Como os matemáticos descobriram novos modos de resolver um problema de décadas


Resposta sobre como as ‘formas de largura constante’ se comportam em dimensões superiores está em uma construção surpreendentemente simples

Por Gregory Barber
Esses três objetos têm largura constante, o que significa que, quando colocados entre duas superfícies planas, eles rolam suavemente, como se fossem bolas — mesmo que não pareça que conseguiriam. Foto: Christopher Webb Young/Quanta Magazine

Em 1986, quando o ônibus espacial Challenger explodiu aos 73 segundos de voo, o eminente físico Richard Feynman foi chamado para descobrir o que tinha acontecido. Tempos depois, ele demonstrou que as vedações “em forma de anel”, que deveriam juntar as seções de propulsores dos foguetes do ônibus espacial, haviam falhado devido às baixas temperaturas, com resultados catastróficos. Mas ele também descobriu outros erros.

Entre eles estava a maneira como a Nasa tinha calculado o formato dos anéis. Durante os testes antes do voo, os engenheiros da agência mediram repetidas vezes a largura das vedações, para ver se tinham se distorcido. Eles argumentaram que, se os anéis tivessem se achatado ligeiramente – se tivessem se tornado, digamos, ovais, em vez de manter sua forma circular – então não teriam mais o mesmo diâmetro em toda a volta.

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Essas medições, escreveu Feynman, eram inúteis. Mesmo que os engenheiros tivessem feito um número infinito de medições e descoberto que o diâmetro era exatamente o mesmo todas as vezes, há muitos “corpos de largura constante”, como essas formas são chamadas. O círculo é só uma delas.

O mais conhecido corpo de largura constante não circular é o triângulo de Reuleaux, que você pode construir tomando a região central da sobreposição de um diagrama de Venn de três círculos. Para determinada largura em duas dimensões, o triângulo de Reuleaux é a forma de largura constante com a menor área possível. Um círculo tem a maior área possível.

Em três dimensões, o maior corpo de largura constante é uma bola. Em mais dimensões superiores, é simplesmente uma bola de dimensões superiores – a forma que aparece quando você segura uma agulha em um ponto e a deixa girar livremente em todas as direções.

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Mas os matemáticos há muito se perguntam se é sempre possível encontrar formas de largura constante menores em dimensões superiores. Essas formas existem em três dimensões: embora essas bolhas semelhantes ao triângulo Reuleaux possam parecer um pouco pontiagudas, se você as colocar entre dois planos paralelos, elas vão rolar suavemente, como uma bola. Mas é muito mais difícil dizer se isso vale de maneira geral. Pode ser que, em dimensões superiores, a bola seja ideal.

Assim, em 1988, Oded Schramm, na época estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton, fez uma pergunta simples: será possível construir um corpo de largura constante em qualquer dimensão que seja exponencialmente menor do que a bola?

Agora, em um artigo publicado online em maio, cinco pesquisadores – quatro dos quais cresceram na Ucrânia e se conhecem desde o ensino médio ou a faculdade – relataram que a resposta é sim.

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O resultado não apenas soluciona um problema de décadas, mas dá aos matemáticos a primeira visão de como podem ser essas misteriosas formas de dimensões superiores. Embora essas formas sejam fáceis de definir, elas são surpreendentemente misteriosas, disse Shiri Artstein, matemática da Universidade de Tel Aviv, que não participou do trabalho. “Qualquer coisa nova que aprendemos sobre elas, qualquer nova construção ou computação, já é bem interessante”. Agora os pesquisadores podem finalmente acessar um canto do universo geométrico que antes era completamente inacessível.

Plantando a semente

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Andrii Arman e Danylo Radchenko se conheceram em meados dos anos 2000 numa escola de ensino médio com foco em matemática, em Kiev, e também foram companheiros de equipe na competitiva equipe ucraniana da Olimpíada de Matemática. Eles ficaram amigos, mas não mantiveram contato. Tempos depois, quando seus trabalhos matemáticos os levaram, cada um à sua maneira, para as órbitas de Andriy Prymak e Andrii Bondarenko – que tinham estudado juntos na Universidade Nacional de Kiev na década de 1990 – eles se reconectaram.

Com seus colaboradores, Andrii Bondarenko (à esquerda) e Danylo Radchenko provaram recentemente que você sempre pode encontrar pequenas formas de largura constante em grandes dimensões. Foto: Da esquerda para a direita: Ekaterina Poliakova/Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia; Grégory Hau

Desde então, os quatro matemáticos se mudaram para diferentes cidades do mundo e seguiram diferentes programas de pesquisa, mas se reúnem duas vezes por semana pelo Zoom para trabalhar juntos em provas geométricas difíceis.

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As formas de largura constante não estavam na pauta. No ano passado, o grupo estava tentando responder a uma questão chamada Conjectura de Borsuk, que vem deixando matemáticos perplexos há mais de um século. Mas uma ideia ficava reaparecendo durante as reuniões: quando Schramm apresentou sua pergunta sobre corpos de largura constante na década de 1980, ele também sugeriu que a compreensão dessas formas poderia fornecer uma maneira de resolver o problema de Borsuk.

Os matemáticos ucranianos vinham adotando uma abordagem diferente e alguns deles relutavam em mudar de foco. Mas Bondarenko, atualmente na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, insistiu que eles tentassem, mesmo que isso não os ajudasse muito. “Ele sempre enfatizava que o problema era importante por si só”, disse Arman, que hoje é pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Manitoba. Por fim, o restante da equipe concordou em fazer a tentativa.

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Para entender o que eles fizeram, é útil pensar no triângulo de Reuleaux em duas dimensões. Digamos que você queira construir um triângulo de Reuleaux com uma determinada largura. Primeiro, desenhe um triângulo equilátero – o que os matemáticos chamam de semente. Escolha um ponto no limite do triângulo e desenhe um círculo ao redor dele, com um raio igual à largura que você deseja que a forma final tenha. Agora faça isso em cada ponto do limite do triângulo, de modo que você obtenha um conjunto infinito de círculos.

Observe a região onde esses círculos se sobrepõem. Em algum lugar dentro dela, você conseguirá encontrar um corpo de largura constante – basta descobrir de qual subconjunto da sua semente você realmente precisa. Nesse caso, você pode observar apenas os três vértices do triângulo equilátero, em vez de todos os pontos. Desenhe círculos ao redor desses três pontos e você terá um diagrama de Venn; sua região de sobreposição é o triângulo de Reuleaux.

