Como os nadadores usam a Matemática para ganhar o ouro na Olimpíada


O teórico de números Ken Ono está ensinando atletas olímpicos a nadar com mais eficiência

Por Jordana Cepelewicz
Foto: Raymond McCrea Jones
Entrevista comKen OnoProfessor da Emory University

No outono de 2014, Andrew Wilson se sentou na primeira fila da aula de teoria dos números de Ken Ono na Emory University, em Atlanta. Wilson não só estava se formando em física e matemática aplicada, como também fazia parte da equipe de natação da universidade. Ono se interessou pelas ambições de Wilson. “Achávamos que, juntos, talvez pudéssemos usar nosso interesse em matemática para ajudá-lo a melhorar como nadador”, disse Ono.

Ono, que normalmente estuda padrões abstratos em números e funções especiais chamadas formas modulares, começou a coletar e analisar dados de aceleração de Wilson e de outros nadadores da Emory para identificar e quantificar seus pontos fracos. “Chegou a um momento em que eu conseguia enxergar o que o atleta estava fazendo sem vê-lo nadar de verdade”, disse ele.

Em menos de dois anos, Wilson venceu um campeonato universitário nacional e ganhou uma medalha de ouro na Olimpíada de 2021, em Tóquio. A essa altura, Ono tinha se mudado para a Universidade da Virgínia (UVA), onde trabalhava ao lado de Todd DeSorbo, o técnico da natação da universidade e da equipe olímpica feminina dos Estados Unidos. Ono estará nos jogos olímpicos de Paris como consultor técnico. “Sinto que estamos todos juntos nisso, tentando criar algo novo”, disse ele.

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A Quanta conversou com Ono sobre como ele usou a matemática para ajudar os nadadores a chegarem à Olimpíada. A entrevista foi condensada e editada para maior clareza.

Já é possível dizer que seu programa teve sucesso?

Os resultados falam por si. Vários de nossos atletas foram para as Olimpíadas em 2021. Nos campeonatos mundiais mais recentes, todas as americanas que ganharam medalha de ouro em provas individuais eram atletas da Universidade da Virgínia. Kate Douglass apareceu aqui na UVA uns anos atrás, nadando os 200 metros de peito em 2 minutos e 30 segundos. Agora ela é a detentora do recorde americano, com o tempo de 2 minutos e 19,30 segundos. Ela acabou de quebrar o recorde das classificatórias olímpicas dos Estados Unidos e é uma das favoritas para vencer nas Olimpíadas este ano.

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Nove atletas da UVA, entre elas Kate, acabaram de se tornar atletas olímpicas dos Estados Unidos – um quinto da equipe americana! Gretchen Walsh venceu os 100 metros borboleta, estabelecendo o recorde mundial. Paige Madden ficou em segundo lugar nos 400 metros livre, logo depois de Katie Ledecky. Paige está indo para sua segunda Olimpíada.

Qual era seu objetivo inicial?

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Se você tirar a natação, temos as leis de movimento de Newton. São com essas equações que trabalhamos. Queríamos entender em detalhes as implicações das leis de Newton aplicadas aos nadadores na piscina. Como medimos a aceleração, a desaceleração e o arrasto? Foram as primeiras perguntas que tivemos de responder no desenvolvimento de nossas ferramentas.

Como vocês começaram?

Tudo começou de um jeito bem inocente, com filme plástico e acelerômetros projetados para rastrear tubarões, que eu comprei de empresas de tecnologia marinha. Não sabíamos o que estávamos fazendo. Eu precisava prender esses acelerômetros aos nadadores. Então, peguei um filme plástico e enrolei os sensores nas cinturas deles. Alguns nadadores eram muito fortes, então os sensores nunca ficavam dentro do filme plástico. Agora tenho uns cintos que minha esposa fez e que têm um bolsinho para os sensores.

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Levou muito tempo para que essa configuração experimental funcionasse?

Era difícil até mesmo obter os dados. Nossos protocolos de impermeabilização eram meio engraçados. Pareciam instruções de escoteiro: “Embrulhe o acelerômetro em papel de seda, estilo burrito”. E descobrimos que alguns dos nossos sensores às vezes falhavam. Eles eram muito sensíveis à luz. Então tivemos de criar pequenas capas plásticas contra raios UV para protegê-los.

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Não faz muito tempo que éramos tão amadores assim. Foi um longo caminho desde então.

Kate Douglass foi recentemente coautora de um artigo com Ono sobre a análise da natação. Foto: Kate Douglass via Facebook

Que tipo de dados vocês coletam?

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Eu gravo os nados com vídeo de alta definição e com acelerômetros e sensores de força. Também montei uma bateria bem grande de testes que não se parecem em nada com natação. Testo como os atletas nadam quando dão pernadas em diferentes ritmos. Testo a flexibilidade deles. Quanto ficam cansados depois de determinadas tarefas. Quero ter uma boa noção de quais são as capacidades deles.

Durante esses nados e testes, eu meço a força que é gerada no espaço tridimensional pelas pernas, pelas mãos e pela ondulação nos quadris do atleta. Em geral, o vídeo de alta definição captura apenas 24 frames de tela por segundo. Cada sensor me fornece 512 vetores de força por segundo. Eles revelam coisas que você jamais veria no vídeo.

Como o quê, por exemplo?

Uma coisa sutil que percebemos com muita facilidade – e que não daria para ver a olho nu – é como os atletas geralmente mudam a execução das pernadas a três braçadas do fim da piscina, o que significa perda de tempo.

Este é só um exemplo. Usando nossos dados, fazemos uma análise muito séria e cuidadosa de cada nadador individualmente. Obtemos um detalhamento do nado. Meus primeiros testes procuram por situações em que os atletas desaceleram sem motivo. Alguns atletas realmente têm dificuldade com as viradas, quando se aproximam e se afastam da parede. Ou talvez precisem corrigir o posicionamento da cabeça durante o deslizamento subaquático, quando não estão dando braçadas. No nível dos campeonatos mundiais e olímpicos, em que as provas são decididas em centésimos de segundo, essas coisas fazem muita diferença.

