Por que a produção científica brasileira caiu em dois anos seguidos?


Pandemia, dificuldades de financiamento e redução do interesse dos jovens na área acadêmica influenciam diminuição de artigos de pesquisa; procurado, Ministério da Ciência não comentou

Por Jaqueline Sordi

Em menos de um ano, o Rio Grande do Sul ficou submerso pela pior enchente de sua história e o Pantanal sofreu um recorde de queimadas. Esses e tantos outros eventos extremos que vêm atingindo o País estão cada vez mais frequentes e intensos por causa das mudanças climáticas. Mesmo assim, o físico Luis Eduardo Vieira tem encontrado dificuldades para seguir em frente com um projeto inédito que pode ajudar a entender o aquecimento global.

Com projeto na área astronômica há uma década, o físico Luís Eduardo Vieira relata problemas com a queda de verba e redução de interesse de pós-graduandos na área acadêmica Foto: Werther Santana/Estadão

Iniciada em 2013, a missão espacial científica liderada por ele no Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), que busca desenvolver tecnologias para observar o sol e quantificar a influência da atividade solar na variação do clima terrestre, passou na última década por momentos de bloqueios de recursos e redução de pesquisadores e até reestruturações internas. Como consequência, segundo ele, a produção científica e tecnológica do grupo diminuiu nos últimos anos, atrasando etapas do projeto.

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O histórico da equipe de Vieira não é exceção no panorama científico brasileiro. Conforme o mais recente relatório da Agência Bori em parceria com a editora científica Elsevier, a produção científica do Brasil caiu 7,2% em 2023 comparada a 2022.

É a primeira vez que o número de artigos científicos - 69.656 no balanço mais recente - recua por dois anos seguidos. Até 2022, o País vinha em ritmo de crescimento anual da produção desde que os dados começaram a ser tabulados (1996). A análise inclui artigos com autores brasileiros publicados em mais de sete mil editoras científicas no mundo todo. Procurado pela reportagem, o Ministério da Ciência e Tecnologia não comentou.

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Os artigos científicos estão entre os principais frutos do trabalho de um pesquisador, e normalmente demoram de dois a três anos até serem publicados em revistas especializadas, pois passam por revisões de pares, análises e edições até a versão final. Por isso, os dados não representam, necessariamente, o cenário atual, mas um balanço sobre os últimos anos.

Para Estêvão Gamba, cientista de dados envolvido no relatório, são várias as causas - a pandemia é uma das principais. “Houve um ‘boom’ de publicações naquele período (2020-2021), com grande esforço da comunidade científica para entender o vírus, desenvolver vacina e tratamento, e com velocidade maior no tempo entre a submissão e a publicação dos artigos”, diz. “É normal uma retração nos anos seguintes.”

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Não à toa, houve recuo também na produção científica mundial, que concentrou em 2023 o maior número de nações em decréscimo desde 1997. O relatório da Bori avaliou 53 países que publicaram mais de 10 mil artigos científicos em 2022 e mostrou mais 34 em queda, como Estados Unidos (-3,5%), Japão (-5,6%) e Austrália (-4,1%).

No Brasil, outros fatores pesam. Segundo o relatório, investimentos públicos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) feitos pelos governos federal e estaduais têm caído desde 2013 (federal) e 2015 (soma dos estaduais).

“Pelos números, podemos ver que muitos países estão começando a se recuperar das quedas mais acentuadas na produção registradas no ano posterior ao pico da pandemia”, diz Soraya Smaili, ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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“Mas a produção científica brasileira ainda sofre forte influência dos cortes orçamentários que se acentuaram a partir de 2019. O cenário de queda ainda vai perdurar por alguns anos”, continua ela, professora de Farmacologia.

“Pesquisa científica é como maratona, não é corrida de 100 metros. Precisa de constância, segurança, pois é quase impossível manter um ritmo de pesquisa adequado quando passa por muitos sobressaltos. É nisso que o País precisa focar daqui para a frente”, afirma Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da Universidade de São Paulo (USP).

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‘Precisamos recuperar o interesse do jovem’

Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luis Eduardo Vieira conta que nos primeiros anos do seu projeto, na área astronômica, conseguiu avançar com estudos e até desenvolver protótipos. “A observação da atividade do Sol ajuda a entender o aquecimento global. Permite analisar e quantificar causas naturais da mudança climática, quando há, além daquelas causadas pela ação humana com a emissão de gases estufa”, explica.

