É real ou imaginado? Como seu cérebro sabe a diferença


Novos experimentos mostram que o cérebro distingue entre imagens percebidas e imaginadas verificando se elas cruzam um ‘limiar de realidade’

Por Yasemin Saplakoglu
Atualização:
Raramente confundimos as imagens que passam por nossa imaginação como percepções da realidade, embora as mesmas áreas do cérebro processem ambas. Foto: Señor Salme/Quanta Magazine

QUANTA MAGAZINE - Isto aqui é vida real? Ou é só fantasia?

Esses não são apenas versos de Bohemian Rhapsody, música do Queen. São também as perguntas a que o cérebro precisa responder o tempo todo ao processar fluxos de sinais visuais dos olhos e imagens puramente mentais que ficam borbulhando na imaginação. Estudos de varredura cerebral concluíram repetidas vezes que ver algo e imaginar algo gera padrões de atividade neural muito semelhantes. Mas, para a maioria de nós, as experiências subjetivas que se produzem são muito diferentes.

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“Se quiser, posso olhar pela janela agora e imaginar um unicórnio galopando na rua”, disse Thomas Naselaris, professor associado da Universidade de Minnesota. A rua pareceria de verdade e o unicórnio, não. “É muito claro para mim”, disse ele. Saber que os unicórnios são figuras míticas quase não tem a ver com isso: um simples cavalo branco imaginário pareceria igualmente irreal.

Mas então, “por que não estamos sempre alucinando?”, perguntou Nadine Dijkstra, pós-doutoranda da University College London. Um estudo que ela liderou, publicado recentemente na Nature Communications, traz uma resposta intrigante: o cérebro avalia as imagens que está processando segundo um “limiar de realidade”. Se o sinal cruza o limiar, o cérebro pensa que é real; se não cruza, o cérebro pensa que é imaginação.

Esse sistema funciona bem na maioria das vezes porque os sinais imaginários geralmente são fracos. Mas, se um sinal imaginado é forte o suficiente para cruzar o limiar, o cérebro o interpreta como realidade.

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Embora o cérebro seja muito competente para avaliar as imagens da mente, parece que “esse tipo de verificação da realidade é um grande desafio”, disse Lars Muckli, professor de neurociências visuais e cognitivas da Universidade de Glasgow. As novas descobertas levantam questões sobre se variações ou alterações nesse sistema podem levar a alucinações, pensamentos intrusivos ou mesmo sonhos.

“Eles fizeram um ótimo trabalho, na minha opinião, ao pegar uma questão sobre a qual os filósofos vêm debatendo há séculos e definir modelos com resultados previsíveis e testáveis”, disse Naselaris.

Quando percepção e imaginação se misturam

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O estudo de imagens imaginadas de Dijkstra nasceu nos primeiros dias da pandemia de covid-19, quando quarentenas e lockdowns interromperam sua agenda de trabalho. Entediada, ela começou a ler a literatura científica sobre imaginação – e depois passou horas vasculhando artigos em busca de relatos históricos sobre como cientistas fizeram experimentos acerca de um conceito tão abstrato. Foi assim que ela se deparou com um estudo de 1910 conduzido pela psicóloga Mary Cheves West Perky.

Perky pediu aos participantes que imaginassem frutas enquanto olhavam para uma parede em branco. Nesse momento, ela secretamente projetava na parede imagens bem fracas dessas frutas – tão fracas que quase não eram visíveis – e perguntava aos participantes se eles estavam vendo alguma coisa. Nenhum deles pensou ter visto algo real, embora tenham comentado como sua imagem imaginada parecia vívida. “Se eu não soubesse que estava imaginando, teria pensado que era de verdade”, disse um participante.

Um estudo de 1910 da psicóloga Mary Cheves West Perky descobriu que, quando nossas percepções correspondem ao que estamos imaginando, assumimos que suas entradas são imaginárias. Foto: https://doi.org/10.2307/1413350
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A conclusão de Perky foi: quando nossa percepção de algo corresponde ao que sabemos que estamos imaginando, concluímos que é imaginário. Com o tempo, essa conclusão veio a ser conhecida na psicologia como o Efeito Perky. “É um grande clássico”, disse Bence Nanay, professor de psicologia filosófica da Universidade de Antuérpia. Virou uma espécie de “coisa obrigatória para quem escreve sobre imagens dar pitacos a respeito do experimento de Perky”.

Na década de 1970, a pesquisadora de psicologia Sydney Joelson Segal renovou o interesse pelo trabalho de Perky atualizando e modificando o experimento. Em um estudo subsequente, Segal pediu aos participantes que imaginassem algo, como o horizonte da cidade de Nova York, enquanto projetava algo mais fraco na parede – como um tomate. O que os participantes viram foi uma mistura da imagem imaginada com a real, como o horizonte da cidade de Nova York ao pôr do sol. As descobertas de Segal sugeriram que a percepção e a imaginação às vezes podem “se misturar, literalmente”, disse Nanay.

