Calor no planeta reduz gelo da Groenlândia em 1/3: o quanto isso acelera a catástrofe climática?


Nível do mar está relacionado aos glaciares da região, profundamente afetados pelo aquecimento global

Por Chris Mooney

As vastas plataformas de gelo flutuantes do norte da Groenlândia, características marcantes do hemisfério norte que mantêm nossos mares em níveis mais baixos ao reter muitos trilhões de toneladas de gelo, estão em declínio acentuado, de acordo com uma nova pesquisa científica publicada na semana passada.

Essas plataformas de gelo do norte da Groenlândia, como são chamadas, perderam 35% de seu volume total desde 1978, concluiu o estudo publicado na Nature Communications. Isso equivale a uma perda de cerca de 400 bilhões de toneladas do gelo flutuante que funcionava como uma tampa de garrafa, impedindo que os glaciares fluíssem para o mar e acelerassem a subida do nível do mar.

E agora restam apenas cinco grandes plataformas, que se estendem desde os fiordes até o Mar da Groenlândia e o Oceano Ártico. Entre elas estão as três principais – Petermann, Ryder e Nioghalvfjerdsbrae (muitas vezes chamada de 79 Norte, devido à sua localização em graus de latitude) – cujos respectivos glaciares poderiam, em última análise, ser responsáveis por 109 centímetros de aumento do nível do mar se derretessem completamente – um processo que levaria séculos para acontecer.

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Vista de um helicóptero de uma fenda na plataforma de gelo 79 North, com o iceberg que mais tarde se formaria no lado direito da imagem. O gelo marinho cobre o oceano dentro da fenda Foto: Alfred Wegener Institute/Ole Zeising

“São as últimas plataformas de gelo remanescentes do manto de gelo”, disse Romain Millan, principal autor do estudo da Nature Communications e cientista da Université Grenoble Alpes, na França. “Todas as outras entraram em colapso ou recuaram”.

No geral, as perdas de gelo da Groenlândia causaram cerca de 17% do aumento do nível do mar observado mundialmente entre os anos de 2006 e 2018. E a situação pode piorar a partir daqui.

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Se as cinco plataformas restantes da Groenlândia se despedaçarem, isso significará não só uma subida muito mais rápida do nível do mar, mas também que apenas o hemisfério sul continuaria a apresentar plataformas de gelo importantes. Em toda a Antártida, muitos glaciares ainda ostentam essas grandes extensões flutuantes, que chegam a ter o tamanho de cidades ou mesmo de estados e, em alguns casos, de países.

Embora o globo contenha atualmente enormes mantos de gelo em ambos os hemisférios, as últimas notícias – divulgadas durante um ano de calor global recorde – sublinham ainda mais que o manto de gelo da Groenlândia foi profundamente comprometido pelo aquecimento planetário, com implicações futuras potencialmente graves.

“Estamos caminhando em direção a um hemisfério norte sem plataformas de gelo”, disse Millan.

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Cientistas de instituições na França, nos Estados Unidos e na Dinamarca contribuíram para a nova pesquisa, que utilizou dados de satélite, observações oceânicas e modelação climática para medir a mudança na área espacial e na espessura das plataformas de gelo do Ártico. Eles também avaliaram onde as plataformas se ancoram no fundo do mar, a chamada linha de aterramento. Essa área, onde termina a plataforma flutuante e começa o glaciar fixo, está recuando para o interior em quase todas as plataformas – sinal claro de enfraquecimento – à medida que as águas quentes do oceano as derretem por baixo.

“As implicações dessas descobertas são profundas, pois revelam uma ligação direta entre as mudanças na plataforma de gelo e a dinâmica dos glaciares da Groenlândia”, disse Stef Lhermitte, cientista especializado em observações de glaciares por satélite na Universidade de Tecnologia de Delft, nos Países Baixos, que não participou do estudo. “O recuo das linhas de aterramento e o aumento da descarga de gelo são sinais claros de enfraquecimento do sistema de plataformas de gelo”.

