantidade de pólen. Mas essas flores criaram um jeito de não precisar passar pelo trabalho muito caro em termos energéticos de produzir todo esse pólen, elas soltam só os químicos voláteis. Aí as abelhas aparecem e não tem nada lá para elas, mas a flor é polinizada mesmo assim.

E temos também todo o mundo das orquídeas que criam ilusões sexuais, que eu acho muito bacana. Algumas delas têm uma pétala realmente incomum: um fio bem comprido, com um pequeno bulbo na extremidade. As vespas macho chegam e se agarram a esse fio porque ele exala quase o mesmo feromônio das fêmeas.

Gosto quando elas atraem um predador. É muito louco isso...

Nos anos 1990, os pesquisadores perceberam que o milho e o tomate conseguiam coletar amostras da saliva da lagarta que os comia e, em seguida, sintetizar substâncias químicas que atraiam a vespa parasita certa, que então vinha para injetar sua larva nas lagartas. Então a vespa chega e injeta um monte de larvas dentro das lagartas. As larvas eclodem e comem as lagartas de dentro para fora, depois colam seus casulos na parte externa da lagarta. No fim, sobram só as cascas das lagartas, cobertas por casulos de vespas.

Ai, que nojo!

É uma imagem bem nojenta e assustadora mesmo. Mas a planta só está tentando se salvar, atraindo o predador certo para eliminar as lagartas. É como se a planta estivesse usando uma ferramenta. Quer dizer, não sei como é o seu feed de redes sociais, mas o meu está cheio de vídeos de coisas como corvos usando gravetos como ferramentas.

O algoritmo encontrou você!

Encontrou, com certeza. É claro que os corvos são brilhantes por fazerem isso, então como encarar o fato de que as plantas fazem essencialmente a mesma coisa, mas com organismos vivos? Elas liberam substâncias químicas que levam um animal a fazer uma coisa específica. Será que esse animal acredita que está fazendo isso por vontade própria? É uma zumbificação dos animais? Ou é mais uma relação mútua, colaborativa, em que a vespa ganha algo em troca? É difícil identificar a diferença entre manipulação e colaboração na natureza.

O que os cientistas querem dizer quando falam de “inteligência” nas plantas?

As plantas fazem cálculos o tempo todo, assimilando todos os aspectos de seu ambiente e ajustando sua vida de acordo com eles, e isso está começando a se parecer muito com o que poderíamos chamar de inteligência. É mais ou menos assim que devemos tratar o assunto. A inteligência delas não vai se manifestar da mesma forma que a nossa. Vai aparecer de maneiras evolutivamente apropriadas para as plantas.

Então ninguém está dizendo que as plantas vão escrever poemas ou fazer a tarefa de matemática?

Ainda não! Embora os pesquisadores que estudam o tema falem sobre uma sintaxe na comunicação das plantas e, de certa forma, uma estrutura de frases. Mas eles estão falando sobre química, compostos químicos flutuando no ar, cada um com um certo significado.

E quanto à maneira como as plantas percebem o mundo? Elas interagem com o som?

Em algumas pesquisas, os cientistas ficam tocando sons para as plantas e eles vêm notando que certos sons fazem com que as plantas produzam mais de certos compostos. Tem um som que, se tocado por tempo suficiente, faz com que os brócolis aumentem seus antioxidantes. Nos brotos de alfafa, outros sons fazem com que a planta produza mais vitamina C. Se eles conseguirem descobrir mais coisas, será possível ajustar o conteúdo nutricional das plantações só tocando sons.

Também seria possível fazer com que as produzissem mais de seu próprio pesticida, o que é interessante quando se pensa na quantidade de pesticida que usamos para cultivar nossos alimentos.

Você mudou seu comportamento depois de passar tanto tempo refletindo sobre essas questões? Está mais difícil comer salada agora?

Somos animais que precisam comer plantas, claro. Não tem como evitar isso. Mas tem um jeito de imaginar um futuro com práticas agrícolas que estejam mais sintonizadas com o estilo de vida das plantas, com as coisas que elas são capazes de fazer e com suas propensões.