Em dimensões superiores, é possível usar a mesma abordagem. Comece com um conjunto de pontos: sua semente. Desenhe uma bola ao redor de cada ponto, pegue sua interseção e procure o corpo de largura constante que se encontra dentro desse novo espaço. Mas, em dimensões superiores, é muito mais difícil descobrir qual subconjunto de sua semente lhe dará a forma desejada.

Arman, Bondarenko, Prymak e Radchenko fizeram experimentos com diferentes sementes e, por fim, chegaram a uma curva específica que queriam usar. Eles sabiam que essa curva lhes daria uma região que continha um corpo de largura constante suficientemente pequeno. Mas eles queriam entender como seria o próprio corpo de largura constante. Enquanto procuravam a resposta, Arman se deparou com uma postagem de 2022 no site de perguntas e respostas MathOverflow.

O autor da postagem, Fedor Nazarov, da Kent State University, tinha tentado responder à pergunta de Schramm de forma independente, e sua abordagem era bem parecida com a da equipe ucraniana, embora ele tivesse travado antes de chegar à resposta. O quarteto o convidou para se juntar a eles. Foi então que Nazarov percebeu algo que os demais não haviam percebido: a forma que a semente lhes deu não apenas continha um corpo de largura constante. Ela era um corpo de largura constante.

Andrii Arman (à esquerda) e Andriy Prymak compõem metade de uma equipe de quatro matemáticos da Ucrânia que colaboram há anos.  Foto: Jaskaran Singh

Seu trabalho fornece um algoritmo surpreendentemente simples para a construção de uma forma n-dimensional de largura constante cujo volume é no máximo 0,9n vezes maior que o da bola. Esse limite é, de certa forma, arbitrário, disse Arman. Deve ser possível encontrar corpos de largura constante ainda menores. Mas isso é suficiente para responder à pergunta de Schramm, provando que, à medida que o número de dimensões aumenta, a diferença entre os volumes dos menores e maiores corpos de largura constante cresce exponencialmente. Apesar das ideias complexas por trás do resultado, Arman disse que sua construção é algo que qualquer aluno de graduação consegue verificar.

Seguindo em frente

Para Gil Kalai, da Universidade Hebraica, há uma satisfação pessoal em ver uma resposta para Schramm, seu ex-aluno, que morreu no ano de 2008 em um acidente durante uma caminhada nas montanhas, depois de fazer avanços significativos em questões de muitos campos diferentes. Mas Kalai também está animado para explorar as consequências teóricas do resultado. Até então, disse ele, era possível que, em dimensões superiores, essas formas se comportassem simplesmente como bolas, pelo menos no que se refere à propriedade do volume. Mas “não é o que acontece. Então, isso significa que a teoria desses corpos em dimensões superiores é muito complexa”, disse ele.

Essa teoria pode até ter aplicações. Afinal, em dimensões inferiores, os corpos de largura constante já são surpreendentemente úteis: o triângulo de Reuleaux, por exemplo, aparece na forma de brocas, palhetas de violão e porcas à prova de violação para hidrantes. De acordo com Arman, em dimensões superiores, suas novas formas podem ser úteis no desenvolvimento de métodos de aprendizado de máquina para analisar conjuntos de dados de dimensões superiores. Bondarenko – conhecido no grupo pelo que Arman chama de “ideias malucas” – também propôs conexões com ramos distantes da matemática.

A busca pelo menor corpo de largura constante possível continua. O grupo utilizou sua construção para investigar um candidato promissor em três dimensões, mas ela os decepcionou: acabou sendo uma pequena fração de 1% maior do que o menor corpo conhecido. Por enquanto, os matemáticos decidiram desistir da perseguição e voltar ao seu trabalho no problema de Borsuk. No processo, deixaram para trás um mundo de novas formas para outros explorarem. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Mathematicians Discover New Shapes to Solve Decades-Old Geometry Problem

Esses três objetos têm largura constante, o que significa que, quando colocados entre duas superfícies planas, eles rolam suavemente, como se fossem bolas — mesmo que não pareça que conseguiriam. Foto: Christopher Webb Young/Quanta Magazine

Em 1986, quando o ônibus espacial Challenger explodiu aos 73 segundos de voo, o eminente físico Richard Feynman foi chamado para descobrir o que tinha acontecido. Tempos depois, ele demonstrou que as vedações “em forma de anel”, que deveriam juntar as seções de propulsores dos foguetes do ônibus espacial, haviam falhado devido às baixas temperaturas, com resultados catastróficos. Mas ele também descobriu outros erros.

Entre eles estava a maneira como a Nasa tinha calculado o formato dos anéis. Durante os testes antes do voo, os engenheiros da agência mediram repetidas vezes a largura das vedações, para ver se tinham se distorcido. Eles argumentaram que, se os anéis tivessem se achatado ligeiramente – se tivessem se tornado, digamos, ovais, em vez de manter sua forma circular – então não teriam mais o mesmo diâmetro em toda a volta.

Essas medições, escreveu Feynman, eram inúteis. Mesmo que os engenheiros tivessem feito um número infinito de medições e descoberto que o diâmetro era exatamente o mesmo todas as vezes, há muitos “corpos de largura constante”, como essas formas são chamadas. O círculo é só uma delas.

O mais conhecido corpo de largura constante não circular é o triângulo de Reuleaux, que você pode construir tomando a região central da sobreposição de um diagrama de Venn de três círculos. Para determinada largura em duas dimensões, o triângulo de Reuleaux é a forma de largura constante com a menor área possível. Um círculo tem a maior área possível.

Em três dimensões, o maior corpo de largura constante é uma bola. Em mais dimensões superiores, é simplesmente uma bola de dimensões superiores – a forma que aparece quando você segura uma agulha em um ponto e a deixa girar livremente em todas as direções.

Mas os matemáticos há muito se perguntam se é sempre possível encontrar formas de largura constante menores em dimensões superiores. Essas formas existem em três dimensões: embora essas bolhas semelhantes ao triângulo Reuleaux possam parecer um pouco pontiagudas, se você as colocar entre dois planos paralelos, elas vão rolar suavemente, como uma bola. Mas é muito mais difícil dizer se isso vale de maneira geral. Pode ser que, em dimensões superiores, a bola seja ideal.