Tomemos como exemplo a plataforma de gelo 79 Norte, a maior da Groenlândia, com cerca de 90 metros de espessura nas extremidades, onde flui tanto para norte quanto para leste, no Mar da Groenlândia. Aqui está o ponto de saída para mais de 6% de todo o gelo da Groenlândia, o equivalente a quase 60 centímetros de potencial subida do nível do mar.

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E a 79 Norte já teve uma plataforma gêmea, chamada Zachariæ Isstrøm. Juntas, elas formavam o ponto final em direção ao mar da chamada Corrente de Gelo do Nordeste da Groenlândia, um rio de gelo com quase 640 quilômetros de comprimento e 40 quilômetros de largura que flui em direção à costa. Pesquisas recentes sugerem que este poderá ser um setor particularmente vulnerável do manto de gelo.

Entre 2003 e 2012, a parte flutuante da Zachariæ Isstrøm se despedaçou. Perdeu 105 bilhões de toneladas de massa, e o glaciar, agora praticamente solto, acelerou seu fluxo para o oceano, para cuja ascensão agora contribui com 18 bilhões de toneladas de gelo por ano, segundo Millan. (São necessários 360 bilhões de toneladas para elevar o nível global do mar em 1 milímetro).

Duas outras plataformas de gelo menores do norte da Groenlândia também se despedaçaram na década 2000 – mostrando que a perda de plataformas está atingindo latitudes mais altas e frias da camada de gelo.

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Andreas Muenchow termina o trabalho na Estação Meteorológica Automática com um cabo que vai fundo no oceano a partir da superfície da geleira Petermann em 28 de agosto de 2016. Foto: Whitney Shefte/The Washington Post

Não é de se admirar que todos os olhos agora estejam voltados para Petermann, Ryder e, especialmente, para a 79 Norte.

O Washington Post visitou Petermann em 2016 e testemunhou a chuva no topo da plataforma, o que intensificou as condições já úmidas na camada de gelo e levou a um escoamento em cascata. Mais recentemente, cientistas documentaram um processo preocupante que pode estar acelerando o derretimento do glaciar: toda a plataforma de gelo sobe e desce com as marés e, ao fazê-lo, a água cada vez mais quente do Atlântico flui por baixo dela, escavando grandes espaços abertos por baixo do glaciar. Isso pode ajudar a explicar por que a linha de aterramento da plataforma Petermann recuou rapidamente para o interior nos últimos anos, em direção ao centro da Groenlândia.

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A preocupação mais profunda sobre a Petermann é que o glaciar se encontre na extremidade marítima de um profundo desfiladeiro sob o gelo, o que em última análise poderia permitir que o oceano penetrasse no centro da camada de gelo da Groenlândia. A primeira etapa desse processo seria o deslocamento da plataforma Petermann.

Enquanto isso, a plataforma Ryder mostrou um recuo da linha de aterramento maior que qualquer geleira do norte da Groenlândia. O glaciar extremamente remoto, cujo gelo flui em direção ao Polo Norte, viu a sua linha de aterramento recuar mais de 8 quilômetros para o interior ao longo do fundo do mar desde 1992, descobriu a nova pesquisa. Sozinha, a Ryder tem o potencial de elevar o nível do mar em cerca de 12 centímetros em todo o mundo, caso seja totalmente perdida.

E temos a 79 Norte, a maior da Groenlândia, onde os riscos são ainda mais graves.

Foto tirada durante pesquisas de cientistas e equipe da Operação IceBridge da Nasa na geleira Ryder, no norte da Groenlândia. Isto mostra fortes fendas perto da costa da Baía de Melville, no oeste da Groenlândia. Essas rachaduras são essencialmente estrias no gelo. Eles ocorrem aqui porque o gelo está acelerando à medida que flui em direção à costa. Foto: John Sonntag/NASA’s Operation IceBridge

Por algum tempo, a plataforma parecia bastante estável, em parte porque, no seu lado oriental, fica ancorada em várias ilhotas. Esses pontos às vezes são chamados de “elevações de gelo”, porque aparecem como pontos visíveis à medida que as ilhas sobem sob o gelo. Os cientistas às vezes também se referem a eles como “pontos de fixação”.