Mas nos últimos seis anos, segundo o físico, as restrições financeiras prejudicaram, com diminuição de verba para a pesquisa e pelo desestímulo causado pelo baixo valor das bolsas de pós-graduação.

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No ano passado, o governo federal reajustou esses auxílios após uma década de congelamento, mas os valores seguem menos atrativos do que os oferecidos para profissionais de alta qualificação em vários setores econômicos.

“O que nos dá esperança é que já há perspectiva de mudança, com volta gradual de financiamento que desde 2023. Mas, antes de qualquer coisa, precisamos recuperar o interesse dos jovens em ingressar nos cursos de mestrado e doutorado. É uma tarefa que só surtirá efeito a longo prazo, mas importante para o futuro da ciência no Brasil”, afirma.

Conforme a Capes, órgão do Ministério da Educação (MEC) de fomento da pós-graduação, houve declínio do interesse em carreiras científicas acadêmicas, após crescimento constante de 2015 a 2019. O total de ingressantes em mestrados e doutorados caiu 12% entre 2019 e 2022, atingindo o nível mais baixo em quase uma década. No ano passado, o número voltou a subir (10,8%).

Segundo o físico Luis Eduardo Vieira, projeto de observação solar tem potencial de ajudar a ciência a entender efeitos da crise climática Foto: Werther Santana/Estadão

“Como cerca de 90% da produção científica no Brasil envolve de alguma forma a participação de pós-graduandos e depende de suas contribuições, a tendência é que a queda da produção científica continue acentuada por algum tempo”, afirma Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação do Brasil (ANPG).

O governo federal tem proposto iniciativas para tentar repatriar talentos da pesquisa que deixaram o Brasil. Em abril, o CNPq, outra agência de fomento à pesquisa, anunciou plano de investir R$ 1 bilhão nesse sentido. A proposta criticada pela comunidade acadêmica, que apontou a necessidade de valorizar primeiro os profissionais que atuam no País.

Redução não significa menos qualidade

É importante ressaltar, porém, que a queda na produção científica não necessariamente significa piora da qualidade da ciência brasileira. Para o físico Nussenzveig, o relatório traz um alerta, mas que só pode ser avaliado se considerados outros dados, como aqueles sobre a qualidade da produção.

“Esse indicador sozinho chama a atenção, pois está fora do padrão que o Brasil vinha apresentando, mas não permite chegar a conclusões absolutas. Um recuo numérico em benefício da publicação em revistas de maior impacto, na verdade, pode até ser positivo”, avalia.

Para o pró-reitor da USP, é preciso olhar outros indicadores, como o impacto das publicações, medido pelo número de vezes que um artigo científico é utilizado como referência para outros estudos.

De acordo com o cientometrista Estêvão Gamba, uma análise posterior sobre 2023 mostrou que não houve queda na qualidade. Os dados devem ser colocados à disposição em novembro.

Em menos de um ano, o Rio Grande do Sul ficou submerso pela pior enchente de sua história e o Pantanal sofreu um recorde de queimadas. Esses e tantos outros eventos extremos que vêm atingindo o País estão cada vez mais frequentes e intensos por causa das mudanças climáticas. Mesmo assim, o físico Luis Eduardo Vieira tem encontrado dificuldades para seguir em frente com um projeto inédito que pode ajudar a entender o aquecimento global.

Com projeto na área astronômica há uma década, o físico Luís Eduardo Vieira relata problemas com a queda de verba e redução de interesse de pós-graduandos na área acadêmica Foto: Werther Santana/Estadão

Iniciada em 2013, a missão espacial científica liderada por ele no Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), que busca desenvolver tecnologias para observar o sol e quantificar a influência da atividade solar na variação do clima terrestre, passou na última década por momentos de bloqueios de recursos e redução de pesquisadores e até reestruturações internas. Como consequência, segundo ele, a produção científica e tecnológica do grupo diminuiu nos últimos anos, atrasando etapas do projeto.

O histórico da equipe de Vieira não é exceção no panorama científico brasileiro. Conforme o mais recente relatório da Agência Bori em parceria com a editora científica Elsevier, a produção científica do Brasil caiu 7,2% em 2023 comparada a 2022.