Nem todos os estudos que visavam replicar as descobertas de Perky foram bem-sucedidos. Alguns deles fizeram testes repetidos com os participantes, o que confundiu os resultados: quando as pessoas sabem o que você está tentando testar, elas tendem a mudar as respostas para o que acham que é correto, disse Naselaris.

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Então Dijkstra, sob a direção de Steve Fleming, especialista em metacognição da University College London, montou uma versão moderna do experimento que evitou o problema. Em seu estudo, os participantes não tiveram a chance de editar suas respostas porque foram testados apenas uma vez. O trabalho modelou e examinou o Efeito Perky e duas outras hipóteses concorrentes sobre como o cérebro diferencia a realidade da imaginação.

Redes de avaliação

Uma dessas hipóteses diz que o cérebro usa as mesmas redes para a realidade e a imaginação, mas que os exames cerebrais de ressonância magnética funcional não têm resolução alta o suficiente para os neurocientistas discernirem as diferenças na maneira como as redes são usadas. Um dos estudos de Muckli, por exemplo, sugere que no córtex visual do cérebro, responsável por processar as imagens, as experiências imaginárias são codificadas em uma camada mais superficial do que as experiências reais.

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Diante das imagens funcionais do cérebro, “ficamos apertando os olhos”, disse Muckli. Dentro de cada equivalente a um pixel em uma varredura cerebral, existem cerca de mil neurônios, e não conseguimos enxergar o que cada um está fazendo.

A outra hipótese, sugerida por estudos conduzidos por Joel Pearson na Universidade de New South Wales, é que os mesmos caminhos no cérebro codificam tanto a imaginação quanto a percepção, mas a imaginação é apenas uma forma mais fraca de percepção.

Nadine Dijkstra, pesquisadora de pós-doutorado da University College London, liderou o novo estudo que investigou como o cérebro distingue entre o que é realmente percebido e o que é imaginado. Foto: Arquivo Pessoal

Durante os lockdowns pandêmicos, Dijkstra e Fleming recrutaram pessoas para um estudo online. Quatrocentos participantes foram instruídos a olhar para uma série de imagens cheias de estática e imaginar linhas diagonais inclinadas para a direita ou para a esquerda. Entre cada tentativa, solicitou-se aos participantes que avaliassem o quão vívidas eram as imagens em uma escala de 1 a 5. O que os participantes não sabiam era que, na última tentativa, os pesquisadores aumentavam lentamente a intensidade de uma imagem fraca de linhas diagonais projetadas – inclinadas na direção que os participantes deveriam imaginar ou na direção oposta. Os pesquisadores então perguntavam aos participantes se o que eles estavam vendo era real ou imaginário.

Dijkstra esperava encontrar o Efeito Perky – esperava que, quando a imagem imaginada combinasse com a projetada, os participantes vissem a projeção como produto de sua imaginação. Em vez disso, os participantes foram muito mais propensos a pensar que a imagem estava lá de verdade.

No entanto, houve pelo menos um eco do Efeito Perky nos resultados: os participantes que pensaram que a imagem estava lá a viram com mais vividez do que os participantes que pensaram que era tudo imaginação.

Em um segundo experimento, Dijkstra e sua equipe não projetaram imagens durante o último teste. Mas o resultado foi o mesmo: as pessoas que classificaram o que estavam vendo como mais vívido também foram mais propensas a classificá-lo como real.

As observações sugerem que as imagens imaginadas e as percebidas de fato se misturam, disse Dijkstra. “Quando esse sinal misto é bem forte ou vívido, pensamos que reflete a realidade”. É provável que haja algum limite acima do qual os sinais visuais pareçam reais para o cérebro e abaixo do qual eles pareçam imaginários, disse ela. Mas também pode haver um continuum mais gradual.

Para saber o que está acontecendo dentro de um cérebro que tenta distinguir a realidade da imaginação, os pesquisadores reanalisaram as varreduras cerebrais de um estudo anterior, no qual 35 participantes imaginaram e perceberam vividamente várias imagens, de galos a regadores.

Fazendo comparações com outros estudos, eles descobriram que os padrões de atividade no córtex visual nos dois cenários eram muito semelhantes. “As imagens vívidas são mais parecidas com a percepção. Mas não está muito claro se a percepção fraca é mais parecida com as imagens”, disse Dijkstra. Havia indícios de que olhar para uma imagem fraca poderia produzir um padrão semelhante ao da imaginação, mas as diferenças não eram significativas e precisam ser examinadas mais a fundo.