Assim, em 1988, Oded Schramm, na época estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton, fez uma pergunta simples: será possível construir um corpo de largura constante em qualquer dimensão que seja exponencialmente menor do que a bola?

Agora, em um artigo publicado online em maio, cinco pesquisadores – quatro dos quais cresceram na Ucrânia e se conhecem desde o ensino médio ou a faculdade – relataram que a resposta é sim.

O resultado não apenas soluciona um problema de décadas, mas dá aos matemáticos a primeira visão de como podem ser essas misteriosas formas de dimensões superiores. Embora essas formas sejam fáceis de definir, elas são surpreendentemente misteriosas, disse Shiri Artstein, matemática da Universidade de Tel Aviv, que não participou do trabalho. “Qualquer coisa nova que aprendemos sobre elas, qualquer nova construção ou computação, já é bem interessante”. Agora os pesquisadores podem finalmente acessar um canto do universo geométrico que antes era completamente inacessível.

Plantando a semente

Andrii Arman e Danylo Radchenko se conheceram em meados dos anos 2000 numa escola de ensino médio com foco em matemática, em Kiev, e também foram companheiros de equipe na competitiva equipe ucraniana da Olimpíada de Matemática. Eles ficaram amigos, mas não mantiveram contato. Tempos depois, quando seus trabalhos matemáticos os levaram, cada um à sua maneira, para as órbitas de Andriy Prymak e Andrii Bondarenko – que tinham estudado juntos na Universidade Nacional de Kiev na década de 1990 – eles se reconectaram.

Com seus colaboradores, Andrii Bondarenko (à esquerda) e Danylo Radchenko provaram recentemente que você sempre pode encontrar pequenas formas de largura constante em grandes dimensões. Foto: Da esquerda para a direita: Ekaterina Poliakova/Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia; Grégory Hau

Desde então, os quatro matemáticos se mudaram para diferentes cidades do mundo e seguiram diferentes programas de pesquisa, mas se reúnem duas vezes por semana pelo Zoom para trabalhar juntos em provas geométricas difíceis.

As formas de largura constante não estavam na pauta. No ano passado, o grupo estava tentando responder a uma questão chamada Conjectura de Borsuk, que vem deixando matemáticos perplexos há mais de um século. Mas uma ideia ficava reaparecendo durante as reuniões: quando Schramm apresentou sua pergunta sobre corpos de largura constante na década de 1980, ele também sugeriu que a compreensão dessas formas poderia fornecer uma maneira de resolver o problema de Borsuk.

Os matemáticos ucranianos vinham adotando uma abordagem diferente e alguns deles relutavam em mudar de foco. Mas Bondarenko, atualmente na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, insistiu que eles tentassem, mesmo que isso não os ajudasse muito. “Ele sempre enfatizava que o problema era importante por si só”, disse Arman, que hoje é pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Manitoba. Por fim, o restante da equipe concordou em fazer a tentativa.

Para entender o que eles fizeram, é útil pensar no triângulo de Reuleaux em duas dimensões. Digamos que você queira construir um triângulo de Reuleaux com uma determinada largura. Primeiro, desenhe um triângulo equilátero – o que os matemáticos chamam de semente. Escolha um ponto no limite do triângulo e desenhe um círculo ao redor dele, com um raio igual à largura que você deseja que a forma final tenha. Agora faça isso em cada ponto do limite do triângulo, de modo que você obtenha um conjunto infinito de círculos.

Observe a região onde esses círculos se sobrepõem. Em algum lugar dentro dela, você conseguirá encontrar um corpo de largura constante – basta descobrir de qual subconjunto da sua semente você realmente precisa. Nesse caso, você pode observar apenas os três vértices do triângulo equilátero, em vez de todos os pontos. Desenhe círculos ao redor desses três pontos e você terá um diagrama de Venn; sua região de sobreposição é o triângulo de Reuleaux.

Em dimensões superiores, é possível usar a mesma abordagem. Comece com um conjunto de pontos: sua semente. Desenhe uma bola ao redor de cada ponto, pegue sua interseção e procure o corpo de largura constante que se encontra dentro desse novo espaço. Mas, em dimensões superiores, é muito mais difícil descobrir qual subconjunto de sua semente lhe dará a forma desejada.

Arman, Bondarenko, Prymak e Radchenko fizeram experimentos com diferentes sementes e, por fim, chegaram a uma curva específica que queriam usar. Eles sabiam que essa curva lhes daria uma região que continha um corpo de largura constante suficientemente pequeno. Mas eles queriam entender como seria o próprio corpo de largura constante. Enquanto procuravam a resposta, Arman se deparou com uma postagem de 2022 no site de perguntas e respostas MathOverflow.

O autor da postagem, Fedor Nazarov, da Kent State University, tinha tentado responder à pergunta de Schramm de forma independente, e sua abordagem era bem parecida com a da equipe ucraniana, embora ele tivesse travado antes de chegar à resposta. O quarteto o convidou para se juntar a eles. Foi então que Nazarov percebeu algo que os demais não haviam percebido: a forma que a semente lhes deu não apenas continha um corpo de largura constante. Ela era um corpo de largura constante.

Andrii Arman (à esquerda) e Andriy Prymak compõem metade de uma equipe de quatro matemáticos da Ucrânia que colaboram há anos.  Foto: Jaskaran Singh

Seu trabalho fornece um algoritmo surpreendentemente simples para a construção de uma forma n-dimensional de largura constante cujo volume é no máximo 0,9n vezes maior que o da bola. Esse limite é, de certa forma, arbitrário, disse Arman. Deve ser possível encontrar corpos de largura constante ainda menores. Mas isso é suficiente para responder à pergunta de Schramm, provando que, à medida que o número de dimensões aumenta, a diferença entre os volumes dos menores e maiores corpos de largura constante cresce exponencialmente. Apesar das ideias complexas por trás do resultado, Arman disse que sua construção é algo que qualquer aluno de graduação consegue verificar.

Seguindo em frente

Para Gil Kalai, da Universidade Hebraica, há uma satisfação pessoal em ver uma resposta para Schramm, seu ex-aluno, que morreu no ano de 2008 em um acidente durante uma caminhada nas montanhas, depois de fazer avanços significativos em questões de muitos campos diferentes. Mas Kalai também está animado para explorar as consequências teóricas do resultado. Até então, disse ele, era possível que, em dimensões superiores, essas formas se comportassem simplesmente como bolas, pelo menos no que se refere à propriedade do volume. Mas “não é o que acontece. Então, isso significa que a teoria desses corpos em dimensões superiores é muito complexa”, disse ele.

