O Brasil deverá lançar sua primeira missão de pesquisa à Lua até dezembro de 2020, dentro de um projeto que envolve várias instituições de pesquisa nacionais em parceria com a iniciativa privada.
Lançado hoje em evento na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo (USP), o projeto, batizado de Garatéa-L, tem o objetivo de enviar à órbita da Lua um cubesat - termo que remete às palavras "cubo" e "satélite" em inglês. Esse tipo de satélite miniaturizado - ou nanossatélite - é em geral utilizado para pesquisas espaciais acadêmicas.
O objetivo, além de produzir imagens da Lua e desenvolver no Brasil a tecnologia para o funcionamento do nanossatélite, é realizar na órbita lunar experimentos biológicos que irão investigar a possibilidade de microrganismos sobreviverem a uma viagem espacial longa.
Coordenado pela empresa Airvantis - uma startup fundada pelo engenheiro espacial Lucas Fonseca, ex-estudante da EESC-USP -, o projeto terá a participação de pesquisadores da USP, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), do Instituto Mauá de Tecnologia e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
“A ideia é nos beneficiarmos da recente revolução dos nanossatélites, mais conhecidos como cubesats, para colocar o País no mapa da exploração interplanetária”, afirmou Fonseca, que foi o único brasileiro a trabalhar na Missão Rosetta, uma sonda da ESA que realizou um pouso inédito em cometa em 2014.
O lançamento do será realizado por uma parceria entre duas empresas britânicas, a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Agência Espacial do Reino Unido. Dentro de sua primeira missão comercial de epaço profundo, batizada de Pathfinder, os europeus lançarão diversos nanossatélites, incluindo o brasileiro.
Os satélites serão enviados à órbita lunar por uma nave-mãe que enviará seus dados para a Terra. O lançamento será feito com um veículo lançador da Índia: o o foguete PSLV-C11, que enviou com sucesso a missão Chandrayaan-1 para a Lua, em 2008.
“É uma oportunidade única de trabalhar com os europeus num projeto que pode elevar as ambições do Brasil a outro patamar”, declarou Fonseca.
No aspecto científico, o foco do Garatéa-L é a astrobiologia – o estudo do surgimento e da evolução da vida no Universo - em um experimento que será coordenado por Douglas Galante, do LNLS e por Fábio Rodrigues, do Instituto de Química da USP, com o objetivo de investigar os efeitos do ambiente espacial interplanetário sobre diferentes formas de vida.
Ciência a bordo. O próprio nome do sastélite faz uma alusão à astrobiologia: Garatéa, em língua tupi-guarani, significa "busca de vida". Segundo Rodrigues, o nanossatélite levará até a órbita da Lua diversas colônias de microrganismos vivos e moléculas de interesse biológico, que serão expostas à radiação cósmica por vários meses.
"A ideia é aliar a essa missão um experimento desenhado para compreeender a vida e como ela poderia sobreviver em um ambiente tão inóspito como o espaço na órbita lunar", disse Rodrigues ao Estado.
Segundo Rodrigues, o experimento poderá ajudar a buscar respostas para questões que não podem ser elucidadas em laboratório. "No laboratório podemos submeter os organismos a diferentes níveis de temperatura, pressão e radiação. Mas só conseguimos simular poucos parâmetros por vez e os resultados são muito diferentes dos que podem ser obtidos no ambiente real, com um número maior de variávies", explicou.
O nanossatélite precisará ser preparado minuciosamente para obter os dados, por meio de sensores e espectrômetros, e enviá-los à Terra. "Teremos que tirar o máximo das informações enviadas à Terra, porque a quantidade de dados disponísvel será bem menor que aquela que conseguimos em experimentos laboratoriais. Por isso vamos ter que caracterizar muito bem o experimento, aqui na Terra, para sabermos interpretar os dados com precisão quando eles chegarem", disse Rodrigues.
O esforço para o envio do nanossatélite à Lua é considerado pelos cientistas um passo adiante em relação a experimentos realizados recentmente na estratosfera com balões meteorológicos, que expuseram diversas amostras aos raios ultravioleta solares sem a filtragem da camada de ozônio terrestre.
“A busca por vida fora da Terra necessariamente passa por entender como ela pode lidar – e eventualmente sobreviver – a ambientes de muito estresse, como é o caso da órbita lunar. O conhecimento obtido com a missão sem dúvida ajudará a compor esse difícil quebra-cabeça”, disse Galante.
Outros experimentos. Além dos experimentos de caráter astrobiológico, a Garatéa-L também fará estudos de observação da Lua. A sonda será colocada numa órbita polar altamente excêntrica, que permitirá a coleta de imagens multiespectrais da bacia Aitken, localizada no lado afastado da Lua e de alto interesse científico, segundo os pesquisadores.
Um instrumento embarcado fará ainda a medição dos níveis de radiação na órbita lunar e amostras de células humanas serão embarcadas, em experimento coordenado por Thais Russomanno, do Centro de Pesquisa em Microgravidade (MicroG) da PUCRS, para verificar que efeitos o ambiente radiativo extremo, longe da proteção da atmosfera e distante do campo magnético terrestre, poderia causar em astronautas durante missões de longa duração no espaço profundo.
O custo estimado do projeto é de R$ 35 milhões, que já começaram a ser levantados com órgãos de fomento à pesquisa e patrocinadores privados. “É um modelo novo de missão, com os olhos para o futuro, que pode trazer muitos benefícios para o País. Isso sem falar no impacto educacional de inspirar uma nova geração a olhar para o céu e acreditar que nada é realmente impossível, se você tem foco e dedicação”, disse Fonseca.