Varreduras da função cerebral mostram que imagens imaginadas e percebidas desencadeiam padrões de atividade semelhantes, mas os sinais são mais fracos para os imaginados (à esquerda). Foto: Nadine Dijkstra

O que está claro é que o cérebro tem de ser capaz de regular com precisão a força de uma imagem mental para evitar confusão entre fantasia e realidade. “O cérebro precisa realizar esse ato de equilíbrio muito cuidadoso”, disse Naselaris. “Em certo sentido, ele interpreta as imagens mentais tão literalmente quanto interpreta as imagens visuais”.

Eles descobriram que a força do sinal pode ser lida ou regulada no córtex frontal, que analisa emoções e memórias (entre outras funções). Mas ainda não está claro o que determina a vividez de uma imagem mental ou a diferença entre a força do sinal da imagem e o limiar de realidade. Pode ser um neurotransmissor, ou alterações nas conexões neuronais ou algo totalmente diferente, disse Naselaris.

Pode até ser um subconjunto diferente e não identificado de neurônios que define o limiar de realidade e dita se um sinal deve seguir por um caminho para imagens imaginárias ou um caminho para imagens genuinamente percebidas – uma descoberta que juntaria a primeira e a terceira hipóteses, disse Muckli.

Embora as descobertas sejam diferentes de seus resultados, que sustentam a primeira hipótese, Muckli gosta da linha de raciocínio delas. É um “artigo animador”, disse ele. É uma “conclusão intrigante”.

Mas a imaginação é um processo que envolve muito mais do que apenas olhar para algumas linhas em um fundo de estática, disse Peter Tse, professor de neurociência cognitiva no Dartmouth College. Imaginação, disse ele, é a capacidade de ver o que tem na geladeira e decidir o que fazer para o jantar, ou (se você for os irmãos Wright) pegar uma hélice, espetá-la em uma asa e imaginá-la voando.

As diferenças entre as descobertas de Perky e as de Dijkstra podem ser inteiramente atribuídas a diferenças em seus procedimentos. Mas elas também sugerem outra possibilidade: talvez estejamos percebendo o mundo de maneira diferente de nossos ancestrais.

Seu estudo não se concentrou na crença na realidade de uma imagem, foi mais sobre a “sensação” da realidade, disse Dijkstra. Os autores especulam que, como imagens projetadas, vídeos e outras representações da realidade são comuns no século 21, nossos cérebros podem ter aprendido a avaliar a realidade de maneira um pouco diferente do que as pessoas faziam apenas um século atrás.

Embora os participantes desse experimento “não esperassem ver algo, ainda seria algo mais provável do que se você vivesse em 1910 e nunca tivesse visto um projetor na vida”, disse Dijkstra. Hoje, o limiar de realidade provavelmente é muito menor do que no passado, então talvez seja necessária uma imagem imaginada muito mais vívida para ultrapassar o limiar e confundir o cérebro.

Uma base para alucinações

As descobertas abrem questões sobre se o mecanismo pode ser relevante para uma ampla gama de problemas nos quais a diferença entre imaginação e percepção se dissolve. Dijkstra especula, por exemplo, que, quando as pessoas começam a cair no sono e a realidade começa a se misturar com o mundo dos sonhos, seu limiar de realidade pode estar diminuindo. Em transtornos como a esquizofrenia, onde há um “colapso geral da realidade”, talvez haja um problema de calibragem, disse Dijkstra.

“Na psicose, pode ser que as imagens sejam tão boas que atingem esse limiar, ou pode ser que o limiar esteja errado”, disse Karolina Lempert, professora assistente de psicologia na Universidade Adelphi, que não esteve envolvida no estudo. Alguns estudos descobriram que, em pessoas que alucinam, há uma espécie de hiperatividade sensorial, o que sugere que o sinal da imagem é mais intenso. Mas é necessário fazer mais pesquisas para estabelecer o mecanismo pelo qual surgem as alucinações, acrescentou ela. “Afinal, a maioria das pessoas que experimentam imagens vívidas não tem alucinações”.

Nanay acha que seria interessante estudar os limiares de realidade de pessoas que têm hiperfantasia, uma imaginação extremamente vívida que muitas vezes as faz confundir fantasia e realidade. Da mesma forma, há situações em que as pessoas sofrem de experiências imaginárias muito fortes que sabem que não são reais, como alucinações com drogas ou sonhos lúcidos. Em problemas como o transtorno de estresse pós-traumático, as pessoas geralmente “começam a ver coisas que não queriam ver”, que parecem mais reais do que deveriam, disse Dijkstra.

Alguns desses problemas podem ter a ver com falhas nos mecanismos cerebrais que normalmente ajudam a fazer essas distinções. Dijkstra acha que pode ser proveitoso olhar para os limiares de realidade de pessoas que têm afantasia, a incapacidade de imaginar conscientemente imagens mentais.