“Por muito tempo pensei que era muito difícil acabar com a 79 Norte”, disse Angelika Humbert, pesquisadora do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, que liderou várias campanhas de campo e estudos relacionados ao glaciar.

Mas o quadro está mudando. Recentemente se identificou água quente do Atlântico na base da 79 Norte. Essa água parece ter escavado um canal profundo na parte inferior da plataforma de gelo, perto da linha de aterramento do glaciar.

Um grande iceberg, com quase 13 quilômetros quadrados de tamanho, se soltou da borda da 79 Norte. Em um artigo recente publicado na revista The Cryosphere, Humbert e colegas não só previram a ruptura, mas argumentam que as atuais mudanças na 79 Norte sugerem que o glaciar está “potencialmente no início de uma grande fase de recuo”.

O padrão de fissuras visto aqui é diferente de situações anteriores em que a 79 Norte soltou icebergs. Esses icebergs costumavam se formar mais perto do mar, e as rachaduras corriam lateralmente pela frente da geleira, em vez de apontar para dentro, em direção a seu centro, como fazem agora.

A próxima coisa a se observar, disse Humbert, é a região que os cientistas chamam de “ponte de gelo”: ela conecta a geleira flutuante à parede rochosa do fiorde ao longo de seu limite sul. Os pesquisadores temem que esta possa ser a próxima parte da 79 Norte a ficar comprometida.

Se tudo isso acontecer como prevê o estudo, o resultado seria que, com menos pontos de fixação, a 79 Norte aceleraria seu fluxo para o mar. “É uma geleira grande, cuja aceleração poderia intensificar significativamente a elevação do nível do mar”, disse Humbert.

“O próximo glaciar importante da Groenlândia também está propenso a colapsar, e isso vai contribuir para a crescente elevação global do nível do mar”, acrescentou Nicolaj Larsen, pesquisador da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, que publicou artigos sobre a vulnerabilidade da Corrente de Gelo do Nordeste da Groenlândia, em um comentário ao artigo de Humbert.

Humbert, no entanto, discorda de um aspecto do estudo mais recente. Ela disse por e-mail que uma recente onda de resfriamento oceânico entre 2017 e 2020 havia retardado, pelo menos temporariamente, o derretimento da 79 Norte, algo que a nova pesquisa “deveria ter considerado”.

Mas “o quadro geral de recuo está correto”, acrescentou Humbert.

E esse quadro é realmente preocupante.

“As ações humanas ainda são extremamente importantes para o futuro a longo prazo da camada de gelo da Groenlândia – e o que isso significa para o nível do mar nos nossos litorais – mas o aquecimento que já está embutido nos nossos comportamentos passados vai continuar causando perda de gelo nas próximas décadas”, disse Twila Moon, especialista em Groenlândia do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo em Boulder, Colorado, que não participou do estudo mais recente.

“Infelizmente, isso também significa desintegração e enfraquecimento contínuos das plataformas de gelo restantes da Groenlândia”, disse Moon. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

As vastas plataformas de gelo flutuantes do norte da Groenlândia, características marcantes do hemisfério norte que mantêm nossos mares em níveis mais baixos ao reter muitos trilhões de toneladas de gelo, estão em declínio acentuado, de acordo com uma nova pesquisa científica publicada na semana passada.

Essas plataformas de gelo do norte da Groenlândia, como são chamadas, perderam 35% de seu volume total desde 1978, concluiu o estudo publicado na Nature Communications. Isso equivale a uma perda de cerca de 400 bilhões de toneladas do gelo flutuante que funcionava como uma tampa de garrafa, impedindo que os glaciares fluíssem para o mar e acelerassem a subida do nível do mar.

E agora restam apenas cinco grandes plataformas, que se estendem desde os fiordes até o Mar da Groenlândia e o Oceano Ártico. Entre elas estão as três principais – Petermann, Ryder e Nioghalvfjerdsbrae (muitas vezes chamada de 79 Norte, devido à sua localização em graus de latitude) – cujos respectivos glaciares poderiam, em última análise, ser responsáveis por 109 centímetros de aumento do nível do mar se derretessem completamente – um processo que levaria séculos para acontecer.