Isso abre o mundo da ética vegetal. Como será o nosso mundo se incluirmos as plantas na nossa imaginação moral? Muitas culturas já têm isso como um princípio. Robin Wall Kimmerer (autor de Braiding Sweetgrass) escreve muito sobre como a ciência indígena deixa muito mais espaço para questões que são centradas no respeito pelas plantas e no interesse mútuo.

O que você quer que as pessoas levem desse livro?

Ao refletirmos sobre a inteligência das plantas, o que estamos pensando de verdade é no quanto as plantas são participantes ativas de sua própria vida. Elas têm uma capacidade de ação, mesmo que não se pareça em nada com a nossa capacidade de ação. Acho que é uma lição de humildade para nós.

Tudo quer continuar vivendo. Isso realmente me ajudou a voltar às reportagens sobre o clima com mais noção do que podemos perder com as mudanças climáticas. Cada espécie é uma façanha biológica engenhosa que seria uma grande tolice extinguir. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

Zoë Schlanger era uma repórter que cobria mudanças climáticas – o ataque diário de enchentes, incêndios e outros desastres naturais – quando começou a ler revistas de botânica para relaxar.

Nelas encontrou algo que a surpreendeu: os pesquisadores estavam debatendo se as plantas eram inteligentes.

Veja o caso do milho. Ele é um dos vários tipos de plantas que conseguem identificar uma espécie de lagarta por meio da saliva dela e emitir compostos químicos no ar para atrair o predador do inseto. Avisada da presença da lagarta por esses compostos, uma vespa parasita chega e a destrói, protegendo o milho.

“Um dos grandes debates é se as plantas têm ou não alguma forma de intenção, e se é preciso intenção para que algo tenha inteligência”, disse Schlanger. “Mas você pode argumentar que não importa muito encontrar intenção nas plantas. O que importa é observar o que elas fazem. E o que elas fazem é tomar decisões em tempo real e planejar o futuro”.

Schlanger passou os anos seguintes explorando o comportamento das plantas para seu livro, The Light Eaters (algo como As comedoras de luz, em tradução livre), que foi publicado este mês. Numa caminhada semanas atrás pelo Central Park, em Nova York – passando por hortênsias, heléboros, jacintos e um jogo da liga de softball da Broadway entre a equipe Hamilton e a equipe O Rei Leão – Schlanger descreveu coisas surpreendentes que as plantas conseguem fazer e explicou como aprender mais sobre elas ajudou seu trabalho de reportagem sobre mudanças climáticas, tema que ela cobre para o The Atlantic.

Esta entrevista foi editada e condensada por motivos de extensão e clareza.

'Somos animais que precisam comer plantas', diz Zoë Schlanger Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

O que as plantas conseguem fazer de surpreendente?

O que mais me encanta são as formas como as plantas manipulam os animais para benefício próprio.

As plantas da espécie Erythranthe guttata sabem mentir para as abelhas sobre a quantidade de pólen que têm em suas flores, para enganá-las e atraí-las. As abelhas fazem um processo de triagem em que coletam amostras de substâncias químicas voláteis que emanam das flores, e esses químicos indicam a quantidade de pólen. Mas essas flores criaram um jeito de não precisar passar pelo trabalho muito caro em termos energéticos de produzir todo esse pólen, elas soltam só os químicos voláteis. Aí as abelhas aparecem e não tem nada lá para elas, mas a flor é polinizada mesmo assim.

E temos também todo o mundo das orquídeas que criam ilusões sexuais, que eu acho muito bacana. Algumas delas têm uma pétala realmente incomum: um fio bem comprido, com um pequeno bulbo na extremidade. As vespas macho chegam e se agarram a esse fio porque ele exala quase o mesmo feromônio das fêmeas.

Gosto quando elas atraem um predador. É muito louco isso...

Nos anos 1990, os pesquisadores perceberam que o milho e o tomate conseguiam coletar amostras da saliva da lagarta que os comia e, em seguida, sintetizar substâncias químicas que atraiam a vespa parasita certa, que então vinha para injetar sua larva nas lagartas. Então a vespa chega e injeta um monte de larvas dentro das lagartas. As larvas eclodem e comem as lagartas de dentro para fora, depois colam seus casulos na parte externa da lagarta. No fim, sobram só as cascas das lagartas, cobertas por casulos de vespas.