Essa teoria pode até ter aplicações. Afinal, em dimensões inferiores, os corpos de largura constante já são surpreendentemente úteis: o triângulo de Reuleaux, por exemplo, aparece na forma de brocas, palhetas de violão e porcas à prova de violação para hidrantes. De acordo com Arman, em dimensões superiores, suas novas formas podem ser úteis no desenvolvimento de métodos de aprendizado de máquina para analisar conjuntos de dados de dimensões superiores. Bondarenko – conhecido no grupo pelo que Arman chama de “ideias malucas” – também propôs conexões com ramos distantes da matemática.

A busca pelo menor corpo de largura constante possível continua. O grupo utilizou sua construção para investigar um candidato promissor em três dimensões, mas ela os decepcionou: acabou sendo uma pequena fração de 1% maior do que o menor corpo conhecido. Por enquanto, os matemáticos decidiram desistir da perseguição e voltar ao seu trabalho no problema de Borsuk. No processo, deixaram para trás um mundo de novas formas para outros explorarem. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Mathematicians Discover New Shapes to Solve Decades-Old Geometry Problem

Esses três objetos têm largura constante, o que significa que, quando colocados entre duas superfícies planas, eles rolam suavemente, como se fossem bolas — mesmo que não pareça que conseguiriam. Foto: Christopher Webb Young/Quanta Magazine

Em 1986, quando o ônibus espacial Challenger explodiu aos 73 segundos de voo, o eminente físico Richard Feynman foi chamado para descobrir o que tinha acontecido. Tempos depois, ele demonstrou que as vedações “em forma de anel”, que deveriam juntar as seções de propulsores dos foguetes do ônibus espacial, haviam falhado devido às baixas temperaturas, com resultados catastróficos. Mas ele também descobriu outros erros.

Entre eles estava a maneira como a Nasa tinha calculado o formato dos anéis. Durante os testes antes do voo, os engenheiros da agência mediram repetidas vezes a largura das vedações, para ver se tinham se distorcido. Eles argumentaram que, se os anéis tivessem se achatado ligeiramente – se tivessem se tornado, digamos, ovais, em vez de manter sua forma circular – então não teriam mais o mesmo diâmetro em toda a volta.

Essas medições, escreveu Feynman, eram inúteis. Mesmo que os engenheiros tivessem feito um número infinito de medições e descoberto que o diâmetro era exatamente o mesmo todas as vezes, há muitos “corpos de largura constante”, como essas formas são chamadas. O círculo é só uma delas.

O mais conhecido corpo de largura constante não circular é o triângulo de Reuleaux, que você pode construir tomando a região central da sobreposição de um diagrama de Venn de três círculos. Para determinada largura em duas dimensões, o triângulo de Reuleaux é a forma de largura constante com a menor área possível. Um círculo tem a maior área possível.

Em três dimensões, o maior corpo de largura constante é uma bola. Em mais dimensões superiores, é simplesmente uma bola de dimensões superiores – a forma que aparece quando você segura uma agulha em um ponto e a deixa girar livremente em todas as direções.

Mas os matemáticos há muito se perguntam se é sempre possível encontrar formas de largura constante menores em dimensões superiores. Essas formas existem em três dimensões: embora essas bolhas semelhantes ao triângulo Reuleaux possam parecer um pouco pontiagudas, se você as colocar entre dois planos paralelos, elas vão rolar suavemente, como uma bola. Mas é muito mais difícil dizer se isso vale de maneira geral. Pode ser que, em dimensões superiores, a bola seja ideal.

Assim, em 1988, Oded Schramm, na época estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton, fez uma pergunta simples: será possível construir um corpo de largura constante em qualquer dimensão que seja exponencialmente menor do que a bola?

Agora, em um artigo publicado online em maio, cinco pesquisadores – quatro dos quais cresceram na Ucrânia e se conhecem desde o ensino médio ou a faculdade – relataram que a resposta é sim.

O resultado não apenas soluciona um problema de décadas, mas dá aos matemáticos a primeira visão de como podem ser essas misteriosas formas de dimensões superiores. Embora essas formas sejam fáceis de definir, elas são surpreendentemente misteriosas, disse Shiri Artstein, matemática da Universidade de Tel Aviv, que não participou do trabalho. “Qualquer coisa nova que aprendemos sobre elas, qualquer nova construção ou computação, já é bem interessante”. Agora os pesquisadores podem finalmente acessar um canto do universo geométrico que antes era completamente inacessível.

Plantando a semente

Andrii Arman e Danylo Radchenko se conheceram em meados dos anos 2000 numa escola de ensino médio com foco em matemática, em Kiev, e também foram companheiros de equipe na competitiva equipe ucraniana da Olimpíada de Matemática. Eles ficaram amigos, mas não mantiveram contato. Tempos depois, quando seus trabalhos matemáticos os levaram, cada um à sua maneira, para as órbitas de Andriy Prymak e Andrii Bondarenko – que tinham estudado juntos na Universidade Nacional de Kiev na década de 1990 – eles se reconectaram.

Com seus colaboradores, Andrii Bondarenko (à esquerda) e Danylo Radchenko provaram recentemente que você sempre pode encontrar pequenas formas de largura constante em grandes dimensões. Foto: Da esquerda para a direita: Ekaterina Poliakova/Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia; Grégory Hau

Desde então, os quatro matemáticos se mudaram para diferentes cidades do mundo e seguiram diferentes programas de pesquisa, mas se reúnem duas vezes por semana pelo Zoom para trabalhar juntos em provas geométricas difíceis.

As formas de largura constante não estavam na pauta. No ano passado, o grupo estava tentando responder a uma questão chamada Conjectura de Borsuk, que vem deixando matemáticos perplexos há mais de um século. Mas uma ideia ficava reaparecendo durante as reuniões: quando Schramm apresentou sua pergunta sobre corpos de largura constante na década de 1980, ele também sugeriu que a compreensão dessas formas poderia fornecer uma maneira de resolver o problema de Borsuk.