Vista de um helicóptero de uma fenda na plataforma de gelo 79 North, com o iceberg que mais tarde se formaria no lado direito da imagem. O gelo marinho cobre o oceano dentro da fenda Foto: Alfred Wegener Institute/Ole Zeising

“São as últimas plataformas de gelo remanescentes do manto de gelo”, disse Romain Millan, principal autor do estudo da Nature Communications e cientista da Université Grenoble Alpes, na França. “Todas as outras entraram em colapso ou recuaram”.

No geral, as perdas de gelo da Groenlândia causaram cerca de 17% do aumento do nível do mar observado mundialmente entre os anos de 2006 e 2018. E a situação pode piorar a partir daqui.

Se as cinco plataformas restantes da Groenlândia se despedaçarem, isso significará não só uma subida muito mais rápida do nível do mar, mas também que apenas o hemisfério sul continuaria a apresentar plataformas de gelo importantes. Em toda a Antártida, muitos glaciares ainda ostentam essas grandes extensões flutuantes, que chegam a ter o tamanho de cidades ou mesmo de estados e, em alguns casos, de países.

Embora o globo contenha atualmente enormes mantos de gelo em ambos os hemisférios, as últimas notícias – divulgadas durante um ano de calor global recorde – sublinham ainda mais que o manto de gelo da Groenlândia foi profundamente comprometido pelo aquecimento planetário, com implicações futuras potencialmente graves.

“Estamos caminhando em direção a um hemisfério norte sem plataformas de gelo”, disse Millan.

Cientistas de instituições na França, nos Estados Unidos e na Dinamarca contribuíram para a nova pesquisa, que utilizou dados de satélite, observações oceânicas e modelação climática para medir a mudança na área espacial e na espessura das plataformas de gelo do Ártico. Eles também avaliaram onde as plataformas se ancoram no fundo do mar, a chamada linha de aterramento. Essa área, onde termina a plataforma flutuante e começa o glaciar fixo, está recuando para o interior em quase todas as plataformas – sinal claro de enfraquecimento – à medida que as águas quentes do oceano as derretem por baixo.

“As implicações dessas descobertas são profundas, pois revelam uma ligação direta entre as mudanças na plataforma de gelo e a dinâmica dos glaciares da Groenlândia”, disse Stef Lhermitte, cientista especializado em observações de glaciares por satélite na Universidade de Tecnologia de Delft, nos Países Baixos, que não participou do estudo. “O recuo das linhas de aterramento e o aumento da descarga de gelo são sinais claros de enfraquecimento do sistema de plataformas de gelo”.

Tomemos como exemplo a plataforma de gelo 79 Norte, a maior da Groenlândia, com cerca de 90 metros de espessura nas extremidades, onde flui tanto para norte quanto para leste, no Mar da Groenlândia. Aqui está o ponto de saída para mais de 6% de todo o gelo da Groenlândia, o equivalente a quase 60 centímetros de potencial subida do nível do mar.

E a 79 Norte já teve uma plataforma gêmea, chamada Zachariæ Isstrøm. Juntas, elas formavam o ponto final em direção ao mar da chamada Corrente de Gelo do Nordeste da Groenlândia, um rio de gelo com quase 640 quilômetros de comprimento e 40 quilômetros de largura que flui em direção à costa. Pesquisas recentes sugerem que este poderá ser um setor particularmente vulnerável do manto de gelo.

Entre 2003 e 2012, a parte flutuante da Zachariæ Isstrøm se despedaçou. Perdeu 105 bilhões de toneladas de massa, e o glaciar, agora praticamente solto, acelerou seu fluxo para o oceano, para cuja ascensão agora contribui com 18 bilhões de toneladas de gelo por ano, segundo Millan. (São necessários 360 bilhões de toneladas para elevar o nível global do mar em 1 milímetro).

Duas outras plataformas de gelo menores do norte da Groenlândia também se despedaçaram na década 2000 – mostrando que a perda de plataformas está atingindo latitudes mais altas e frias da camada de gelo.