É a primeira vez que o número de artigos científicos - 69.656 no balanço mais recente - recua por dois anos seguidos. Até 2022, o País vinha em ritmo de crescimento anual da produção desde que os dados começaram a ser tabulados (1996). A análise inclui artigos com autores brasileiros publicados em mais de sete mil editoras científicas no mundo todo. Procurado pela reportagem, o Ministério da Ciência e Tecnologia não comentou.

Os artigos científicos estão entre os principais frutos do trabalho de um pesquisador, e normalmente demoram de dois a três anos até serem publicados em revistas especializadas, pois passam por revisões de pares, análises e edições até a versão final. Por isso, os dados não representam, necessariamente, o cenário atual, mas um balanço sobre os últimos anos.

Para Estêvão Gamba, cientista de dados envolvido no relatório, são várias as causas - a pandemia é uma das principais. “Houve um ‘boom’ de publicações naquele período (2020-2021), com grande esforço da comunidade científica para entender o vírus, desenvolver vacina e tratamento, e com velocidade maior no tempo entre a submissão e a publicação dos artigos”, diz. “É normal uma retração nos anos seguintes.”

Não à toa, houve recuo também na produção científica mundial, que concentrou em 2023 o maior número de nações em decréscimo desde 1997. O relatório da Bori avaliou 53 países que publicaram mais de 10 mil artigos científicos em 2022 e mostrou mais 34 em queda, como Estados Unidos (-3,5%), Japão (-5,6%) e Austrália (-4,1%).

No Brasil, outros fatores pesam. Segundo o relatório, investimentos públicos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) feitos pelos governos federal e estaduais têm caído desde 2013 (federal) e 2015 (soma dos estaduais).

“Pelos números, podemos ver que muitos países estão começando a se recuperar das quedas mais acentuadas na produção registradas no ano posterior ao pico da pandemia”, diz Soraya Smaili, ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Mas a produção científica brasileira ainda sofre forte influência dos cortes orçamentários que se acentuaram a partir de 2019. O cenário de queda ainda vai perdurar por alguns anos”, continua ela, professora de Farmacologia.

“Pesquisa científica é como maratona, não é corrida de 100 metros. Precisa de constância, segurança, pois é quase impossível manter um ritmo de pesquisa adequado quando passa por muitos sobressaltos. É nisso que o País precisa focar daqui para a frente”, afirma Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da Universidade de São Paulo (USP).

‘Precisamos recuperar o interesse do jovem’

Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luis Eduardo Vieira conta que nos primeiros anos do seu projeto, na área astronômica, conseguiu avançar com estudos e até desenvolver protótipos. “A observação da atividade do Sol ajuda a entender o aquecimento global. Permite analisar e quantificar causas naturais da mudança climática, quando há, além daquelas causadas pela ação humana com a emissão de gases estufa”, explica.

Mas nos últimos seis anos, segundo o físico, as restrições financeiras prejudicaram, com diminuição de verba para a pesquisa e pelo desestímulo causado pelo baixo valor das bolsas de pós-graduação.

No ano passado, o governo federal reajustou esses auxílios após uma década de congelamento, mas os valores seguem menos atrativos do que os oferecidos para profissionais de alta qualificação em vários setores econômicos.

“O que nos dá esperança é que já há perspectiva de mudança, com volta gradual de financiamento que desde 2023. Mas, antes de qualquer coisa, precisamos recuperar o interesse dos jovens em ingressar nos cursos de mestrado e doutorado. É uma tarefa que só surtirá efeito a longo prazo, mas importante para o futuro da ciência no Brasil”, afirma.

Conforme a Capes, órgão do Ministério da Educação (MEC) de fomento da pós-graduação, houve declínio do interesse em carreiras científicas acadêmicas, após crescimento constante de 2015 a 2019. O total de ingressantes em mestrados e doutorados caiu 12% entre 2019 e 2022, atingindo o nível mais baixo em quase uma década. No ano passado, o número voltou a subir (10,8%).