Os matemáticos ucranianos vinham adotando uma abordagem diferente e alguns deles relutavam em mudar de foco. Mas Bondarenko, atualmente na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, insistiu que eles tentassem, mesmo que isso não os ajudasse muito. “Ele sempre enfatizava que o problema era importante por si só”, disse Arman, que hoje é pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Manitoba. Por fim, o restante da equipe concordou em fazer a tentativa.

Para entender o que eles fizeram, é útil pensar no triângulo de Reuleaux em duas dimensões. Digamos que você queira construir um triângulo de Reuleaux com uma determinada largura. Primeiro, desenhe um triângulo equilátero – o que os matemáticos chamam de semente. Escolha um ponto no limite do triângulo e desenhe um círculo ao redor dele, com um raio igual à largura que você deseja que a forma final tenha. Agora faça isso em cada ponto do limite do triângulo, de modo que você obtenha um conjunto infinito de círculos.

Observe a região onde esses círculos se sobrepõem. Em algum lugar dentro dela, você conseguirá encontrar um corpo de largura constante – basta descobrir de qual subconjunto da sua semente você realmente precisa. Nesse caso, você pode observar apenas os três vértices do triângulo equilátero, em vez de todos os pontos. Desenhe círculos ao redor desses três pontos e você terá um diagrama de Venn; sua região de sobreposição é o triângulo de Reuleaux.

Em dimensões superiores, é possível usar a mesma abordagem. Comece com um conjunto de pontos: sua semente. Desenhe uma bola ao redor de cada ponto, pegue sua interseção e procure o corpo de largura constante que se encontra dentro desse novo espaço. Mas, em dimensões superiores, é muito mais difícil descobrir qual subconjunto de sua semente lhe dará a forma desejada.

Arman, Bondarenko, Prymak e Radchenko fizeram experimentos com diferentes sementes e, por fim, chegaram a uma curva específica que queriam usar. Eles sabiam que essa curva lhes daria uma região que continha um corpo de largura constante suficientemente pequeno. Mas eles queriam entender como seria o próprio corpo de largura constante. Enquanto procuravam a resposta, Arman se deparou com uma postagem de 2022 no site de perguntas e respostas MathOverflow.

O autor da postagem, Fedor Nazarov, da Kent State University, tinha tentado responder à pergunta de Schramm de forma independente, e sua abordagem era bem parecida com a da equipe ucraniana, embora ele tivesse travado antes de chegar à resposta. O quarteto o convidou para se juntar a eles. Foi então que Nazarov percebeu algo que os demais não haviam percebido: a forma que a semente lhes deu não apenas continha um corpo de largura constante. Ela era um corpo de largura constante.

Andrii Arman (à esquerda) e Andriy Prymak compõem metade de uma equipe de quatro matemáticos da Ucrânia que colaboram há anos.  Foto: Jaskaran Singh

Seu trabalho fornece um algoritmo surpreendentemente simples para a construção de uma forma n-dimensional de largura constante cujo volume é no máximo 0,9n vezes maior que o da bola. Esse limite é, de certa forma, arbitrário, disse Arman. Deve ser possível encontrar corpos de largura constante ainda menores. Mas isso é suficiente para responder à pergunta de Schramm, provando que, à medida que o número de dimensões aumenta, a diferença entre os volumes dos menores e maiores corpos de largura constante cresce exponencialmente. Apesar das ideias complexas por trás do resultado, Arman disse que sua construção é algo que qualquer aluno de graduação consegue verificar.

Seguindo em frente

Para Gil Kalai, da Universidade Hebraica, há uma satisfação pessoal em ver uma resposta para Schramm, seu ex-aluno, que morreu no ano de 2008 em um acidente durante uma caminhada nas montanhas, depois de fazer avanços significativos em questões de muitos campos diferentes. Mas Kalai também está animado para explorar as consequências teóricas do resultado. Até então, disse ele, era possível que, em dimensões superiores, essas formas se comportassem simplesmente como bolas, pelo menos no que se refere à propriedade do volume. Mas “não é o que acontece. Então, isso significa que a teoria desses corpos em dimensões superiores é muito complexa”, disse ele.

Essa teoria pode até ter aplicações. Afinal, em dimensões inferiores, os corpos de largura constante já são surpreendentemente úteis: o triângulo de Reuleaux, por exemplo, aparece na forma de brocas, palhetas de violão e porcas à prova de violação para hidrantes. De acordo com Arman, em dimensões superiores, suas novas formas podem ser úteis no desenvolvimento de métodos de aprendizado de máquina para analisar conjuntos de dados de dimensões superiores. Bondarenko – conhecido no grupo pelo que Arman chama de “ideias malucas” – também propôs conexões com ramos distantes da matemática.

A busca pelo menor corpo de largura constante possível continua. O grupo utilizou sua construção para investigar um candidato promissor em três dimensões, mas ela os decepcionou: acabou sendo uma pequena fração de 1% maior do que o menor corpo conhecido. Por enquanto, os matemáticos decidiram desistir da perseguição e voltar ao seu trabalho no problema de Borsuk. No processo, deixaram para trás um mundo de novas formas para outros explorarem. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Mathematicians Discover New Shapes to Solve Decades-Old Geometry Problem

Esses três objetos têm largura constante, o que significa que, quando colocados entre duas superfícies planas, eles rolam suavemente, como se fossem bolas — mesmo que não pareça que conseguiriam. Foto: Christopher Webb Young/Quanta Magazine

Em 1986, quando o ônibus espacial Challenger explodiu aos 73 segundos de voo, o eminente físico Richard Feynman foi chamado para descobrir o que tinha acontecido. Tempos depois, ele demonstrou que as vedações “em forma de anel”, que deveriam juntar as seções de propulsores dos foguetes do ônibus espacial, haviam falhado devido às baixas temperaturas, com resultados catastróficos. Mas ele também descobriu outros erros.

Entre eles estava a maneira como a Nasa tinha calculado o formato dos anéis. Durante os testes antes do voo, os engenheiros da agência mediram repetidas vezes a largura das vedações, para ver se tinham se distorcido. Eles argumentaram que, se os anéis tivessem se achatado ligeiramente – se tivessem se tornado, digamos, ovais, em vez de manter sua forma circular – então não teriam mais o mesmo diâmetro em toda a volta.