Os mecanismos pelos quais o cérebro distingue o que é real do que é imaginário também podem ter a ver com a forma como ele distingue entre imagens reais e falsas (não autênticas). Em um mundo onde as simulações estão se aproximando da realidade, distinguir entre imagens reais e falsas será cada vez mais desafiador, disse Lempert. “Acho que talvez seja uma questão mais importante do que nunca”.

Dijkstra e sua equipe agora estão trabalhando para adaptar seu experimento para funcionar em um scanner cerebral. “Agora que o lockdown acabou, quero dar uma olhada nos cérebros de novo”, disse ela.

Com o tempo, ela espera descobrir se é possível manipular esse sistema para deixar a imaginação mais real. Por exemplo, realidade virtual e implantes neurais estão sendo cogitados para tratamentos médicos, como ajudar cegos a voltar a enxergar. A capacidade de fazer com que as experiências pareçam mais ou menos reais, disse ela, pode ser muito importante para essas aplicações.

Não é de se estranhar, visto que a realidade é uma construção do cérebro.

“Dentro do nosso crânio, tudo é inventado”, disse Muckli. “Construímos todo o mundo, com toda a sua riqueza de detalhes, cores, sons, conteúdo e emoção. Tudo isso é criado por nossos neurônios”.

Isso significa que a realidade de uma pessoa é diferente da realidade de outra, disse Dijkstra: “A linha entre imaginação e realidade é bem tênue”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Is It Real or Imagined? How Your Brain Tells the Difference.

Raramente confundimos as imagens que passam por nossa imaginação como percepções da realidade, embora as mesmas áreas do cérebro processem ambas. Foto: Señor Salme/Quanta Magazine

QUANTA MAGAZINE - Isto aqui é vida real? Ou é só fantasia?

Esses não são apenas versos de Bohemian Rhapsody, música do Queen. São também as perguntas a que o cérebro precisa responder o tempo todo ao processar fluxos de sinais visuais dos olhos e imagens puramente mentais que ficam borbulhando na imaginação. Estudos de varredura cerebral concluíram repetidas vezes que ver algo e imaginar algo gera padrões de atividade neural muito semelhantes. Mas, para a maioria de nós, as experiências subjetivas que se produzem são muito diferentes.

“Se quiser, posso olhar pela janela agora e imaginar um unicórnio galopando na rua”, disse Thomas Naselaris, professor associado da Universidade de Minnesota. A rua pareceria de verdade e o unicórnio, não. “É muito claro para mim”, disse ele. Saber que os unicórnios são figuras míticas quase não tem a ver com isso: um simples cavalo branco imaginário pareceria igualmente irreal.

Mas então, “por que não estamos sempre alucinando?”, perguntou Nadine Dijkstra, pós-doutoranda da University College London. Um estudo que ela liderou, publicado recentemente na Nature Communications, traz uma resposta intrigante: o cérebro avalia as imagens que está processando segundo um “limiar de realidade”. Se o sinal cruza o limiar, o cérebro pensa que é real; se não cruza, o cérebro pensa que é imaginação.

Esse sistema funciona bem na maioria das vezes porque os sinais imaginários geralmente são fracos. Mas, se um sinal imaginado é forte o suficiente para cruzar o limiar, o cérebro o interpreta como realidade.

Embora o cérebro seja muito competente para avaliar as imagens da mente, parece que “esse tipo de verificação da realidade é um grande desafio”, disse Lars Muckli, professor de neurociências visuais e cognitivas da Universidade de Glasgow. As novas descobertas levantam questões sobre se variações ou alterações nesse sistema podem levar a alucinações, pensamentos intrusivos ou mesmo sonhos.

“Eles fizeram um ótimo trabalho, na minha opinião, ao pegar uma questão sobre a qual os filósofos vêm debatendo há séculos e definir modelos com resultados previsíveis e testáveis”, disse Naselaris.

Quando percepção e imaginação se misturam

O estudo de imagens imaginadas de Dijkstra nasceu nos primeiros dias da pandemia de covid-19, quando quarentenas e lockdowns interromperam sua agenda de trabalho. Entediada, ela começou a ler a literatura científica sobre imaginação – e depois passou horas vasculhando artigos em busca de relatos históricos sobre como cientistas fizeram experimentos acerca de um conceito tão abstrato. Foi assim que ela se deparou com um estudo de 1910 conduzido pela psicóloga Mary Cheves West Perky.

Perky pediu aos participantes que imaginassem frutas enquanto olhavam para uma parede em branco. Nesse momento, ela secretamente projetava na parede imagens bem fracas dessas frutas – tão fracas que quase não eram visíveis – e perguntava aos participantes se eles estavam vendo alguma coisa. Nenhum deles pensou ter visto algo real, embora tenham comentado como sua imagem imaginada parecia vívida. “Se eu não soubesse que estava imaginando, teria pensado que era de verdade”, disse um participante.