Segundo o físico Luis Eduardo Vieira, projeto de observação solar tem potencial de ajudar a ciência a entender efeitos da crise climática Foto: Werther Santana/Estadão

“Como cerca de 90% da produção científica no Brasil envolve de alguma forma a participação de pós-graduandos e depende de suas contribuições, a tendência é que a queda da produção científica continue acentuada por algum tempo”, afirma Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação do Brasil (ANPG).

O governo federal tem proposto iniciativas para tentar repatriar talentos da pesquisa que deixaram o Brasil. Em abril, o CNPq, outra agência de fomento à pesquisa, anunciou plano de investir R$ 1 bilhão nesse sentido. A proposta criticada pela comunidade acadêmica, que apontou a necessidade de valorizar primeiro os profissionais que atuam no País.

Redução não significa menos qualidade

É importante ressaltar, porém, que a queda na produção científica não necessariamente significa piora da qualidade da ciência brasileira. Para o físico Nussenzveig, o relatório traz um alerta, mas que só pode ser avaliado se considerados outros dados, como aqueles sobre a qualidade da produção.

“Esse indicador sozinho chama a atenção, pois está fora do padrão que o Brasil vinha apresentando, mas não permite chegar a conclusões absolutas. Um recuo numérico em benefício da publicação em revistas de maior impacto, na verdade, pode até ser positivo”, avalia.

Para o pró-reitor da USP, é preciso olhar outros indicadores, como o impacto das publicações, medido pelo número de vezes que um artigo científico é utilizado como referência para outros estudos.

De acordo com o cientometrista Estêvão Gamba, uma análise posterior sobre 2023 mostrou que não houve queda na qualidade. Os dados devem ser colocados à disposição em novembro.

Em menos de um ano, o Rio Grande do Sul ficou submerso pela pior enchente de sua história e o Pantanal sofreu um recorde de queimadas. Esses e tantos outros eventos extremos que vêm atingindo o País estão cada vez mais frequentes e intensos por causa das mudanças climáticas. Mesmo assim, o físico Luis Eduardo Vieira tem encontrado dificuldades para seguir em frente com um projeto inédito que pode ajudar a entender o aquecimento global.

Com projeto na área astronômica há uma década, o físico Luís Eduardo Vieira relata problemas com a queda de verba e redução de interesse de pós-graduandos na área acadêmica Foto: Werther Santana/Estadão

Iniciada em 2013, a missão espacial científica liderada por ele no Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), que busca desenvolver tecnologias para observar o sol e quantificar a influência da atividade solar na variação do clima terrestre, passou na última década por momentos de bloqueios de recursos e redução de pesquisadores e até reestruturações internas. Como consequência, segundo ele, a produção científica e tecnológica do grupo diminuiu nos últimos anos, atrasando etapas do projeto.

O histórico da equipe de Vieira não é exceção no panorama científico brasileiro. Conforme o mais recente relatório da Agência Bori em parceria com a editora científica Elsevier, a produção científica do Brasil caiu 7,2% em 2023 comparada a 2022.

É a primeira vez que o número de artigos científicos - 69.656 no balanço mais recente - recua por dois anos seguidos. Até 2022, o País vinha em ritmo de crescimento anual da produção desde que os dados começaram a ser tabulados (1996). A análise inclui artigos com autores brasileiros publicados em mais de sete mil editoras científicas no mundo todo. Procurado pela reportagem, o Ministério da Ciência e Tecnologia não comentou.

Os artigos científicos estão entre os principais frutos do trabalho de um pesquisador, e normalmente demoram de dois a três anos até serem publicados em revistas especializadas, pois passam por revisões de pares, análises e edições até a versão final. Por isso, os dados não representam, necessariamente, o cenário atual, mas um balanço sobre os últimos anos.

Para Estêvão Gamba, cientista de dados envolvido no relatório, são várias as causas - a pandemia é uma das principais. “Houve um ‘boom’ de publicações naquele período (2020-2021), com grande esforço da comunidade científica para entender o vírus, desenvolver vacina e tratamento, e com velocidade maior no tempo entre a submissão e a publicação dos artigos”, diz. “É normal uma retração nos anos seguintes.”

Não à toa, houve recuo também na produção científica mundial, que concentrou em 2023 o maior número de nações em decréscimo desde 1997. O relatório da Bori avaliou 53 países que publicaram mais de 10 mil artigos científicos em 2022 e mostrou mais 34 em queda, como Estados Unidos (-3,5%), Japão (-5,6%) e Austrália (-4,1%).