Depois de eliminadas essas fontes de desaceleração, analisamos o que cada membro faz a cada movimento. Como fica a braçada do atleta conforme ele vai se cansando? Será que ele está maximizando a porcentagem de força gerada para que seu corpo nade na direção certa?

Como você extrai essas informações dos dados?

Algumas delas são uma simples questão de álgebra linear. Quando o atleta dá uma braçada, ele gera uma força que pode ser direcionada para baixo, para cima, para a direita, para a esquerda ou na direção do nado. Usamos técnicas de álgebra linear para calcular a porcentagem em cada uma dessas direções.

Paige Madden acaba de se classificar para sua segunda Olimpíada. Diferenças mínimas no posicionamento das mãos podem tornar as braçadas muito mais eficientes.  Foto: Arena via Facebook

Você acredita que nunca medimos alguém que tivesse mais de 60% de eficiência nos quatro estilos – livre, peito, borboleta e costas? É quase impossível. Em abril, pedimos a Paige Madden que usasse sensores de força e modelamos o caminho de sua mão enquanto ela dava uma braçada e se recuperava. Calculamos que, na primeira piscina de seu nado, 59,1% da força gerada por sua mão direita a impulsionava na direção que ela queria ir. O que é fantástico.

Mas, na oitava piscina, esse número caía para 42,1%. Ela não só estava ficando mais cansada, sua execução de movimento também começava a piorar. Então, usando apenas esses achados da álgebra linear, demos a ela algumas dicas sobre como nadar a prova de um jeito diferente. E no dia seguinte, na oitava volta, ela estava perto de 50%. Um mês depois, ela nadou seu recorde pessoal.

Nossos sensores de força não deixam você se enganar.

E essa matemática funciona da mesma forma para todos os quatro estilos?

Nunca consegui fazer com que nossos sensores de força funcionassem para o nado de peito. É um estilo muito confuso, acontece muita coisa. Recebo os dados, mas não consigo entender o que está acontecendo.

Por que é mais difícil estudar o nado de peito?

Gostaria muito de ter essa resposta. No nado de peito, as mãos fazem muito mais em termos de entrada e saída. É um problema difícil. Eu não sei a resposta.

Você também usa seus dados para fazer previsões e desenvolver estratégias de prova, certo?

Isso mesmo. Podemos usar todos os nossos dados para criar um “gêmeo digital” do atleta. Os gêmeos digitais são modelos matemáticos de sistemas e processos complicados, como a disseminação da covid ou a migração de populações de animais – coisas que variam com o tempo.

Só que, no meu caso, é de fato um gêmeo digital. Parece um eletrocardiograma e é desenvolvido com base nos dados que capturei sobre os movimentos do atleta. Posso modelar como ele vai nadar em diferentes condições. Nos últimos sete ou oito anos, coletei milhares de nados de mais de 100 atletas de ponta. Assim, posso comparar seu gêmeo digital com o banco de dados, fazer ajustes e montar a fórmula ideal que eles devem usar na piscina – quantas pernadas dar no mergulho, onde pôr as mãos ao entrar na virada, quantas respirações e em que padrão. A curadoria é feita para cada atleta, para cada centímetro. E aí podemos dizer: se você nadar usando essa fórmula, vai fazer os 100 metros de costas em menos de 48 segundos.

Gretchen Walsh estabeleceu o recorde mundial nos 100 metros borboleta durante as provas olímpicas dos EUA em junho de 2024. Foto: Jack Spitzer/Arena via AP

Essas provas simuladas entre gêmeos digitais podem mostrar um competidor até 1 metro à frente de nosso atleta em determinado momento – mas não quero que ele se preocupe com isso, porque que, na terceira etapa, o adversário vai diminuir a velocidade e nosso atleta vai alcançá-lo.

Se você assistir às filmagens das provas da Associação Atlética Universitária Nacional, provavelmente vai ter a sensação de que os atletas da UVA parecem meio arrogantes, como se tivessem certeza de que vão ganhar. E é claro que isso faz sentido, porque eles estão sempre ganhando. Mas um dos benefícios inesperados do nosso trabalho é que, na mente deles, eles pensam: “Se eu nadar com essa fórmula, vou ganhar”.

Que desafios você teve de superar ao fazer essas análises?

Foram vários desafios. Por exemplo, a questão da orientação no espaço tridimensional é super importante. O corpo dos nadadores está sempre em movimento. Então, como decidimos quando a força está realmente indo na direção do nado? Não é tão fácil assim. Tivemos que nos certificar de que estávamos baseando nossas análises nas orientações corretas.

Os dados do acelerômetro são muito confusos. Os acelerômetros são muito sensíveis. Então, parte dessa matemática que é profundamente teórica passa por suavizar os dados para diminuir um pouco essa confusão. Preciso saber quando um pico é significativo. Preciso ser capaz de olhar para um fluxo de dados do acelerômetro e dizer: aqui você está respirando para a direita, mas levantou a cabeça um pouco demais. Ou, então, esta é a força que você gerou no instante em que saiu da parede, antes de começar a desacelerar. Preciso desse nível de sensibilidade. Preciso ter confiança de que os números que recebo significam o que eu acho que significam.

Descobrir o método certo para suavizar esses dados confusos provavelmente foi o tipo mais sofisticado de matemática que tivemos de fazer. É uma coisa muito secreta.

O que você aprendeu com essa experiência?

Não descobrimos nem inventamos nenhuma matemática nova. Não é uma coisa do outro mundo. O que eu acho que isso prova é a importância da atenção aos detalhes que vem do pensamento analítico. Quero descobrir o que ninguém mais descobriu e usar as leis de Newton – junto com a experimentação e um pouco de álgebra linear – para criar os melhores desempenhos para os atletas com quem trabalhamos.

Ainda há técnicos que não nos levam a sério. Mas meu trabalho não é este. Meu trabalho é ajudar os atletas a melhorar como nadadores e ajudar a colocar o maior número possível deles na equipe olímpica.