Um estudo de 1910 da psicóloga Mary Cheves West Perky descobriu que, quando nossas percepções correspondem ao que estamos imaginando, assumimos que suas entradas são imaginárias. Foto: https://doi.org/10.2307/1413350

A conclusão de Perky foi: quando nossa percepção de algo corresponde ao que sabemos que estamos imaginando, concluímos que é imaginário. Com o tempo, essa conclusão veio a ser conhecida na psicologia como o Efeito Perky. “É um grande clássico”, disse Bence Nanay, professor de psicologia filosófica da Universidade de Antuérpia. Virou uma espécie de “coisa obrigatória para quem escreve sobre imagens dar pitacos a respeito do experimento de Perky”.

Na década de 1970, a pesquisadora de psicologia Sydney Joelson Segal renovou o interesse pelo trabalho de Perky atualizando e modificando o experimento. Em um estudo subsequente, Segal pediu aos participantes que imaginassem algo, como o horizonte da cidade de Nova York, enquanto projetava algo mais fraco na parede – como um tomate. O que os participantes viram foi uma mistura da imagem imaginada com a real, como o horizonte da cidade de Nova York ao pôr do sol. As descobertas de Segal sugeriram que a percepção e a imaginação às vezes podem “se misturar, literalmente”, disse Nanay.

Nem todos os estudos que visavam replicar as descobertas de Perky foram bem-sucedidos. Alguns deles fizeram testes repetidos com os participantes, o que confundiu os resultados: quando as pessoas sabem o que você está tentando testar, elas tendem a mudar as respostas para o que acham que é correto, disse Naselaris.

Então Dijkstra, sob a direção de Steve Fleming, especialista em metacognição da University College London, montou uma versão moderna do experimento que evitou o problema. Em seu estudo, os participantes não tiveram a chance de editar suas respostas porque foram testados apenas uma vez. O trabalho modelou e examinou o Efeito Perky e duas outras hipóteses concorrentes sobre como o cérebro diferencia a realidade da imaginação.

Redes de avaliação

Uma dessas hipóteses diz que o cérebro usa as mesmas redes para a realidade e a imaginação, mas que os exames cerebrais de ressonância magnética funcional não têm resolução alta o suficiente para os neurocientistas discernirem as diferenças na maneira como as redes são usadas. Um dos estudos de Muckli, por exemplo, sugere que no córtex visual do cérebro, responsável por processar as imagens, as experiências imaginárias são codificadas em uma camada mais superficial do que as experiências reais.

Diante das imagens funcionais do cérebro, “ficamos apertando os olhos”, disse Muckli. Dentro de cada equivalente a um pixel em uma varredura cerebral, existem cerca de mil neurônios, e não conseguimos enxergar o que cada um está fazendo.

A outra hipótese, sugerida por estudos conduzidos por Joel Pearson na Universidade de New South Wales, é que os mesmos caminhos no cérebro codificam tanto a imaginação quanto a percepção, mas a imaginação é apenas uma forma mais fraca de percepção.

Nadine Dijkstra, pesquisadora de pós-doutorado da University College London, liderou o novo estudo que investigou como o cérebro distingue entre o que é realmente percebido e o que é imaginado. Foto: Arquivo Pessoal

Durante os lockdowns pandêmicos, Dijkstra e Fleming recrutaram pessoas para um estudo online. Quatrocentos participantes foram instruídos a olhar para uma série de imagens cheias de estática e imaginar linhas diagonais inclinadas para a direita ou para a esquerda. Entre cada tentativa, solicitou-se aos participantes que avaliassem o quão vívidas eram as imagens em uma escala de 1 a 5. O que os participantes não sabiam era que, na última tentativa, os pesquisadores aumentavam lentamente a intensidade de uma imagem fraca de linhas diagonais projetadas – inclinadas na direção que os participantes deveriam imaginar ou na direção oposta. Os pesquisadores então perguntavam aos participantes se o que eles estavam vendo era real ou imaginário.

Dijkstra esperava encontrar o Efeito Perky – esperava que, quando a imagem imaginada combinasse com a projetada, os participantes vissem a projeção como produto de sua imaginação. Em vez disso, os participantes foram muito mais propensos a pensar que a imagem estava lá de verdade.

No entanto, houve pelo menos um eco do Efeito Perky nos resultados: os participantes que pensaram que a imagem estava lá a viram com mais vividez do que os participantes que pensaram que era tudo imaginação.

Em um segundo experimento, Dijkstra e sua equipe não projetaram imagens durante o último teste. Mas o resultado foi o mesmo: as pessoas que classificaram o que estavam vendo como mais vívido também foram mais propensas a classificá-lo como real.

As observações sugerem que as imagens imaginadas e as percebidas de fato se misturam, disse Dijkstra. “Quando esse sinal misto é bem forte ou vívido, pensamos que reflete a realidade”. É provável que haja algum limite acima do qual os sinais visuais pareçam reais para o cérebro e abaixo do qual eles pareçam imaginários, disse ela. Mas também pode haver um continuum mais gradual.