Andreas Muenchow termina o trabalho na Estação Meteorológica Automática com um cabo que vai fundo no oceano a partir da superfície da geleira Petermann em 28 de agosto de 2016. Foto: Whitney Shefte/The Washington Post

Não é de se admirar que todos os olhos agora estejam voltados para Petermann, Ryder e, especialmente, para a 79 Norte.

O Washington Post visitou Petermann em 2016 e testemunhou a chuva no topo da plataforma, o que intensificou as condições já úmidas na camada de gelo e levou a um escoamento em cascata. Mais recentemente, cientistas documentaram um processo preocupante que pode estar acelerando o derretimento do glaciar: toda a plataforma de gelo sobe e desce com as marés e, ao fazê-lo, a água cada vez mais quente do Atlântico flui por baixo dela, escavando grandes espaços abertos por baixo do glaciar. Isso pode ajudar a explicar por que a linha de aterramento da plataforma Petermann recuou rapidamente para o interior nos últimos anos, em direção ao centro da Groenlândia.

A preocupação mais profunda sobre a Petermann é que o glaciar se encontre na extremidade marítima de um profundo desfiladeiro sob o gelo, o que em última análise poderia permitir que o oceano penetrasse no centro da camada de gelo da Groenlândia. A primeira etapa desse processo seria o deslocamento da plataforma Petermann.

Enquanto isso, a plataforma Ryder mostrou um recuo da linha de aterramento maior que qualquer geleira do norte da Groenlândia. O glaciar extremamente remoto, cujo gelo flui em direção ao Polo Norte, viu a sua linha de aterramento recuar mais de 8 quilômetros para o interior ao longo do fundo do mar desde 1992, descobriu a nova pesquisa. Sozinha, a Ryder tem o potencial de elevar o nível do mar em cerca de 12 centímetros em todo o mundo, caso seja totalmente perdida.

E temos a 79 Norte, a maior da Groenlândia, onde os riscos são ainda mais graves.

Foto tirada durante pesquisas de cientistas e equipe da Operação IceBridge da Nasa na geleira Ryder, no norte da Groenlândia. Isto mostra fortes fendas perto da costa da Baía de Melville, no oeste da Groenlândia. Essas rachaduras são essencialmente estrias no gelo. Eles ocorrem aqui porque o gelo está acelerando à medida que flui em direção à costa. Foto: John Sonntag/NASA’s Operation IceBridge

Por algum tempo, a plataforma parecia bastante estável, em parte porque, no seu lado oriental, fica ancorada em várias ilhotas. Esses pontos às vezes são chamados de “elevações de gelo”, porque aparecem como pontos visíveis à medida que as ilhas sobem sob o gelo. Os cientistas às vezes também se referem a eles como “pontos de fixação”.

“Por muito tempo pensei que era muito difícil acabar com a 79 Norte”, disse Angelika Humbert, pesquisadora do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, que liderou várias campanhas de campo e estudos relacionados ao glaciar.

Mas o quadro está mudando. Recentemente se identificou água quente do Atlântico na base da 79 Norte. Essa água parece ter escavado um canal profundo na parte inferior da plataforma de gelo, perto da linha de aterramento do glaciar.

Um grande iceberg, com quase 13 quilômetros quadrados de tamanho, se soltou da borda da 79 Norte. Em um artigo recente publicado na revista The Cryosphere, Humbert e colegas não só previram a ruptura, mas argumentam que as atuais mudanças na 79 Norte sugerem que o glaciar está “potencialmente no início de uma grande fase de recuo”.

O padrão de fissuras visto aqui é diferente de situações anteriores em que a 79 Norte soltou icebergs. Esses icebergs costumavam se formar mais perto do mar, e as rachaduras corriam lateralmente pela frente da geleira, em vez de apontar para dentro, em direção a seu centro, como fazem agora.

A próxima coisa a se observar, disse Humbert, é a região que os cientistas chamam de “ponte de gelo”: ela conecta a geleira flutuante à parede rochosa do fiorde ao longo de seu limite sul. Os pesquisadores temem que esta possa ser a próxima parte da 79 Norte a ficar comprometida.

Se tudo isso acontecer como prevê o estudo, o resultado seria que, com menos pontos de fixação, a 79 Norte aceleraria seu fluxo para o mar. “É uma geleira grande, cuja aceleração poderia intensificar significativamente a elevação do nível do mar”, disse Humbert.