Sou matemático puro por formação. Às vezes é meio solitário. Então, este talvez seja o único momento da minha vida em que minha formação como cientista matemático parece ser importante para um grupo maior de pessoas. É uma coisa maravilhosa. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em How America’s Fastest Swimmers Use Math to Win Gold

No outono de 2014, Andrew Wilson se sentou na primeira fila da aula de teoria dos números de Ken Ono na Emory University, em Atlanta. Wilson não só estava se formando em física e matemática aplicada, como também fazia parte da equipe de natação da universidade. Ono se interessou pelas ambições de Wilson. “Achávamos que, juntos, talvez pudéssemos usar nosso interesse em matemática para ajudá-lo a melhorar como nadador”, disse Ono.

Ono, que normalmente estuda padrões abstratos em números e funções especiais chamadas formas modulares, começou a coletar e analisar dados de aceleração de Wilson e de outros nadadores da Emory para identificar e quantificar seus pontos fracos. “Chegou a um momento em que eu conseguia enxergar o que o atleta estava fazendo sem vê-lo nadar de verdade”, disse ele.

Em menos de dois anos, Wilson venceu um campeonato universitário nacional e ganhou uma medalha de ouro na Olimpíada de 2021, em Tóquio. A essa altura, Ono tinha se mudado para a Universidade da Virgínia (UVA), onde trabalhava ao lado de Todd DeSorbo, o técnico da natação da universidade e da equipe olímpica feminina dos Estados Unidos. Ono estará nos jogos olímpicos de Paris como consultor técnico. “Sinto que estamos todos juntos nisso, tentando criar algo novo”, disse ele.

A Quanta conversou com Ono sobre como ele usou a matemática para ajudar os nadadores a chegarem à Olimpíada. A entrevista foi condensada e editada para maior clareza.

Já é possível dizer que seu programa teve sucesso?

Os resultados falam por si. Vários de nossos atletas foram para as Olimpíadas em 2021. Nos campeonatos mundiais mais recentes, todas as americanas que ganharam medalha de ouro em provas individuais eram atletas da Universidade da Virgínia. Kate Douglass apareceu aqui na UVA uns anos atrás, nadando os 200 metros de peito em 2 minutos e 30 segundos. Agora ela é a detentora do recorde americano, com o tempo de 2 minutos e 19,30 segundos. Ela acabou de quebrar o recorde das classificatórias olímpicas dos Estados Unidos e é uma das favoritas para vencer nas Olimpíadas este ano.

Nove atletas da UVA, entre elas Kate, acabaram de se tornar atletas olímpicas dos Estados Unidos – um quinto da equipe americana! Gretchen Walsh venceu os 100 metros borboleta, estabelecendo o recorde mundial. Paige Madden ficou em segundo lugar nos 400 metros livre, logo depois de Katie Ledecky. Paige está indo para sua segunda Olimpíada.

Qual era seu objetivo inicial?

Se você tirar a natação, temos as leis de movimento de Newton. São com essas equações que trabalhamos. Queríamos entender em detalhes as implicações das leis de Newton aplicadas aos nadadores na piscina. Como medimos a aceleração, a desaceleração e o arrasto? Foram as primeiras perguntas que tivemos de responder no desenvolvimento de nossas ferramentas.

Como vocês começaram?

Tudo começou de um jeito bem inocente, com filme plástico e acelerômetros projetados para rastrear tubarões, que eu comprei de empresas de tecnologia marinha. Não sabíamos o que estávamos fazendo. Eu precisava prender esses acelerômetros aos nadadores. Então, peguei um filme plástico e enrolei os sensores nas cinturas deles. Alguns nadadores eram muito fortes, então os sensores nunca ficavam dentro do filme plástico. Agora tenho uns cintos que minha esposa fez e que têm um bolsinho para os sensores.

Levou muito tempo para que essa configuração experimental funcionasse?

Era difícil até mesmo obter os dados. Nossos protocolos de impermeabilização eram meio engraçados. Pareciam instruções de escoteiro: “Embrulhe o acelerômetro em papel de seda, estilo burrito”. E descobrimos que alguns dos nossos sensores às vezes falhavam. Eles eram muito sensíveis à luz. Então tivemos de criar pequenas capas plásticas contra raios UV para protegê-los.

Não faz muito tempo que éramos tão amadores assim. Foi um longo caminho desde então.

Kate Douglass foi recentemente coautora de um artigo com Ono sobre a análise da natação. Foto: Kate Douglass via Facebook

Que tipo de dados vocês coletam?

Eu gravo os nados com vídeo de alta definição e com acelerômetros e sensores de força. Também montei uma bateria bem grande de testes que não se parecem em nada com natação. Testo como os atletas nadam quando dão pernadas em diferentes ritmos. Testo a flexibilidade deles. Quanto ficam cansados depois de determinadas tarefas. Quero ter uma boa noção de quais são as capacidades deles.

Durante esses nados e testes, eu meço a força que é gerada no espaço tridimensional pelas pernas, pelas mãos e pela ondulação nos quadris do atleta. Em geral, o vídeo de alta definição captura apenas 24 frames de tela por segundo. Cada sensor me fornece 512 vetores de força por segundo. Eles revelam coisas que você jamais veria no vídeo.

Como o quê, por exemplo?

Uma coisa sutil que percebemos com muita facilidade – e que não daria para ver a olho nu – é como os atletas geralmente mudam a execução das pernadas a três braçadas do fim da piscina, o que significa perda de tempo.

Este é só um exemplo. Usando nossos dados, fazemos uma análise muito séria e cuidadosa de cada nadador individualmente. Obtemos um detalhamento do nado. Meus primeiros testes procuram por situações em que os atletas desaceleram sem motivo. Alguns atletas realmente têm dificuldade com as viradas, quando se aproximam e se afastam da parede. Ou talvez precisem corrigir o posicionamento da cabeça durante o deslizamento subaquático, quando não estão dando braçadas. No nível dos campeonatos mundiais e olímpicos, em que as provas são decididas em centésimos de segundo, essas coisas fazem muita diferença.