Para saber o que está acontecendo dentro de um cérebro que tenta distinguir a realidade da imaginação, os pesquisadores reanalisaram as varreduras cerebrais de um estudo anterior, no qual 35 participantes imaginaram e perceberam vividamente várias imagens, de galos a regadores.

Fazendo comparações com outros estudos, eles descobriram que os padrões de atividade no córtex visual nos dois cenários eram muito semelhantes. “As imagens vívidas são mais parecidas com a percepção. Mas não está muito claro se a percepção fraca é mais parecida com as imagens”, disse Dijkstra. Havia indícios de que olhar para uma imagem fraca poderia produzir um padrão semelhante ao da imaginação, mas as diferenças não eram significativas e precisam ser examinadas mais a fundo.

Varreduras da função cerebral mostram que imagens imaginadas e percebidas desencadeiam padrões de atividade semelhantes, mas os sinais são mais fracos para os imaginados (à esquerda). Foto: Nadine Dijkstra

O que está claro é que o cérebro tem de ser capaz de regular com precisão a força de uma imagem mental para evitar confusão entre fantasia e realidade. “O cérebro precisa realizar esse ato de equilíbrio muito cuidadoso”, disse Naselaris. “Em certo sentido, ele interpreta as imagens mentais tão literalmente quanto interpreta as imagens visuais”.

Eles descobriram que a força do sinal pode ser lida ou regulada no córtex frontal, que analisa emoções e memórias (entre outras funções). Mas ainda não está claro o que determina a vividez de uma imagem mental ou a diferença entre a força do sinal da imagem e o limiar de realidade. Pode ser um neurotransmissor, ou alterações nas conexões neuronais ou algo totalmente diferente, disse Naselaris.

Pode até ser um subconjunto diferente e não identificado de neurônios que define o limiar de realidade e dita se um sinal deve seguir por um caminho para imagens imaginárias ou um caminho para imagens genuinamente percebidas – uma descoberta que juntaria a primeira e a terceira hipóteses, disse Muckli.

Embora as descobertas sejam diferentes de seus resultados, que sustentam a primeira hipótese, Muckli gosta da linha de raciocínio delas. É um “artigo animador”, disse ele. É uma “conclusão intrigante”.

Mas a imaginação é um processo que envolve muito mais do que apenas olhar para algumas linhas em um fundo de estática, disse Peter Tse, professor de neurociência cognitiva no Dartmouth College. Imaginação, disse ele, é a capacidade de ver o que tem na geladeira e decidir o que fazer para o jantar, ou (se você for os irmãos Wright) pegar uma hélice, espetá-la em uma asa e imaginá-la voando.

As diferenças entre as descobertas de Perky e as de Dijkstra podem ser inteiramente atribuídas a diferenças em seus procedimentos. Mas elas também sugerem outra possibilidade: talvez estejamos percebendo o mundo de maneira diferente de nossos ancestrais.

Seu estudo não se concentrou na crença na realidade de uma imagem, foi mais sobre a “sensação” da realidade, disse Dijkstra. Os autores especulam que, como imagens projetadas, vídeos e outras representações da realidade são comuns no século 21, nossos cérebros podem ter aprendido a avaliar a realidade de maneira um pouco diferente do que as pessoas faziam apenas um século atrás.

Embora os participantes desse experimento “não esperassem ver algo, ainda seria algo mais provável do que se você vivesse em 1910 e nunca tivesse visto um projetor na vida”, disse Dijkstra. Hoje, o limiar de realidade provavelmente é muito menor do que no passado, então talvez seja necessária uma imagem imaginada muito mais vívida para ultrapassar o limiar e confundir o cérebro.

Uma base para alucinações

As descobertas abrem questões sobre se o mecanismo pode ser relevante para uma ampla gama de problemas nos quais a diferença entre imaginação e percepção se dissolve. Dijkstra especula, por exemplo, que, quando as pessoas começam a cair no sono e a realidade começa a se misturar com o mundo dos sonhos, seu limiar de realidade pode estar diminuindo. Em transtornos como a esquizofrenia, onde há um “colapso geral da realidade”, talvez haja um problema de calibragem, disse Dijkstra.

“Na psicose, pode ser que as imagens sejam tão boas que atingem esse limiar, ou pode ser que o limiar esteja errado”, disse Karolina Lempert, professora assistente de psicologia na Universidade Adelphi, que não esteve envolvida no estudo. Alguns estudos descobriram que, em pessoas que alucinam, há uma espécie de hiperatividade sensorial, o que sugere que o sinal da imagem é mais intenso. Mas é necessário fazer mais pesquisas para estabelecer o mecanismo pelo qual surgem as alucinações, acrescentou ela. “Afinal, a maioria das pessoas que experimentam imagens vívidas não tem alucinações”.

