SOROCABA – Pesquisadores acabam de identificar uma nova espécie de crocodilo que conviveu com dinossauros no interior de São Paulo durante o Cretáceo, há pelo menos 66 milhões de anos. O réptil, batizado de Titanochampsa iorii devido ao porte avantajado, foi reconhecido com base em um fóssil de parte do crânio achado pela primeira vez na década de 1950, em Monte Alto, na região de São José do Rio Preto. O tamanho do animal foi calculado em até 7 metros, o que o torna o maior crocodilo do Neocretáceo brasileiro, por isso o gigante ganhou o apelido de “Terror das Águas”.
A partir desta sexta-feira, 16, o fóssil ficará exposto ao público no Museu de Paleontologia de Monte Alto.
Autor principal de um artigo científico sobre a descoberta que foi publicado em edição recente da revista internacional Historical Biology, o paleontólogo Thiago Schineider Fachini, do Laboratório de Paleontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), explicou que o Titanochampsa tem características distintas dos crocodiliformes fósseis já encontrados do Período Cretáceo. “A conclusão de que é uma espécie nova resulta de uma análise da morfologia geral do crânio de Titanochampsa, tendo sido observadas feições inéditas, permitindo a definição de que se trata de uma espécie ainda não registrada do Cretáceo brasileiro”, disse.
A pesquisa vai prosseguir na tentativa de estabelecer os parentescos e o contexto paleoambiental do novo crocodiliforme – as condições do ambiente em que o animal vivia. Titanochampsa significa “crocodilo titânico”, uma alusão ao seu grande porte e por ter sido confundido com titanossauro por muito tempo. O epíteto específico “iorii” é uma homenagem ao pesquisador Fabiano Vidori Iori por seus trabalhos na região de Monte Alto e pela prévia identificação do material.
A descoberta
Na década de 1950, durante a remoção de rochas de uma estrada rural do município de Monte Alto, os operários acharam um fóssil e, expondo cerca de um terço da ossada, evidenciaram um crânio. Na época, eles fizeram uma fotografia em preto e branco do achado. O destino dado ao material é desconhecido. Em 1987, o local foi revisitado por pesquisadores e eles acharam o fóssil de um crânio que classificaram como de um titanossauro, espécie de dinossauro “pescoçudo”.
Em 2006, o pesquisador Fabiano Iori analisou o material e o reclassificou como parte do teto craniano de um crocodiliforme, em um trabalho publicado na Revista Brasileira de Paleontologia. No estudo, em parceria com o pesquisador Antonio Celso de Arruda Campos, Iori relacionou o fóssil com a fotografia do achado de 1950.
As pesquisas continuaram até a identificação do crocodilo gigante por Fachini, com a participação dos colaboradores Pedro Godoy, Julio Marsola, Max Langer e Felipe Montefeltro, todos ligados a algumas das principais universidades brasileiras e co-autores da publicação na Historical Biology.
O fóssil do réptil ancestral foi conservado em arenitos da Formação Marília, unidade geológica que se depositou no final do Período Cretáceo, entre 72 e 66 milhões de anos atrás. Na região de Monte Alto, foram recolhidos desta formação restos de titanossauros, dentes isolados de crocodilos, escamas de peixes, conchas, além do Kurupi itaara, um dinossauro abelissaurídeo. Os estudos indicam que uma rica fauna de pequenos e grandes animais convivia em um ambiente que ia de árido a semiárido, com muito sol, água e areia e alguns poucos sedimentos que formaram os paleossolos (solos antigos).
Predador
Para definir o tamanho do animal, os pesquisadores levaram em conta as análises de crânios de outros crocodilos. Com “cabeças” de 37 a 75 centímetros, esses animais chegavam a um tamanho corporal entre 3 e 6 metros. Já o espécime retratado na fotografia de 1950 e analisado agora seria ainda maior, com cerca de 7 metros, o que torna o Titanochampsa iorii o maior crocodilo do Neocretáceo (última parte do Cretáceo) brasileiro. “Um animal deste porte com os hábitos característicos da espécie sugere que ocorreriam corpos d’água frequentes naquele ambiente hostil, podendo indicar um aumento na umidade daquele ambiente”, disse Fachini.
Já o apelido de Terror das Águas ele explicou que é uma referência ao tamanho do crocodilo e à possibilidade de que fosse um grande predador em sua época. “Sendo um crocodilo de grande porte que habitava ambientes semiaquáticos, era possivelmente um grande predador, como ainda são os crocodilos hoje em dia”, disse.
Embora a Bacia Bauru seja famosa por inúmeras ocorrências de crocodiliformes, o Titanochampsa é o primeiro formalmente descrito para a Formação Marília, na porção noroeste da bacia. Segundo o pesquisador, ele é diferente de todos os já conhecidos, parecendo pertencer ao grupo dos Neosuchia, no qual estão incluídos também jacarés, crocodilos e graviais modernos e com hábitos semiaquáticos. “O estudo tem grande relevância por apresentar uma nova espécie de crocodililforme fóssil muito próxima filogeneticamente das espécies que vivem hoje”, disse.
Além de representar um grupo até então pouco conhecido para o Cretáceo brasileiro, a nova espécie contribuirá para melhor compreensão dos aspectos evolutivos dos crocodilos. “E também para entendermos por que os Neosuchia tiveram sucesso em sua evolução, enquanto a grande maioria dos crocodilifornes foi extinta no final do Cretáceo”, acrescentou.
Em exposição
O fóssil ficará exposto a partir desta sexta-feira, 16, no Museu de Paleontologia de Monte Alto (R. Gustavo de Godoy, s/n - Centro, Monte Alto - SP). A instituição abre de terça a sexta, das 8 às 11h30 e das 13 às 16h30, e nos fins de semana somente na parte da tarde. A entrada é gratuita.
A paleontóloga do museu, Sandra Tavares, lembra que se trata do quinto gênero de crocodilo inédito na região. O Titanochampsa iorii vai se juntar na coleção com seus parentes Montealtosuchus, Morrinhosuchus, Caipirasuchus e Barreirosuchus, além dos quelônios Roxochelys e Yuraramirim e dos dinossauros Arrudatitan e Kurupi, que já têm fósseis no local.