Depois de eliminadas essas fontes de desaceleração, analisamos o que cada membro faz a cada movimento. Como fica a braçada do atleta conforme ele vai se cansando? Será que ele está maximizando a porcentagem de força gerada para que seu corpo nade na direção certa?

Como você extrai essas informações dos dados?

Algumas delas são uma simples questão de álgebra linear. Quando o atleta dá uma braçada, ele gera uma força que pode ser direcionada para baixo, para cima, para a direita, para a esquerda ou na direção do nado. Usamos técnicas de álgebra linear para calcular a porcentagem em cada uma dessas direções.

Paige Madden acaba de se classificar para sua segunda Olimpíada. Diferenças mínimas no posicionamento das mãos podem tornar as braçadas muito mais eficientes.  Foto: Arena via Facebook

Você acredita que nunca medimos alguém que tivesse mais de 60% de eficiência nos quatro estilos – livre, peito, borboleta e costas? É quase impossível. Em abril, pedimos a Paige Madden que usasse sensores de força e modelamos o caminho de sua mão enquanto ela dava uma braçada e se recuperava. Calculamos que, na primeira piscina de seu nado, 59,1% da força gerada por sua mão direita a impulsionava na direção que ela queria ir. O que é fantástico.

Mas, na oitava piscina, esse número caía para 42,1%. Ela não só estava ficando mais cansada, sua execução de movimento também começava a piorar. Então, usando apenas esses achados da álgebra linear, demos a ela algumas dicas sobre como nadar a prova de um jeito diferente. E no dia seguinte, na oitava volta, ela estava perto de 50%. Um mês depois, ela nadou seu recorde pessoal.

Nossos sensores de força não deixam você se enganar.

E essa matemática funciona da mesma forma para todos os quatro estilos?

Nunca consegui fazer com que nossos sensores de força funcionassem para o nado de peito. É um estilo muito confuso, acontece muita coisa. Recebo os dados, mas não consigo entender o que está acontecendo.

Por que é mais difícil estudar o nado de peito?

Gostaria muito de ter essa resposta. No nado de peito, as mãos fazem muito mais em termos de entrada e saída. É um problema difícil. Eu não sei a resposta.

Você também usa seus dados para fazer previsões e desenvolver estratégias de prova, certo?

Isso mesmo. Podemos usar todos os nossos dados para criar um “gêmeo digital” do atleta. Os gêmeos digitais são modelos matemáticos de sistemas e processos complicados, como a disseminação da covid ou a migração de populações de animais – coisas que variam com o tempo.

Só que, no meu caso, é de fato um gêmeo digital. Parece um eletrocardiograma e é desenvolvido com base nos dados que capturei sobre os movimentos do atleta. Posso modelar como ele vai nadar em diferentes condições. Nos últimos sete ou oito anos, coletei milhares de nados de mais de 100 atletas de ponta. Assim, posso comparar seu gêmeo digital com o banco de dados, fazer ajustes e montar a fórmula ideal que eles devem usar na piscina – quantas pernadas dar no mergulho, onde pôr as mãos ao entrar na virada, quantas respirações e em que padrão. A curadoria é feita para cada atleta, para cada centímetro. E aí podemos dizer: se você nadar usando essa fórmula, vai fazer os 100 metros de costas em menos de 48 segundos.

Gretchen Walsh estabeleceu o recorde mundial nos 100 metros borboleta durante as provas olímpicas dos EUA em junho de 2024. Foto: Jack Spitzer/Arena via AP

Essas provas simuladas entre gêmeos digitais podem mostrar um competidor até 1 metro à frente de nosso atleta em determinado momento – mas não quero que ele se preocupe com isso, porque que, na terceira etapa, o adversário vai diminuir a velocidade e nosso atleta vai alcançá-lo.

Se você assistir às filmagens das provas da Associação Atlética Universitária Nacional, provavelmente vai ter a sensação de que os atletas da UVA parecem meio arrogantes, como se tivessem certeza de que vão ganhar. E é claro que isso faz sentido, porque eles estão sempre ganhando. Mas um dos benefícios inesperados do nosso trabalho é que, na mente deles, eles pensam: “Se eu nadar com essa fórmula, vou ganhar”.

Que desafios você teve de superar ao fazer essas análises?

Foram vários desafios. Por exemplo, a questão da orientação no espaço tridimensional é super importante. O corpo dos nadadores está sempre em movimento. Então, como decidimos quando a força está realmente indo na direção do nado? Não é tão fácil assim. Tivemos que nos certificar de que estávamos baseando nossas análises nas orientações corretas.

Os dados do acelerômetro são muito confusos. Os acelerômetros são muito sensíveis. Então, parte dessa matemática que é profundamente teórica passa por suavizar os dados para diminuir um pouco essa confusão. Preciso saber quando um pico é significativo. Preciso ser capaz de olhar para um fluxo de dados do acelerômetro e dizer: aqui você está respirando para a direita, mas levantou a cabeça um pouco demais. Ou, então, esta é a força que você gerou no instante em que saiu da parede, antes de começar a desacelerar. Preciso desse nível de sensibilidade. Preciso ter confiança de que os números que recebo significam o que eu acho que significam.

Descobrir o método certo para suavizar esses dados confusos provavelmente foi o tipo mais sofisticado de matemática que tivemos de fazer. É uma coisa muito secreta.

O que você aprendeu com essa experiência?

Não descobrimos nem inventamos nenhuma matemática nova. Não é uma coisa do outro mundo. O que eu acho que isso prova é a importância da atenção aos detalhes que vem do pensamento analítico. Quero descobrir o que ninguém mais descobriu e usar as leis de Newton – junto com a experimentação e um pouco de álgebra linear – para criar os melhores desempenhos para os atletas com quem trabalhamos.

Ainda há técnicos que não nos levam a sério. Mas meu trabalho não é este. Meu trabalho é ajudar os atletas a melhorar como nadadores e ajudar a colocar o maior número possível deles na equipe olímpica.