“O próximo glaciar importante da Groenlândia também está propenso a colapsar, e isso vai contribuir para a crescente elevação global do nível do mar”, acrescentou Nicolaj Larsen, pesquisador da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, que publicou artigos sobre a vulnerabilidade da Corrente de Gelo do Nordeste da Groenlândia, em um comentário ao artigo de Humbert.

Humbert, no entanto, discorda de um aspecto do estudo mais recente. Ela disse por e-mail que uma recente onda de resfriamento oceânico entre 2017 e 2020 havia retardado, pelo menos temporariamente, o derretimento da 79 Norte, algo que a nova pesquisa “deveria ter considerado”.

Mas “o quadro geral de recuo está correto”, acrescentou Humbert.

E esse quadro é realmente preocupante.

“As ações humanas ainda são extremamente importantes para o futuro a longo prazo da camada de gelo da Groenlândia – e o que isso significa para o nível do mar nos nossos litorais – mas o aquecimento que já está embutido nos nossos comportamentos passados vai continuar causando perda de gelo nas próximas décadas”, disse Twila Moon, especialista em Groenlândia do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo em Boulder, Colorado, que não participou do estudo mais recente.

“Infelizmente, isso também significa desintegração e enfraquecimento contínuos das plataformas de gelo restantes da Groenlândia”, disse Moon. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

As vastas plataformas de gelo flutuantes do norte da Groenlândia, características marcantes do hemisfério norte que mantêm nossos mares em níveis mais baixos ao reter muitos trilhões de toneladas de gelo, estão em declínio acentuado, de acordo com uma nova pesquisa científica publicada na semana passada.

Essas plataformas de gelo do norte da Groenlândia, como são chamadas, perderam 35% de seu volume total desde 1978, concluiu o estudo publicado na Nature Communications. Isso equivale a uma perda de cerca de 400 bilhões de toneladas do gelo flutuante que funcionava como uma tampa de garrafa, impedindo que os glaciares fluíssem para o mar e acelerassem a subida do nível do mar.

E agora restam apenas cinco grandes plataformas, que se estendem desde os fiordes até o Mar da Groenlândia e o Oceano Ártico. Entre elas estão as três principais – Petermann, Ryder e Nioghalvfjerdsbrae (muitas vezes chamada de 79 Norte, devido à sua localização em graus de latitude) – cujos respectivos glaciares poderiam, em última análise, ser responsáveis por 109 centímetros de aumento do nível do mar se derretessem completamente – um processo que levaria séculos para acontecer.

Vista de um helicóptero de uma fenda na plataforma de gelo 79 North, com o iceberg que mais tarde se formaria no lado direito da imagem. O gelo marinho cobre o oceano dentro da fenda Foto: Alfred Wegener Institute/Ole Zeising

“São as últimas plataformas de gelo remanescentes do manto de gelo”, disse Romain Millan, principal autor do estudo da Nature Communications e cientista da Université Grenoble Alpes, na França. “Todas as outras entraram em colapso ou recuaram”.

No geral, as perdas de gelo da Groenlândia causaram cerca de 17% do aumento do nível do mar observado mundialmente entre os anos de 2006 e 2018. E a situação pode piorar a partir daqui.

Se as cinco plataformas restantes da Groenlândia se despedaçarem, isso significará não só uma subida muito mais rápida do nível do mar, mas também que apenas o hemisfério sul continuaria a apresentar plataformas de gelo importantes. Em toda a Antártida, muitos glaciares ainda ostentam essas grandes extensões flutuantes, que chegam a ter o tamanho de cidades ou mesmo de estados e, em alguns casos, de países.

Embora o globo contenha atualmente enormes mantos de gelo em ambos os hemisférios, as últimas notícias – divulgadas durante um ano de calor global recorde – sublinham ainda mais que o manto de gelo da Groenlândia foi profundamente comprometido pelo aquecimento planetário, com implicações futuras potencialmente graves.

“Estamos caminhando em direção a um hemisfério norte sem plataformas de gelo”, disse Millan.