Nanay acha que seria interessante estudar os limiares de realidade de pessoas que têm hiperfantasia, uma imaginação extremamente vívida que muitas vezes as faz confundir fantasia e realidade. Da mesma forma, há situações em que as pessoas sofrem de experiências imaginárias muito fortes que sabem que não são reais, como alucinações com drogas ou sonhos lúcidos. Em problemas como o transtorno de estresse pós-traumático, as pessoas geralmente “começam a ver coisas que não queriam ver”, que parecem mais reais do que deveriam, disse Dijkstra.

Alguns desses problemas podem ter a ver com falhas nos mecanismos cerebrais que normalmente ajudam a fazer essas distinções. Dijkstra acha que pode ser proveitoso olhar para os limiares de realidade de pessoas que têm afantasia, a incapacidade de imaginar conscientemente imagens mentais.

Os mecanismos pelos quais o cérebro distingue o que é real do que é imaginário também podem ter a ver com a forma como ele distingue entre imagens reais e falsas (não autênticas). Em um mundo onde as simulações estão se aproximando da realidade, distinguir entre imagens reais e falsas será cada vez mais desafiador, disse Lempert. “Acho que talvez seja uma questão mais importante do que nunca”.

Dijkstra e sua equipe agora estão trabalhando para adaptar seu experimento para funcionar em um scanner cerebral. “Agora que o lockdown acabou, quero dar uma olhada nos cérebros de novo”, disse ela.

Com o tempo, ela espera descobrir se é possível manipular esse sistema para deixar a imaginação mais real. Por exemplo, realidade virtual e implantes neurais estão sendo cogitados para tratamentos médicos, como ajudar cegos a voltar a enxergar. A capacidade de fazer com que as experiências pareçam mais ou menos reais, disse ela, pode ser muito importante para essas aplicações.

Não é de se estranhar, visto que a realidade é uma construção do cérebro.

“Dentro do nosso crânio, tudo é inventado”, disse Muckli. “Construímos todo o mundo, com toda a sua riqueza de detalhes, cores, sons, conteúdo e emoção. Tudo isso é criado por nossos neurônios”.

Isso significa que a realidade de uma pessoa é diferente da realidade de outra, disse Dijkstra: “A linha entre imaginação e realidade é bem tênue”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Is It Real or Imagined? How Your Brain Tells the Difference.

Raramente confundimos as imagens que passam por nossa imaginação como percepções da realidade, embora as mesmas áreas do cérebro processem ambas. Foto: Señor Salme/Quanta Magazine

QUANTA MAGAZINE - Isto aqui é vida real? Ou é só fantasia?

Esses não são apenas versos de Bohemian Rhapsody, música do Queen. São também as perguntas a que o cérebro precisa responder o tempo todo ao processar fluxos de sinais visuais dos olhos e imagens puramente mentais que ficam borbulhando na imaginação. Estudos de varredura cerebral concluíram repetidas vezes que ver algo e imaginar algo gera padrões de atividade neural muito semelhantes. Mas, para a maioria de nós, as experiências subjetivas que se produzem são muito diferentes.

“Se quiser, posso olhar pela janela agora e imaginar um unicórnio galopando na rua”, disse Thomas Naselaris, professor associado da Universidade de Minnesota. A rua pareceria de verdade e o unicórnio, não. “É muito claro para mim”, disse ele. Saber que os unicórnios são figuras míticas quase não tem a ver com isso: um simples cavalo branco imaginário pareceria igualmente irreal.

Mas então, “por que não estamos sempre alucinando?”, perguntou Nadine Dijkstra, pós-doutoranda da University College London. Um estudo que ela liderou, publicado recentemente na Nature Communications, traz uma resposta intrigante: o cérebro avalia as imagens que está processando segundo um “limiar de realidade”. Se o sinal cruza o limiar, o cérebro pensa que é real; se não cruza, o cérebro pensa que é imaginação.

Esse sistema funciona bem na maioria das vezes porque os sinais imaginários geralmente são fracos. Mas, se um sinal imaginado é forte o suficiente para cruzar o limiar, o cérebro o interpreta como realidade.

Embora o cérebro seja muito competente para avaliar as imagens da mente, parece que “esse tipo de verificação da realidade é um grande desafio”, disse Lars Muckli, professor de neurociências visuais e cognitivas da Universidade de Glasgow. As novas descobertas levantam questões sobre se variações ou alterações nesse sistema podem levar a alucinações, pensamentos intrusivos ou mesmo sonhos.

“Eles fizeram um ótimo trabalho, na minha opinião, ao pegar uma questão sobre a qual os filósofos vêm debatendo há séculos e definir modelos com resultados previsíveis e testáveis”, disse Naselaris.