Sou matemático puro por formação. Às vezes é meio solitário. Então, este talvez seja o único momento da minha vida em que minha formação como cientista matemático parece ser importante para um grupo maior de pessoas. É uma coisa maravilhosa. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em How America’s Fastest Swimmers Use Math to Win Gold

No outono de 2014, Andrew Wilson se sentou na primeira fila da aula de teoria dos números de Ken Ono na Emory University, em Atlanta. Wilson não só estava se formando em física e matemática aplicada, como também fazia parte da equipe de natação da universidade. Ono se interessou pelas ambições de Wilson. “Achávamos que, juntos, talvez pudéssemos usar nosso interesse em matemática para ajudá-lo a melhorar como nadador”, disse Ono.

Ono, que normalmente estuda padrões abstratos em números e funções especiais chamadas formas modulares, começou a coletar e analisar dados de aceleração de Wilson e de outros nadadores da Emory para identificar e quantificar seus pontos fracos. “Chegou a um momento em que eu conseguia enxergar o que o atleta estava fazendo sem vê-lo nadar de verdade”, disse ele.

Em menos de dois anos, Wilson venceu um campeonato universitário nacional e ganhou uma medalha de ouro na Olimpíada de 2021, em Tóquio. A essa altura, Ono tinha se mudado para a Universidade da Virgínia (UVA), onde trabalhava ao lado de Todd DeSorbo, o técnico da natação da universidade e da equipe olímpica feminina dos Estados Unidos. Ono estará nos jogos olímpicos de Paris como consultor técnico. “Sinto que estamos todos juntos nisso, tentando criar algo novo”, disse ele.

A Quanta conversou com Ono sobre como ele usou a matemática para ajudar os nadadores a chegarem à Olimpíada. A entrevista foi condensada e editada para maior clareza.

Já é possível dizer que seu programa teve sucesso?

Os resultados falam por si. Vários de nossos atletas foram para as Olimpíadas em 2021. Nos campeonatos mundiais mais recentes, todas as americanas que ganharam medalha de ouro em provas individuais eram atletas da Universidade da Virgínia. Kate Douglass apareceu aqui na UVA uns anos atrás, nadando os 200 metros de peito em 2 minutos e 30 segundos. Agora ela é a detentora do recorde americano, com o tempo de 2 minutos e 19,30 segundos. Ela acabou de quebrar o recorde das classificatórias olímpicas dos Estados Unidos e é uma das favoritas para vencer nas Olimpíadas este ano.

Nove atletas da UVA, entre elas Kate, acabaram de se tornar atletas olímpicas dos Estados Unidos – um quinto da equipe americana! Gretchen Walsh venceu os 100 metros borboleta, estabelecendo o recorde mundial. Paige Madden ficou em segundo lugar nos 400 metros livre, logo depois de Katie Ledecky. Paige está indo para sua segunda Olimpíada.

Qual era seu objetivo inicial?

Se você tirar a natação, temos as leis de movimento de Newton. São com essas equações que trabalhamos. Queríamos entender em detalhes as implicações das leis de Newton aplicadas aos nadadores na piscina. Como medimos a aceleração, a desaceleração e o arrasto? Foram as primeiras perguntas que tivemos de responder no desenvolvimento de nossas ferramentas.

Como vocês começaram?

Tudo começou de um jeito bem inocente, com filme plástico e acelerômetros projetados para rastrear tubarões, que eu comprei de empresas de tecnologia marinha. Não sabíamos o que estávamos fazendo. Eu precisava prender esses acelerômetros aos nadadores. Então, peguei um filme plástico e enrolei os sensores nas cinturas deles. Alguns nadadores eram muito fortes, então os sensores nunca ficavam dentro do filme plástico. Agora tenho uns cintos que minha esposa fez e que têm um bolsinho para os sensores.

Levou muito tempo para que essa configuração experimental funcionasse?

Era difícil até mesmo obter os dados. Nossos protocolos de impermeabilização eram meio engraçados. Pareciam instruções de escoteiro: “Embrulhe o acelerômetro em papel de seda, estilo burrito”. E descobrimos que alguns dos nossos sensores às vezes falhavam. Eles eram muito sensíveis à luz. Então tivemos de criar pequenas capas plásticas contra raios UV para protegê-los.

Não faz muito tempo que éramos tão amadores assim. Foi um longo caminho desde então.

Kate Douglass foi recentemente coautora de um artigo com Ono sobre a análise da natação. Foto: Kate Douglass via Facebook

Que tipo de dados vocês coletam?

Eu gravo os nados com vídeo de alta definição e com acelerômetros e sensores de força. Também montei uma bateria bem grande de testes que não se parecem em nada com natação. Testo como os atletas nadam quando dão pernadas em diferentes ritmos. Testo a flexibilidade deles. Quanto ficam cansados depois de determinadas tarefas. Quero ter uma boa noção de quais são as capacidades deles.

Durante esses nados e testes, eu meço a força que é gerada no espaço tridimensional pelas pernas, pelas mãos e pela ondulação nos quadris do atleta. Em geral, o vídeo de alta definição captura apenas 24 frames de tela por segundo. Cada sensor me fornece 512 vetores de força por segundo. Eles revelam coisas que você jamais veria no vídeo.

Como o quê, por exemplo?

Uma coisa sutil que percebemos com muita facilidade – e que não daria para ver a olho nu – é como os atletas geralmente mudam a execução das pernadas a três braçadas do fim da piscina, o que significa perda de tempo.

Este é só um exemplo. Usando nossos dados, fazemos uma análise muito séria e cuidadosa de cada nadador individualmente. Obtemos um detalhamento do nado. Meus primeiros testes procuram por situações em que os atletas desaceleram sem motivo. Alguns atletas realmente têm dificuldade com as viradas, quando se aproximam e se afastam da parede. Ou talvez precisem corrigir o posicionamento da cabeça durante o deslizamento subaquático, quando não estão dando braçadas. No nível dos campeonatos mundiais e olímpicos, em que as provas são decididas em centésimos de segundo, essas coisas fazem muita diferença.

Depois de eliminadas essas fontes de desaceleração, analisamos o que cada membro faz a cada movimento. Como fica a braçada do atleta conforme ele vai se cansando? Será que ele está maximizando a porcentagem de força gerada para que seu corpo nade na direção certa?