Cientistas de instituições na França, nos Estados Unidos e na Dinamarca contribuíram para a nova pesquisa, que utilizou dados de satélite, observações oceânicas e modelação climática para medir a mudança na área espacial e na espessura das plataformas de gelo do Ártico. Eles também avaliaram onde as plataformas se ancoram no fundo do mar, a chamada linha de aterramento. Essa área, onde termina a plataforma flutuante e começa o glaciar fixo, está recuando para o interior em quase todas as plataformas – sinal claro de enfraquecimento – à medida que as águas quentes do oceano as derretem por baixo.

“As implicações dessas descobertas são profundas, pois revelam uma ligação direta entre as mudanças na plataforma de gelo e a dinâmica dos glaciares da Groenlândia”, disse Stef Lhermitte, cientista especializado em observações de glaciares por satélite na Universidade de Tecnologia de Delft, nos Países Baixos, que não participou do estudo. “O recuo das linhas de aterramento e o aumento da descarga de gelo são sinais claros de enfraquecimento do sistema de plataformas de gelo”.

Tomemos como exemplo a plataforma de gelo 79 Norte, a maior da Groenlândia, com cerca de 90 metros de espessura nas extremidades, onde flui tanto para norte quanto para leste, no Mar da Groenlândia. Aqui está o ponto de saída para mais de 6% de todo o gelo da Groenlândia, o equivalente a quase 60 centímetros de potencial subida do nível do mar.

E a 79 Norte já teve uma plataforma gêmea, chamada Zachariæ Isstrøm. Juntas, elas formavam o ponto final em direção ao mar da chamada Corrente de Gelo do Nordeste da Groenlândia, um rio de gelo com quase 640 quilômetros de comprimento e 40 quilômetros de largura que flui em direção à costa. Pesquisas recentes sugerem que este poderá ser um setor particularmente vulnerável do manto de gelo.

Entre 2003 e 2012, a parte flutuante da Zachariæ Isstrøm se despedaçou. Perdeu 105 bilhões de toneladas de massa, e o glaciar, agora praticamente solto, acelerou seu fluxo para o oceano, para cuja ascensão agora contribui com 18 bilhões de toneladas de gelo por ano, segundo Millan. (São necessários 360 bilhões de toneladas para elevar o nível global do mar em 1 milímetro).

Duas outras plataformas de gelo menores do norte da Groenlândia também se despedaçaram na década 2000 – mostrando que a perda de plataformas está atingindo latitudes mais altas e frias da camada de gelo.

Andreas Muenchow termina o trabalho na Estação Meteorológica Automática com um cabo que vai fundo no oceano a partir da superfície da geleira Petermann em 28 de agosto de 2016. Foto: Whitney Shefte/The Washington Post

Não é de se admirar que todos os olhos agora estejam voltados para Petermann, Ryder e, especialmente, para a 79 Norte.

O Washington Post visitou Petermann em 2016 e testemunhou a chuva no topo da plataforma, o que intensificou as condições já úmidas na camada de gelo e levou a um escoamento em cascata. Mais recentemente, cientistas documentaram um processo preocupante que pode estar acelerando o derretimento do glaciar: toda a plataforma de gelo sobe e desce com as marés e, ao fazê-lo, a água cada vez mais quente do Atlântico flui por baixo dela, escavando grandes espaços abertos por baixo do glaciar. Isso pode ajudar a explicar por que a linha de aterramento da plataforma Petermann recuou rapidamente para o interior nos últimos anos, em direção ao centro da Groenlândia.

A preocupação mais profunda sobre a Petermann é que o glaciar se encontre na extremidade marítima de um profundo desfiladeiro sob o gelo, o que em última análise poderia permitir que o oceano penetrasse no centro da camada de gelo da Groenlândia. A primeira etapa desse processo seria o deslocamento da plataforma Petermann.

Enquanto isso, a plataforma Ryder mostrou um recuo da linha de aterramento maior que qualquer geleira do norte da Groenlândia. O glaciar extremamente remoto, cujo gelo flui em direção ao Polo Norte, viu a sua linha de aterramento recuar mais de 8 quilômetros para o interior ao longo do fundo do mar desde 1992, descobriu a nova pesquisa. Sozinha, a Ryder tem o potencial de elevar o nível do mar em cerca de 12 centímetros em todo o mundo, caso seja totalmente perdida.