Ai, que nojo!

É uma imagem bem nojenta e assustadora mesmo. Mas a planta só está tentando se salvar, atraindo o predador certo para eliminar as lagartas. É como se a planta estivesse usando uma ferramenta. Quer dizer, não sei como é o seu feed de redes sociais, mas o meu está cheio de vídeos de coisas como corvos usando gravetos como ferramentas.

O algoritmo encontrou você!

Encontrou, com certeza. É claro que os corvos são brilhantes por fazerem isso, então como encarar o fato de que as plantas fazem essencialmente a mesma coisa, mas com organismos vivos? Elas liberam substâncias químicas que levam um animal a fazer uma coisa específica. Será que esse animal acredita que está fazendo isso por vontade própria? É uma zumbificação dos animais? Ou é mais uma relação mútua, colaborativa, em que a vespa ganha algo em troca? É difícil identificar a diferença entre manipulação e colaboração na natureza.

O que os cientistas querem dizer quando falam de “inteligência” nas plantas?

As plantas fazem cálculos o tempo todo, assimilando todos os aspectos de seu ambiente e ajustando sua vida de acordo com eles, e isso está começando a se parecer muito com o que poderíamos chamar de inteligência. É mais ou menos assim que devemos tratar o assunto. A inteligência delas não vai se manifestar da mesma forma que a nossa. Vai aparecer de maneiras evolutivamente apropriadas para as plantas.

Então ninguém está dizendo que as plantas vão escrever poemas ou fazer a tarefa de matemática?

Ainda não! Embora os pesquisadores que estudam o tema falem sobre uma sintaxe na comunicação das plantas e, de certa forma, uma estrutura de frases. Mas eles estão falando sobre química, compostos químicos flutuando no ar, cada um com um certo significado.

E quanto à maneira como as plantas percebem o mundo? Elas interagem com o som?

Em algumas pesquisas, os cientistas ficam tocando sons para as plantas e eles vêm notando que certos sons fazem com que as plantas produzam mais de certos compostos. Tem um som que, se tocado por tempo suficiente, faz com que os brócolis aumentem seus antioxidantes. Nos brotos de alfafa, outros sons fazem com que a planta produza mais vitamina C. Se eles conseguirem descobrir mais coisas, será possível ajustar o conteúdo nutricional das plantações só tocando sons.

Também seria possível fazer com que as produzissem mais de seu próprio pesticida, o que é interessante quando se pensa na quantidade de pesticida que usamos para cultivar nossos alimentos.

Você mudou seu comportamento depois de passar tanto tempo refletindo sobre essas questões? Está mais difícil comer salada agora?

Somos animais que precisam comer plantas, claro. Não tem como evitar isso. Mas tem um jeito de imaginar um futuro com práticas agrícolas que estejam mais sintonizadas com o estilo de vida das plantas, com as coisas que elas são capazes de fazer e com suas propensões.

Isso abre o mundo da ética vegetal. Como será o nosso mundo se incluirmos as plantas na nossa imaginação moral? Muitas culturas já têm isso como um princípio. Robin Wall Kimmerer (autor de Braiding Sweetgrass) escreve muito sobre como a ciência indígena deixa muito mais espaço para questões que são centradas no respeito pelas plantas e no interesse mútuo.

O que você quer que as pessoas levem desse livro?

Ao refletirmos sobre a inteligência das plantas, o que estamos pensando de verdade é no quanto as plantas são participantes ativas de sua própria vida. Elas têm uma capacidade de ação, mesmo que não se pareça em nada com a nossa capacidade de ação. Acho que é uma lição de humildade para nós.

Tudo quer continuar vivendo. Isso realmente me ajudou a voltar às reportagens sobre o clima com mais noção do que podemos perder com as mudanças climáticas. Cada espécie é uma façanha biológica engenhosa que seria uma grande tolice extinguir. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

Entrevista por Elizabeth A. Harris

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.