Como você extrai essas informações dos dados?

Algumas delas são uma simples questão de álgebra linear. Quando o atleta dá uma braçada, ele gera uma força que pode ser direcionada para baixo, para cima, para a direita, para a esquerda ou na direção do nado. Usamos técnicas de álgebra linear para calcular a porcentagem em cada uma dessas direções.

Paige Madden acaba de se classificar para sua segunda Olimpíada. Diferenças mínimas no posicionamento das mãos podem tornar as braçadas muito mais eficientes.  Foto: Arena via Facebook

Você acredita que nunca medimos alguém que tivesse mais de 60% de eficiência nos quatro estilos – livre, peito, borboleta e costas? É quase impossível. Em abril, pedimos a Paige Madden que usasse sensores de força e modelamos o caminho de sua mão enquanto ela dava uma braçada e se recuperava. Calculamos que, na primeira piscina de seu nado, 59,1% da força gerada por sua mão direita a impulsionava na direção que ela queria ir. O que é fantástico.

Mas, na oitava piscina, esse número caía para 42,1%. Ela não só estava ficando mais cansada, sua execução de movimento também começava a piorar. Então, usando apenas esses achados da álgebra linear, demos a ela algumas dicas sobre como nadar a prova de um jeito diferente. E no dia seguinte, na oitava volta, ela estava perto de 50%. Um mês depois, ela nadou seu recorde pessoal.

Nossos sensores de força não deixam você se enganar.

E essa matemática funciona da mesma forma para todos os quatro estilos?

Nunca consegui fazer com que nossos sensores de força funcionassem para o nado de peito. É um estilo muito confuso, acontece muita coisa. Recebo os dados, mas não consigo entender o que está acontecendo.

Por que é mais difícil estudar o nado de peito?

Gostaria muito de ter essa resposta. No nado de peito, as mãos fazem muito mais em termos de entrada e saída. É um problema difícil. Eu não sei a resposta.

Você também usa seus dados para fazer previsões e desenvolver estratégias de prova, certo?

Isso mesmo. Podemos usar todos os nossos dados para criar um “gêmeo digital” do atleta. Os gêmeos digitais são modelos matemáticos de sistemas e processos complicados, como a disseminação da covid ou a migração de populações de animais – coisas que variam com o tempo.

Só que, no meu caso, é de fato um gêmeo digital. Parece um eletrocardiograma e é desenvolvido com base nos dados que capturei sobre os movimentos do atleta. Posso modelar como ele vai nadar em diferentes condições. Nos últimos sete ou oito anos, coletei milhares de nados de mais de 100 atletas de ponta. Assim, posso comparar seu gêmeo digital com o banco de dados, fazer ajustes e montar a fórmula ideal que eles devem usar na piscina – quantas pernadas dar no mergulho, onde pôr as mãos ao entrar na virada, quantas respirações e em que padrão. A curadoria é feita para cada atleta, para cada centímetro. E aí podemos dizer: se você nadar usando essa fórmula, vai fazer os 100 metros de costas em menos de 48 segundos.

Gretchen Walsh estabeleceu o recorde mundial nos 100 metros borboleta durante as provas olímpicas dos EUA em junho de 2024. Foto: Jack Spitzer/Arena via AP

Essas provas simuladas entre gêmeos digitais podem mostrar um competidor até 1 metro à frente de nosso atleta em determinado momento – mas não quero que ele se preocupe com isso, porque que, na terceira etapa, o adversário vai diminuir a velocidade e nosso atleta vai alcançá-lo.

Se você assistir às filmagens das provas da Associação Atlética Universitária Nacional, provavelmente vai ter a sensação de que os atletas da UVA parecem meio arrogantes, como se tivessem certeza de que vão ganhar. E é claro que isso faz sentido, porque eles estão sempre ganhando. Mas um dos benefícios inesperados do nosso trabalho é que, na mente deles, eles pensam: “Se eu nadar com essa fórmula, vou ganhar”.

Que desafios você teve de superar ao fazer essas análises?

Foram vários desafios. Por exemplo, a questão da orientação no espaço tridimensional é super importante. O corpo dos nadadores está sempre em movimento. Então, como decidimos quando a força está realmente indo na direção do nado? Não é tão fácil assim. Tivemos que nos certificar de que estávamos baseando nossas análises nas orientações corretas.

Os dados do acelerômetro são muito confusos. Os acelerômetros são muito sensíveis. Então, parte dessa matemática que é profundamente teórica passa por suavizar os dados para diminuir um pouco essa confusão. Preciso saber quando um pico é significativo. Preciso ser capaz de olhar para um fluxo de dados do acelerômetro e dizer: aqui você está respirando para a direita, mas levantou a cabeça um pouco demais. Ou, então, esta é a força que você gerou no instante em que saiu da parede, antes de começar a desacelerar. Preciso desse nível de sensibilidade. Preciso ter confiança de que os números que recebo significam o que eu acho que significam.

Descobrir o método certo para suavizar esses dados confusos provavelmente foi o tipo mais sofisticado de matemática que tivemos de fazer. É uma coisa muito secreta.

O que você aprendeu com essa experiência?

Não descobrimos nem inventamos nenhuma matemática nova. Não é uma coisa do outro mundo. O que eu acho que isso prova é a importância da atenção aos detalhes que vem do pensamento analítico. Quero descobrir o que ninguém mais descobriu e usar as leis de Newton – junto com a experimentação e um pouco de álgebra linear – para criar os melhores desempenhos para os atletas com quem trabalhamos.

Ainda há técnicos que não nos levam a sério. Mas meu trabalho não é este. Meu trabalho é ajudar os atletas a melhorar como nadadores e ajudar a colocar o maior número possível deles na equipe olímpica.

