THE WASHINGTON POST - Os cientistas descobriram pela primeira vez os restos de um clã neandertal que incluía uma família — um pai e sua filha — em uma caverna russa, oferecendo uma rara janela para os tempos antigos. O clã foi descoberto durante um dos maiores estudos genéticos de uma população neandertal realizado até hoje, que foi publicado esta semana na revista científica Nature.
Os cientistas suspeitam que eles morreram juntos cerca de 54 mil anos atrás — talvez tragicamente, de fome ou em uma grande tempestade — nas montanhas do sul da Sibéria. Eles viviam no topo de um penhasco rochoso nos confins da faixa de ocorrência conhecida dos neandertais, que se estende das regiões atlânticas da Europa até a Ásia central.
A organização social das populações neandertais não é bem compreendida. A pesquisa mais recente sugere que, pelo menos na Sibéria, os neandertais viviam em grupos de 10 a 20 pessoas — semelhantes aos gorilas das montanhas atuais, que são uma espécie ameaçada de extinção. O estudo foi realizado por uma equipe de cientistas de vários países, incluindo Svante Pääbo, geneticista sueco que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina este mês por seu trabalho mapeando nossos laços genéticos com os neandertais.
Diferentemente de muitos sítios arqueológicos, que contêm fósseis formados com o passar de longos períodos de tempo, estudos genéticos em 11 neandertais encontrados na caverna de Chagyrskaya — nas montanhas de Altai, perto da fronteira russa com o Cazaquistão, Mongólia e China — mostraram que muitos deles eram parentes próximos. Isso sugere, portanto, que todos viveram na mesma época.
“Chagyrskaya é basicamente um retrato de 54 mil anos atrás, quando esta comunidade viveu e morreu nesta caverna”, disse Richard G. Roberts, pesquisador da Universidade de Wollongong, na Austrália, e um dos coautores do estudo. “Na maioria dos sítios arqueológicos, as coisas se acumulam lentamente e tendem a ser mastigadas por hienas ou algo assim”, disse. “É mais raro encontrar locais tão cheios de material. Estava repleto de ossos, ossos de neandertais, de animais, artefatos. É um momento literalmente congelado no tempo”.
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Os cientistas usaram DNA extraído de fósseis encontrados em Chagyrskaya e de dois outros neandertais encontrados em uma caverna próxima para mapear as relações entre os indivíduos e buscar pistas sobre como viviam.
A caverna de Chagyrskaya está no alto de uma colina, com vista para uma planície de inundação onde rebanhos de bisões e outros animais provavelmente pastavam, disse Roberts. Os pesquisadores encontraram ferramentas de pedra e ossos de bisão enterrados na caverna, ao lado dos fósseis. Dados genéticos obtidos de dentes e fragmentos ósseos mostraram que os indivíduos incluíam um pai e sua filha, junto de um par de parentes de 2º grau, possivelmente uma tia ou um tio, uma sobrinha ou sobrinho, disse o pesquisador.
O DNA mitocondrial do pai — um conjunto de genes passados de mães para filhos — também era semelhante a dois dos outros homens encontrados na caverna, o que indica que eles provavelmente tinham um ancestral materno em comum. “O pensamento de que eles poderiam continuar por gerações e gerações parece improvável. Provavelmente todos morreram muito próximos no tempo, talvez em uma terrível tempestade. Afinal, eles estavam na Sibéria”.
O estudo também revelou que a diversidade genética dos cromossomos Y (transmitidos apenas pela linha masculina) era muito menor do que a do DNA mitocondrial nos indivíduos, o que os autores dizem sugerir que as mulheres neandertais eram mais propensas a migrar do que os homens. Esse padrão também é visto em muitas sociedades humanas, onde as mulheres se casam e se mudam com a família de seus maridos antes de terem filhos.
Trabalhos anteriores de Pääbo mostraram que os neandertais se misturaram com humanos pré-históricos após migrarem da África, e os vestígios dessas interações vivem nos genomas de muitas pessoas nos dias de hoje. Na pandemia, ele descobriu que um fator de risco genético associado a casos graves de covid-19 foi transmitido pelos neandertais e é carregado por cerca de metade das pessoas no sul da Ásia e cerca de um em cada 6 pessoas na Europa.
Os autores dizem que o tamanho da amostra do último estudo é pequeno e pode não ser representativo da vida social de toda a população neandertal. “Se pudéssemos reproduzir (o estudo) em alguns outros lugares, teríamos realmente uma ideia de como os neandertais conduziam suas vidas, talvez uma indicação de por que foram extintos e nós, não”, disse Roberts. “Somos tão parecidos. Então, por que somos os únicos que restam no planeta?”, conclui.