E temos a 79 Norte, a maior da Groenlândia, onde os riscos são ainda mais graves.

Foto tirada durante pesquisas de cientistas e equipe da Operação IceBridge da Nasa na geleira Ryder, no norte da Groenlândia. Isto mostra fortes fendas perto da costa da Baía de Melville, no oeste da Groenlândia. Essas rachaduras são essencialmente estrias no gelo. Eles ocorrem aqui porque o gelo está acelerando à medida que flui em direção à costa. Foto: John Sonntag/NASA’s Operation IceBridge

Por algum tempo, a plataforma parecia bastante estável, em parte porque, no seu lado oriental, fica ancorada em várias ilhotas. Esses pontos às vezes são chamados de “elevações de gelo”, porque aparecem como pontos visíveis à medida que as ilhas sobem sob o gelo. Os cientistas às vezes também se referem a eles como “pontos de fixação”.

“Por muito tempo pensei que era muito difícil acabar com a 79 Norte”, disse Angelika Humbert, pesquisadora do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, que liderou várias campanhas de campo e estudos relacionados ao glaciar.

Mas o quadro está mudando. Recentemente se identificou água quente do Atlântico na base da 79 Norte. Essa água parece ter escavado um canal profundo na parte inferior da plataforma de gelo, perto da linha de aterramento do glaciar.

Um grande iceberg, com quase 13 quilômetros quadrados de tamanho, se soltou da borda da 79 Norte. Em um artigo recente publicado na revista The Cryosphere, Humbert e colegas não só previram a ruptura, mas argumentam que as atuais mudanças na 79 Norte sugerem que o glaciar está “potencialmente no início de uma grande fase de recuo”.

O padrão de fissuras visto aqui é diferente de situações anteriores em que a 79 Norte soltou icebergs. Esses icebergs costumavam se formar mais perto do mar, e as rachaduras corriam lateralmente pela frente da geleira, em vez de apontar para dentro, em direção a seu centro, como fazem agora.

A próxima coisa a se observar, disse Humbert, é a região que os cientistas chamam de “ponte de gelo”: ela conecta a geleira flutuante à parede rochosa do fiorde ao longo de seu limite sul. Os pesquisadores temem que esta possa ser a próxima parte da 79 Norte a ficar comprometida.

Se tudo isso acontecer como prevê o estudo, o resultado seria que, com menos pontos de fixação, a 79 Norte aceleraria seu fluxo para o mar. “É uma geleira grande, cuja aceleração poderia intensificar significativamente a elevação do nível do mar”, disse Humbert.

“O próximo glaciar importante da Groenlândia também está propenso a colapsar, e isso vai contribuir para a crescente elevação global do nível do mar”, acrescentou Nicolaj Larsen, pesquisador da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, que publicou artigos sobre a vulnerabilidade da Corrente de Gelo do Nordeste da Groenlândia, em um comentário ao artigo de Humbert.

Humbert, no entanto, discorda de um aspecto do estudo mais recente. Ela disse por e-mail que uma recente onda de resfriamento oceânico entre 2017 e 2020 havia retardado, pelo menos temporariamente, o derretimento da 79 Norte, algo que a nova pesquisa “deveria ter considerado”.

Mas “o quadro geral de recuo está correto”, acrescentou Humbert.

E esse quadro é realmente preocupante.

“As ações humanas ainda são extremamente importantes para o futuro a longo prazo da camada de gelo da Groenlândia – e o que isso significa para o nível do mar nos nossos litorais – mas o aquecimento que já está embutido nos nossos comportamentos passados vai continuar causando perda de gelo nas próximas décadas”, disse Twila Moon, especialista em Groenlândia do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo em Boulder, Colorado, que não participou do estudo mais recente.

“Infelizmente, isso também significa desintegração e enfraquecimento contínuos das plataformas de gelo restantes da Groenlândia”, disse Moon. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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