Sou matemático puro por formação. Às vezes é meio solitário. Então, este talvez seja o único momento da minha vida em que minha formação como cientista matemático parece ser importante para um grupo maior de pessoas. É uma coisa maravilhosa. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em How America’s Fastest Swimmers Use Math to Win Gold

No outono de 2014, Andrew Wilson se sentou na primeira fila da aula de teoria dos números de Ken Ono na Emory University, em Atlanta. Wilson não só estava se formando em física e matemática aplicada, como também fazia parte da equipe de natação da universidade. Ono se interessou pelas ambições de Wilson. “Achávamos que, juntos, talvez pudéssemos usar nosso interesse em matemática para ajudá-lo a melhorar como nadador”, disse Ono.

Ono, que normalmente estuda padrões abstratos em números e funções especiais chamadas formas modulares, começou a coletar e analisar dados de aceleração de Wilson e de outros nadadores da Emory para identificar e quantificar seus pontos fracos. “Chegou a um momento em que eu conseguia enxergar o que o atleta estava fazendo sem vê-lo nadar de verdade”, disse ele.

Em menos de dois anos, Wilson venceu um campeonato universitário nacional e ganhou uma medalha de ouro na Olimpíada de 2021, em Tóquio. A essa altura, Ono tinha se mudado para a Universidade da Virgínia (UVA), onde trabalhava ao lado de Todd DeSorbo, o técnico da natação da universidade e da equipe olímpica feminina dos Estados Unidos. Ono estará nos jogos olímpicos de Paris como consultor técnico. “Sinto que estamos todos juntos nisso, tentando criar algo novo”, disse ele.

A Quanta conversou com Ono sobre como ele usou a matemática para ajudar os nadadores a chegarem à Olimpíada. A entrevista foi condensada e editada para maior clareza.

Já é possível dizer que seu programa teve sucesso?

Os resultados falam por si. Vários de nossos atletas foram para as Olimpíadas em 2021. Nos campeonatos mundiais mais recentes, todas as americanas que ganharam medalha de ouro em provas individuais eram atletas da Universidade da Virgínia. Kate Douglass apareceu aqui na UVA uns anos atrás, nadando os 200 metros de peito em 2 minutos e 30 segundos. Agora ela é a detentora do recorde americano, com o tempo de 2 minutos e 19,30 segundos. Ela acabou de quebrar o recorde das classificatórias olímpicas dos Estados Unidos e é uma das favoritas para vencer nas Olimpíadas este ano.

Nove atletas da UVA, entre elas Kate, acabaram de se tornar atletas olímpicas dos Estados Unidos – um quinto da equipe americana! Gretchen Walsh venceu os 100 metros borboleta, estabelecendo o recorde mundial. Paige Madden ficou em segundo lugar nos 400 metros livre, logo depois de Katie Ledecky. Paige está indo para sua segunda Olimpíada.

Qual era seu objetivo inicial?

Se você tirar a natação, temos as leis de movimento de Newton. São com essas equações que trabalhamos. Queríamos entender em detalhes as implicações das leis de Newton aplicadas aos nadadores na piscina. Como medimos a aceleração, a desaceleração e o arrasto? Foram as primeiras perguntas que tivemos de responder no desenvolvimento de nossas ferramentas.

Como vocês começaram?

Tudo começou de um jeito bem inocente, com filme plástico e acelerômetros projetados para rastrear tubarões, que eu comprei de empresas de tecnologia marinha. Não sabíamos o que estávamos fazendo. Eu precisava prender esses acelerômetros aos nadadores. Então, peguei um filme plástico e enrolei os sensores nas cinturas deles. Alguns nadadores eram muito fortes, então os sensores nunca ficavam dentro do filme plástico. Agora tenho uns cintos que minha esposa fez e que têm um bolsinho para os sensores.

Levou muito tempo para que essa configuração experimental funcionasse?

Era difícil até mesmo obter os dados. Nossos protocolos de impermeabilização eram meio engraçados. Pareciam instruções de escoteiro: “Embrulhe o acelerômetro em papel de seda, estilo burrito”. E descobrimos que alguns dos nossos sensores às vezes falhavam. Eles eram muito sensíveis à luz. Então tivemos de criar pequenas capas plásticas contra raios UV para protegê-los.

Não faz muito tempo que éramos tão amadores assim. Foi um longo caminho desde então.

Kate Douglass foi recentemente coautora de um artigo com Ono sobre a análise da natação. Foto: Kate Douglass via Facebook

Que tipo de dados vocês coletam?

Eu gravo os nados com vídeo de alta definição e com acelerômetros e sensores de força. Também montei uma bateria bem grande de testes que não se parecem em nada com natação. Testo como os atletas nadam quando dão pernadas em diferentes ritmos. Testo a flexibilidade deles. Quanto ficam cansados depois de determinadas tarefas. Quero ter uma boa noção de quais são as capacidades deles.

Durante esses nados e testes, eu meço a força que é gerada no espaço tridimensional pelas pernas, pelas mãos e pela ondulação nos quadris do atleta. Em geral, o vídeo de alta definição captura apenas 24 frames de tela por segundo. Cada sensor me fornece 512 vetores de força por segundo. Eles revelam coisas que você jamais veria no vídeo.

Como o quê, por exemplo?

Uma coisa sutil que percebemos com muita facilidade – e que não daria para ver a olho nu – é como os atletas geralmente mudam a execução das pernadas a três braçadas do fim da piscina, o que significa perda de tempo.

Este é só um exemplo. Usando nossos dados, fazemos uma análise muito séria e cuidadosa de cada nadador individualmente. Obtemos um detalhamento do nado. Meus primeiros testes procuram por situações em que os atletas desaceleram sem motivo. Alguns atletas realmente têm dificuldade com as viradas, quando se aproximam e se afastam da parede. Ou talvez precisem corrigir o posicionamento da cabeça durante o deslizamento subaquático, quando não estão dando braçadas. No nível dos campeonatos mundiais e olímpicos, em que as provas são decididas em centésimos de segundo, essas coisas fazem muita diferença.

Depois de eliminadas essas fontes de desaceleração, analisamos o que cada membro faz a cada movimento. Como fica a braçada do atleta conforme ele vai se cansando? Será que ele está maximizando a porcentagem de força gerada para que seu corpo nade na direção certa?