No Brasil, outros fatores pesam. Segundo o relatório, investimentos públicos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) feitos pelos governos federal e estaduais têm caído desde 2013 (federal) e 2015 (soma dos estaduais).

“Pelos números, podemos ver que muitos países estão começando a se recuperar das quedas mais acentuadas na produção registradas no ano posterior ao pico da pandemia”, diz Soraya Smaili, ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Mas a produção científica brasileira ainda sofre forte influência dos cortes orçamentários que se acentuaram a partir de 2019. O cenário de queda ainda vai perdurar por alguns anos”, continua ela, professora de Farmacologia.

“Pesquisa científica é como maratona, não é corrida de 100 metros. Precisa de constância, segurança, pois é quase impossível manter um ritmo de pesquisa adequado quando passa por muitos sobressaltos. É nisso que o País precisa focar daqui para a frente”, afirma Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da Universidade de São Paulo (USP).

‘Precisamos recuperar o interesse do jovem’

Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luis Eduardo Vieira conta que nos primeiros anos do seu projeto, na área astronômica, conseguiu avançar com estudos e até desenvolver protótipos. “A observação da atividade do Sol ajuda a entender o aquecimento global. Permite analisar e quantificar causas naturais da mudança climática, quando há, além daquelas causadas pela ação humana com a emissão de gases estufa”, explica.

Mas nos últimos seis anos, segundo o físico, as restrições financeiras prejudicaram, com diminuição de verba para a pesquisa e pelo desestímulo causado pelo baixo valor das bolsas de pós-graduação.

No ano passado, o governo federal reajustou esses auxílios após uma década de congelamento, mas os valores seguem menos atrativos do que os oferecidos para profissionais de alta qualificação em vários setores econômicos.

“O que nos dá esperança é que já há perspectiva de mudança, com volta gradual de financiamento que desde 2023. Mas, antes de qualquer coisa, precisamos recuperar o interesse dos jovens em ingressar nos cursos de mestrado e doutorado. É uma tarefa que só surtirá efeito a longo prazo, mas importante para o futuro da ciência no Brasil”, afirma.

Conforme a Capes, órgão do Ministério da Educação (MEC) de fomento da pós-graduação, houve declínio do interesse em carreiras científicas acadêmicas, após crescimento constante de 2015 a 2019. O total de ingressantes em mestrados e doutorados caiu 12% entre 2019 e 2022, atingindo o nível mais baixo em quase uma década. No ano passado, o número voltou a subir (10,8%).

Segundo o físico Luis Eduardo Vieira, projeto de observação solar tem potencial de ajudar a ciência a entender efeitos da crise climática Foto: Werther Santana/Estadão

“Como cerca de 90% da produção científica no Brasil envolve de alguma forma a participação de pós-graduandos e depende de suas contribuições, a tendência é que a queda da produção científica continue acentuada por algum tempo”, afirma Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação do Brasil (ANPG).

O governo federal tem proposto iniciativas para tentar repatriar talentos da pesquisa que deixaram o Brasil. Em abril, o CNPq, outra agência de fomento à pesquisa, anunciou plano de investir R$ 1 bilhão nesse sentido. A proposta criticada pela comunidade acadêmica, que apontou a necessidade de valorizar primeiro os profissionais que atuam no País.

Redução não significa menos qualidade

É importante ressaltar, porém, que a queda na produção científica não necessariamente significa piora da qualidade da ciência brasileira. Para o físico Nussenzveig, o relatório traz um alerta, mas que só pode ser avaliado se considerados outros dados, como aqueles sobre a qualidade da produção.

“Esse indicador sozinho chama a atenção, pois está fora do padrão que o Brasil vinha apresentando, mas não permite chegar a conclusões absolutas. Um recuo numérico em benefício da publicação em revistas de maior impacto, na verdade, pode até ser positivo”, avalia.

Para o pró-reitor da USP, é preciso olhar outros indicadores, como o impacto das publicações, medido pelo número de vezes que um artigo científico é utilizado como referência para outros estudos.

De acordo com o cientometrista Estêvão Gamba, uma análise posterior sobre 2023 mostrou que não houve queda na qualidade. Os dados devem ser colocados à disposição em novembro.

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