Essas medições, escreveu Feynman, eram inúteis. Mesmo que os engenheiros tivessem feito um número infinito de medições e descoberto que o diâmetro era exatamente o mesmo todas as vezes, há muitos “corpos de largura constante”, como essas formas são chamadas. O círculo é só uma delas.

O mais conhecido corpo de largura constante não circular é o triângulo de Reuleaux, que você pode construir tomando a região central da sobreposição de um diagrama de Venn de três círculos. Para determinada largura em duas dimensões, o triângulo de Reuleaux é a forma de largura constante com a menor área possível. Um círculo tem a maior área possível.

Em três dimensões, o maior corpo de largura constante é uma bola. Em mais dimensões superiores, é simplesmente uma bola de dimensões superiores – a forma que aparece quando você segura uma agulha em um ponto e a deixa girar livremente em todas as direções.

Mas os matemáticos há muito se perguntam se é sempre possível encontrar formas de largura constante menores em dimensões superiores. Essas formas existem em três dimensões: embora essas bolhas semelhantes ao triângulo Reuleaux possam parecer um pouco pontiagudas, se você as colocar entre dois planos paralelos, elas vão rolar suavemente, como uma bola. Mas é muito mais difícil dizer se isso vale de maneira geral. Pode ser que, em dimensões superiores, a bola seja ideal.

Assim, em 1988, Oded Schramm, na época estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton, fez uma pergunta simples: será possível construir um corpo de largura constante em qualquer dimensão que seja exponencialmente menor do que a bola?

Agora, em um artigo publicado online em maio, cinco pesquisadores – quatro dos quais cresceram na Ucrânia e se conhecem desde o ensino médio ou a faculdade – relataram que a resposta é sim.

O resultado não apenas soluciona um problema de décadas, mas dá aos matemáticos a primeira visão de como podem ser essas misteriosas formas de dimensões superiores. Embora essas formas sejam fáceis de definir, elas são surpreendentemente misteriosas, disse Shiri Artstein, matemática da Universidade de Tel Aviv, que não participou do trabalho. “Qualquer coisa nova que aprendemos sobre elas, qualquer nova construção ou computação, já é bem interessante”. Agora os pesquisadores podem finalmente acessar um canto do universo geométrico que antes era completamente inacessível.

Plantando a semente

Andrii Arman e Danylo Radchenko se conheceram em meados dos anos 2000 numa escola de ensino médio com foco em matemática, em Kiev, e também foram companheiros de equipe na competitiva equipe ucraniana da Olimpíada de Matemática. Eles ficaram amigos, mas não mantiveram contato. Tempos depois, quando seus trabalhos matemáticos os levaram, cada um à sua maneira, para as órbitas de Andriy Prymak e Andrii Bondarenko – que tinham estudado juntos na Universidade Nacional de Kiev na década de 1990 – eles se reconectaram.

Com seus colaboradores, Andrii Bondarenko (à esquerda) e Danylo Radchenko provaram recentemente que você sempre pode encontrar pequenas formas de largura constante em grandes dimensões. Foto: Da esquerda para a direita: Ekaterina Poliakova/Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia; Grégory Hau

Desde então, os quatro matemáticos se mudaram para diferentes cidades do mundo e seguiram diferentes programas de pesquisa, mas se reúnem duas vezes por semana pelo Zoom para trabalhar juntos em provas geométricas difíceis.

As formas de largura constante não estavam na pauta. No ano passado, o grupo estava tentando responder a uma questão chamada Conjectura de Borsuk, que vem deixando matemáticos perplexos há mais de um século. Mas uma ideia ficava reaparecendo durante as reuniões: quando Schramm apresentou sua pergunta sobre corpos de largura constante na década de 1980, ele também sugeriu que a compreensão dessas formas poderia fornecer uma maneira de resolver o problema de Borsuk.

Os matemáticos ucranianos vinham adotando uma abordagem diferente e alguns deles relutavam em mudar de foco. Mas Bondarenko, atualmente na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, insistiu que eles tentassem, mesmo que isso não os ajudasse muito. “Ele sempre enfatizava que o problema era importante por si só”, disse Arman, que hoje é pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Manitoba. Por fim, o restante da equipe concordou em fazer a tentativa.

Para entender o que eles fizeram, é útil pensar no triângulo de Reuleaux em duas dimensões. Digamos que você queira construir um triângulo de Reuleaux com uma determinada largura. Primeiro, desenhe um triângulo equilátero – o que os matemáticos chamam de semente. Escolha um ponto no limite do triângulo e desenhe um círculo ao redor dele, com um raio igual à largura que você deseja que a forma final tenha. Agora faça isso em cada ponto do limite do triângulo, de modo que você obtenha um conjunto infinito de círculos.

Observe a região onde esses círculos se sobrepõem. Em algum lugar dentro dela, você conseguirá encontrar um corpo de largura constante – basta descobrir de qual subconjunto da sua semente você realmente precisa. Nesse caso, você pode observar apenas os três vértices do triângulo equilátero, em vez de todos os pontos. Desenhe círculos ao redor desses três pontos e você terá um diagrama de Venn; sua região de sobreposição é o triângulo de Reuleaux.

Em dimensões superiores, é possível usar a mesma abordagem. Comece com um conjunto de pontos: sua semente. Desenhe uma bola ao redor de cada ponto, pegue sua interseção e procure o corpo de largura constante que se encontra dentro desse novo espaço. Mas, em dimensões superiores, é muito mais difícil descobrir qual subconjunto de sua semente lhe dará a forma desejada.

Arman, Bondarenko, Prymak e Radchenko fizeram experimentos com diferentes sementes e, por fim, chegaram a uma curva específica que queriam usar. Eles sabiam que essa curva lhes daria uma região que continha um corpo de largura constante suficientemente pequeno. Mas eles queriam entender como seria o próprio corpo de largura constante. Enquanto procuravam a resposta, Arman se deparou com uma postagem de 2022 no site de perguntas e respostas MathOverflow.

O autor da postagem, Fedor Nazarov, da Kent State University, tinha tentado responder à pergunta de Schramm de forma independente, e sua abordagem era bem parecida com a da equipe ucraniana, embora ele tivesse travado antes de chegar à resposta. O quarteto o convidou para se juntar a eles. Foi então que Nazarov percebeu algo que os demais não haviam percebido: a forma que a semente lhes deu não apenas continha um corpo de largura constante. Ela era um corpo de largura constante.