Como você extrai essas informações dos dados?

Algumas delas são uma simples questão de álgebra linear. Quando o atleta dá uma braçada, ele gera uma força que pode ser direcionada para baixo, para cima, para a direita, para a esquerda ou na direção do nado. Usamos técnicas de álgebra linear para calcular a porcentagem em cada uma dessas direções.

Paige Madden acaba de se classificar para sua segunda Olimpíada. Diferenças mínimas no posicionamento das mãos podem tornar as braçadas muito mais eficientes.  Foto: Arena via Facebook

Você acredita que nunca medimos alguém que tivesse mais de 60% de eficiência nos quatro estilos – livre, peito, borboleta e costas? É quase impossível. Em abril, pedimos a Paige Madden que usasse sensores de força e modelamos o caminho de sua mão enquanto ela dava uma braçada e se recuperava. Calculamos que, na primeira piscina de seu nado, 59,1% da força gerada por sua mão direita a impulsionava na direção que ela queria ir. O que é fantástico.

Mas, na oitava piscina, esse número caía para 42,1%. Ela não só estava ficando mais cansada, sua execução de movimento também começava a piorar. Então, usando apenas esses achados da álgebra linear, demos a ela algumas dicas sobre como nadar a prova de um jeito diferente. E no dia seguinte, na oitava volta, ela estava perto de 50%. Um mês depois, ela nadou seu recorde pessoal.

Nossos sensores de força não deixam você se enganar.

E essa matemática funciona da mesma forma para todos os quatro estilos?

Nunca consegui fazer com que nossos sensores de força funcionassem para o nado de peito. É um estilo muito confuso, acontece muita coisa. Recebo os dados, mas não consigo entender o que está acontecendo.

Por que é mais difícil estudar o nado de peito?

Gostaria muito de ter essa resposta. No nado de peito, as mãos fazem muito mais em termos de entrada e saída. É um problema difícil. Eu não sei a resposta.

Você também usa seus dados para fazer previsões e desenvolver estratégias de prova, certo?

Isso mesmo. Podemos usar todos os nossos dados para criar um “gêmeo digital” do atleta. Os gêmeos digitais são modelos matemáticos de sistemas e processos complicados, como a disseminação da covid ou a migração de populações de animais – coisas que variam com o tempo.

Só que, no meu caso, é de fato um gêmeo digital. Parece um eletrocardiograma e é desenvolvido com base nos dados que capturei sobre os movimentos do atleta. Posso modelar como ele vai nadar em diferentes condições. Nos últimos sete ou oito anos, coletei milhares de nados de mais de 100 atletas de ponta. Assim, posso comparar seu gêmeo digital com o banco de dados, fazer ajustes e montar a fórmula ideal que eles devem usar na piscina – quantas pernadas dar no mergulho, onde pôr as mãos ao entrar na virada, quantas respirações e em que padrão. A curadoria é feita para cada atleta, para cada centímetro. E aí podemos dizer: se você nadar usando essa fórmula, vai fazer os 100 metros de costas em menos de 48 segundos.

Gretchen Walsh estabeleceu o recorde mundial nos 100 metros borboleta durante as provas olímpicas dos EUA em junho de 2024. Foto: Jack Spitzer/Arena via AP

Essas provas simuladas entre gêmeos digitais podem mostrar um competidor até 1 metro à frente de nosso atleta em determinado momento – mas não quero que ele se preocupe com isso, porque que, na terceira etapa, o adversário vai diminuir a velocidade e nosso atleta vai alcançá-lo.

Se você assistir às filmagens das provas da Associação Atlética Universitária Nacional, provavelmente vai ter a sensação de que os atletas da UVA parecem meio arrogantes, como se tivessem certeza de que vão ganhar. E é claro que isso faz sentido, porque eles estão sempre ganhando. Mas um dos benefícios inesperados do nosso trabalho é que, na mente deles, eles pensam: “Se eu nadar com essa fórmula, vou ganhar”.

Que desafios você teve de superar ao fazer essas análises?

Foram vários desafios. Por exemplo, a questão da orientação no espaço tridimensional é super importante. O corpo dos nadadores está sempre em movimento. Então, como decidimos quando a força está realmente indo na direção do nado? Não é tão fácil assim. Tivemos que nos certificar de que estávamos baseando nossas análises nas orientações corretas.

Os dados do acelerômetro são muito confusos. Os acelerômetros são muito sensíveis. Então, parte dessa matemática que é profundamente teórica passa por suavizar os dados para diminuir um pouco essa confusão. Preciso saber quando um pico é significativo. Preciso ser capaz de olhar para um fluxo de dados do acelerômetro e dizer: aqui você está respirando para a direita, mas levantou a cabeça um pouco demais. Ou, então, esta é a força que você gerou no instante em que saiu da parede, antes de começar a desacelerar. Preciso desse nível de sensibilidade. Preciso ter confiança de que os números que recebo significam o que eu acho que significam.

Descobrir o método certo para suavizar esses dados confusos provavelmente foi o tipo mais sofisticado de matemática que tivemos de fazer. É uma coisa muito secreta.

O que você aprendeu com essa experiência?

Não descobrimos nem inventamos nenhuma matemática nova. Não é uma coisa do outro mundo. O que eu acho que isso prova é a importância da atenção aos detalhes que vem do pensamento analítico. Quero descobrir o que ninguém mais descobriu e usar as leis de Newton – junto com a experimentação e um pouco de álgebra linear – para criar os melhores desempenhos para os atletas com quem trabalhamos.

Ainda há técnicos que não nos levam a sério. Mas meu trabalho não é este. Meu trabalho é ajudar os atletas a melhorar como nadadores e ajudar a colocar o maior número possível deles na equipe olímpica.

Sou matemático puro por formação. Às vezes é meio solitário. Então, este talvez seja o único momento da minha vida em que minha formação como cientista matemático parece ser importante para um grupo maior de pessoas. É uma coisa maravilhosa. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em How America’s Fastest Swimmers Use Math to Win Gold

Entrevista por Jordana Cepelewicz

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