Andrii Arman (à esquerda) e Andriy Prymak compõem metade de uma equipe de quatro matemáticos da Ucrânia que colaboram há anos.  Foto: Jaskaran Singh

Seu trabalho fornece um algoritmo surpreendentemente simples para a construção de uma forma n-dimensional de largura constante cujo volume é no máximo 0,9n vezes maior que o da bola. Esse limite é, de certa forma, arbitrário, disse Arman. Deve ser possível encontrar corpos de largura constante ainda menores. Mas isso é suficiente para responder à pergunta de Schramm, provando que, à medida que o número de dimensões aumenta, a diferença entre os volumes dos menores e maiores corpos de largura constante cresce exponencialmente. Apesar das ideias complexas por trás do resultado, Arman disse que sua construção é algo que qualquer aluno de graduação consegue verificar.

Seguindo em frente

Para Gil Kalai, da Universidade Hebraica, há uma satisfação pessoal em ver uma resposta para Schramm, seu ex-aluno, que morreu no ano de 2008 em um acidente durante uma caminhada nas montanhas, depois de fazer avanços significativos em questões de muitos campos diferentes. Mas Kalai também está animado para explorar as consequências teóricas do resultado. Até então, disse ele, era possível que, em dimensões superiores, essas formas se comportassem simplesmente como bolas, pelo menos no que se refere à propriedade do volume. Mas “não é o que acontece. Então, isso significa que a teoria desses corpos em dimensões superiores é muito complexa”, disse ele.

Essa teoria pode até ter aplicações. Afinal, em dimensões inferiores, os corpos de largura constante já são surpreendentemente úteis: o triângulo de Reuleaux, por exemplo, aparece na forma de brocas, palhetas de violão e porcas à prova de violação para hidrantes. De acordo com Arman, em dimensões superiores, suas novas formas podem ser úteis no desenvolvimento de métodos de aprendizado de máquina para analisar conjuntos de dados de dimensões superiores. Bondarenko – conhecido no grupo pelo que Arman chama de “ideias malucas” – também propôs conexões com ramos distantes da matemática.

A busca pelo menor corpo de largura constante possível continua. O grupo utilizou sua construção para investigar um candidato promissor em três dimensões, mas ela os decepcionou: acabou sendo uma pequena fração de 1% maior do que o menor corpo conhecido. Por enquanto, os matemáticos decidiram desistir da perseguição e voltar ao seu trabalho no problema de Borsuk. No processo, deixaram para trás um mundo de novas formas para outros explorarem. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Mathematicians Discover New Shapes to Solve Decades-Old Geometry Problem

Esses três objetos têm largura constante, o que significa que, quando colocados entre duas superfícies planas, eles rolam suavemente, como se fossem bolas — mesmo que não pareça que conseguiriam. Foto: Christopher Webb Young/Quanta Magazine

Em 1986, quando o ônibus espacial Challenger explodiu aos 73 segundos de voo, o eminente físico Richard Feynman foi chamado para descobrir o que tinha acontecido. Tempos depois, ele demonstrou que as vedações “em forma de anel”, que deveriam juntar as seções de propulsores dos foguetes do ônibus espacial, haviam falhado devido às baixas temperaturas, com resultados catastróficos. Mas ele também descobriu outros erros.

Entre eles estava a maneira como a Nasa tinha calculado o formato dos anéis. Durante os testes antes do voo, os engenheiros da agência mediram repetidas vezes a largura das vedações, para ver se tinham se distorcido. Eles argumentaram que, se os anéis tivessem se achatado ligeiramente – se tivessem se tornado, digamos, ovais, em vez de manter sua forma circular – então não teriam mais o mesmo diâmetro em toda a volta.

Essas medições, escreveu Feynman, eram inúteis. Mesmo que os engenheiros tivessem feito um número infinito de medições e descoberto que o diâmetro era exatamente o mesmo todas as vezes, há muitos “corpos de largura constante”, como essas formas são chamadas. O círculo é só uma delas.

O mais conhecido corpo de largura constante não circular é o triângulo de Reuleaux, que você pode construir tomando a região central da sobreposição de um diagrama de Venn de três círculos. Para determinada largura em duas dimensões, o triângulo de Reuleaux é a forma de largura constante com a menor área possível. Um círculo tem a maior área possível.

Em três dimensões, o maior corpo de largura constante é uma bola. Em mais dimensões superiores, é simplesmente uma bola de dimensões superiores – a forma que aparece quando você segura uma agulha em um ponto e a deixa girar livremente em todas as direções.

Mas os matemáticos há muito se perguntam se é sempre possível encontrar formas de largura constante menores em dimensões superiores. Essas formas existem em três dimensões: embora essas bolhas semelhantes ao triângulo Reuleaux possam parecer um pouco pontiagudas, se você as colocar entre dois planos paralelos, elas vão rolar suavemente, como uma bola. Mas é muito mais difícil dizer se isso vale de maneira geral. Pode ser que, em dimensões superiores, a bola seja ideal.

Assim, em 1988, Oded Schramm, na época estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton, fez uma pergunta simples: será possível construir um corpo de largura constante em qualquer dimensão que seja exponencialmente menor do que a bola?

Agora, em um artigo publicado online em maio, cinco pesquisadores – quatro dos quais cresceram na Ucrânia e se conhecem desde o ensino médio ou a faculdade – relataram que a resposta é sim.

O resultado não apenas soluciona um problema de décadas, mas dá aos matemáticos a primeira visão de como podem ser essas misteriosas formas de dimensões superiores. Embora essas formas sejam fáceis de definir, elas são surpreendentemente misteriosas, disse Shiri Artstein, matemática da Universidade de Tel Aviv, que não participou do trabalho. “Qualquer coisa nova que aprendemos sobre elas, qualquer nova construção ou computação, já é bem interessante”. Agora os pesquisadores podem finalmente acessar um canto do universo geométrico que antes era completamente inacessível.

Plantando a semente

Andrii Arman e Danylo Radchenko se conheceram em meados dos anos 2000 numa escola de ensino médio com foco em matemática, em Kiev, e também foram companheiros de equipe na competitiva equipe ucraniana da Olimpíada de Matemática. Eles ficaram amigos, mas não mantiveram contato. Tempos depois, quando seus trabalhos matemáticos os levaram, cada um à sua maneira, para as órbitas de Andriy Prymak e Andrii Bondarenko – que tinham estudado juntos na Universidade Nacional de Kiev na década de 1990 – eles se reconectaram.

Com seus colaboradores, Andrii Bondarenko (à esquerda) e Danylo Radchenko provaram recentemente que você sempre pode encontrar pequenas formas de largura constante em grandes dimensões. Foto: Da esquerda para a direita: Ekaterina Poliakova/Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia; Grégory Hau

Desde então, os quatro matemáticos se mudaram para diferentes cidades do mundo e seguiram diferentes programas de pesquisa, mas se reúnem duas vezes por semana pelo Zoom para trabalhar juntos em provas geométricas difíceis.

As formas de largura constante não estavam na pauta. No ano passado, o grupo estava tentando responder a uma questão chamada Conjectura de Borsuk, que vem deixando matemáticos perplexos há mais de um século. Mas uma ideia ficava reaparecendo durante as reuniões: quando Schramm apresentou sua pergunta sobre corpos de largura constante na década de 1980, ele também sugeriu que a compreensão dessas formas poderia fornecer uma maneira de resolver o problema de Borsuk.

Os matemáticos ucranianos vinham adotando uma abordagem diferente e alguns deles relutavam em mudar de foco. Mas Bondarenko, atualmente na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, insistiu que eles tentassem, mesmo que isso não os ajudasse muito. “Ele sempre enfatizava que o problema era importante por si só”, disse Arman, que hoje é pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Manitoba. Por fim, o restante da equipe concordou em fazer a tentativa.

Para entender o que eles fizeram, é útil pensar no triângulo de Reuleaux em duas dimensões. Digamos que você queira construir um triângulo de Reuleaux com uma determinada largura. Primeiro, desenhe um triângulo equilátero – o que os matemáticos chamam de semente. Escolha um ponto no limite do triângulo e desenhe um círculo ao redor dele, com um raio igual à largura que você deseja que a forma final tenha. Agora faça isso em cada ponto do limite do triângulo, de modo que você obtenha um conjunto infinito de círculos.

Observe a região onde esses círculos se sobrepõem. Em algum lugar dentro dela, você conseguirá encontrar um corpo de largura constante – basta descobrir de qual subconjunto da sua semente você realmente precisa. Nesse caso, você pode observar apenas os três vértices do triângulo equilátero, em vez de todos os pontos. Desenhe círculos ao redor desses três pontos e você terá um diagrama de Venn; sua região de sobreposição é o triângulo de Reuleaux.

Em dimensões superiores, é possível usar a mesma abordagem. Comece com um conjunto de pontos: sua semente. Desenhe uma bola ao redor de cada ponto, pegue sua interseção e procure o corpo de largura constante que se encontra dentro desse novo espaço. Mas, em dimensões superiores, é muito mais difícil descobrir qual subconjunto de sua semente lhe dará a forma desejada.

Arman, Bondarenko, Prymak e Radchenko fizeram experimentos com diferentes sementes e, por fim, chegaram a uma curva específica que queriam usar. Eles sabiam que essa curva lhes daria uma região que continha um corpo de largura constante suficientemente pequeno. Mas eles queriam entender como seria o próprio corpo de largura constante. Enquanto procuravam a resposta, Arman se deparou com uma postagem de 2022 no site de perguntas e respostas MathOverflow.

O autor da postagem, Fedor Nazarov, da Kent State University, tinha tentado responder à pergunta de Schramm de forma independente, e sua abordagem era bem parecida com a da equipe ucraniana, embora ele tivesse travado antes de chegar à resposta. O quarteto o convidou para se juntar a eles. Foi então que Nazarov percebeu algo que os demais não haviam percebido: a forma que a semente lhes deu não apenas continha um corpo de largura constante. Ela era um corpo de largura constante.

Andrii Arman (à esquerda) e Andriy Prymak compõem metade de uma equipe de quatro matemáticos da Ucrânia que colaboram há anos.  Foto: Jaskaran Singh

Seu trabalho fornece um algoritmo surpreendentemente simples para a construção de uma forma n-dimensional de largura constante cujo volume é no máximo 0,9n vezes maior que o da bola. Esse limite é, de certa forma, arbitrário, disse Arman. Deve ser possível encontrar corpos de largura constante ainda menores. Mas isso é suficiente para responder à pergunta de Schramm, provando que, à medida que o número de dimensões aumenta, a diferença entre os volumes dos menores e maiores corpos de largura constante cresce exponencialmente. Apesar das ideias complexas por trás do resultado, Arman disse que sua construção é algo que qualquer aluno de graduação consegue verificar.

Seguindo em frente

Para Gil Kalai, da Universidade Hebraica, há uma satisfação pessoal em ver uma resposta para Schramm, seu ex-aluno, que morreu no ano de 2008 em um acidente durante uma caminhada nas montanhas, depois de fazer avanços significativos em questões de muitos campos diferentes. Mas Kalai também está animado para explorar as consequências teóricas do resultado. Até então, disse ele, era possível que, em dimensões superiores, essas formas se comportassem simplesmente como bolas, pelo menos no que se refere à propriedade do volume. Mas “não é o que acontece. Então, isso significa que a teoria desses corpos em dimensões superiores é muito complexa”, disse ele.

Essa teoria pode até ter aplicações. Afinal, em dimensões inferiores, os corpos de largura constante já são surpreendentemente úteis: o triângulo de Reuleaux, por exemplo, aparece na forma de brocas, palhetas de violão e porcas à prova de violação para hidrantes. De acordo com Arman, em dimensões superiores, suas novas formas podem ser úteis no desenvolvimento de métodos de aprendizado de máquina para analisar conjuntos de dados de dimensões superiores. Bondarenko – conhecido no grupo pelo que Arman chama de “ideias malucas” – também propôs conexões com ramos distantes da matemática.

A busca pelo menor corpo de largura constante possível continua. O grupo utilizou sua construção para investigar um candidato promissor em três dimensões, mas ela os decepcionou: acabou sendo uma pequena fração de 1% maior do que o menor corpo conhecido. Por enquanto, os matemáticos decidiram desistir da perseguição e voltar ao seu trabalho no problema de Borsuk. No processo, deixaram para trás um mundo de novas formas para outros explorarem. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Mathematicians Discover New Shapes to Solve Decades-Old Geometry Problem

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