Quando percepção e imaginação se misturam

O estudo de imagens imaginadas de Dijkstra nasceu nos primeiros dias da pandemia de covid-19, quando quarentenas e lockdowns interromperam sua agenda de trabalho. Entediada, ela começou a ler a literatura científica sobre imaginação – e depois passou horas vasculhando artigos em busca de relatos históricos sobre como cientistas fizeram experimentos acerca de um conceito tão abstrato. Foi assim que ela se deparou com um estudo de 1910 conduzido pela psicóloga Mary Cheves West Perky.

Perky pediu aos participantes que imaginassem frutas enquanto olhavam para uma parede em branco. Nesse momento, ela secretamente projetava na parede imagens bem fracas dessas frutas – tão fracas que quase não eram visíveis – e perguntava aos participantes se eles estavam vendo alguma coisa. Nenhum deles pensou ter visto algo real, embora tenham comentado como sua imagem imaginada parecia vívida. “Se eu não soubesse que estava imaginando, teria pensado que era de verdade”, disse um participante.

Um estudo de 1910 da psicóloga Mary Cheves West Perky descobriu que, quando nossas percepções correspondem ao que estamos imaginando, assumimos que suas entradas são imaginárias. Foto: https://doi.org/10.2307/1413350

A conclusão de Perky foi: quando nossa percepção de algo corresponde ao que sabemos que estamos imaginando, concluímos que é imaginário. Com o tempo, essa conclusão veio a ser conhecida na psicologia como o Efeito Perky. “É um grande clássico”, disse Bence Nanay, professor de psicologia filosófica da Universidade de Antuérpia. Virou uma espécie de “coisa obrigatória para quem escreve sobre imagens dar pitacos a respeito do experimento de Perky”.

Na década de 1970, a pesquisadora de psicologia Sydney Joelson Segal renovou o interesse pelo trabalho de Perky atualizando e modificando o experimento. Em um estudo subsequente, Segal pediu aos participantes que imaginassem algo, como o horizonte da cidade de Nova York, enquanto projetava algo mais fraco na parede – como um tomate. O que os participantes viram foi uma mistura da imagem imaginada com a real, como o horizonte da cidade de Nova York ao pôr do sol. As descobertas de Segal sugeriram que a percepção e a imaginação às vezes podem “se misturar, literalmente”, disse Nanay.

Nem todos os estudos que visavam replicar as descobertas de Perky foram bem-sucedidos. Alguns deles fizeram testes repetidos com os participantes, o que confundiu os resultados: quando as pessoas sabem o que você está tentando testar, elas tendem a mudar as respostas para o que acham que é correto, disse Naselaris.

Então Dijkstra, sob a direção de Steve Fleming, especialista em metacognição da University College London, montou uma versão moderna do experimento que evitou o problema. Em seu estudo, os participantes não tiveram a chance de editar suas respostas porque foram testados apenas uma vez. O trabalho modelou e examinou o Efeito Perky e duas outras hipóteses concorrentes sobre como o cérebro diferencia a realidade da imaginação.

Redes de avaliação

Uma dessas hipóteses diz que o cérebro usa as mesmas redes para a realidade e a imaginação, mas que os exames cerebrais de ressonância magnética funcional não têm resolução alta o suficiente para os neurocientistas discernirem as diferenças na maneira como as redes são usadas. Um dos estudos de Muckli, por exemplo, sugere que no córtex visual do cérebro, responsável por processar as imagens, as experiências imaginárias são codificadas em uma camada mais superficial do que as experiências reais.

Diante das imagens funcionais do cérebro, “ficamos apertando os olhos”, disse Muckli. Dentro de cada equivalente a um pixel em uma varredura cerebral, existem cerca de mil neurônios, e não conseguimos enxergar o que cada um está fazendo.

A outra hipótese, sugerida por estudos conduzidos por Joel Pearson na Universidade de New South Wales, é que os mesmos caminhos no cérebro codificam tanto a imaginação quanto a percepção, mas a imaginação é apenas uma forma mais fraca de percepção.

Nadine Dijkstra, pesquisadora de pós-doutorado da University College London, liderou o novo estudo que investigou como o cérebro distingue entre o que é realmente percebido e o que é imaginado. Foto: Arquivo Pessoal

Durante os lockdowns pandêmicos, Dijkstra e Fleming recrutaram pessoas para um estudo online. Quatrocentos participantes foram instruídos a olhar para uma série de imagens cheias de estática e imaginar linhas diagonais inclinadas para a direita ou para a esquerda. Entre cada tentativa, solicitou-se aos participantes que avaliassem o quão vívidas eram as imagens em uma escala de 1 a 5. O que os participantes não sabiam era que, na última tentativa, os pesquisadores aumentavam lentamente a intensidade de uma imagem fraca de linhas diagonais projetadas – inclinadas na direção que os participantes deveriam imaginar ou na direção oposta. Os pesquisadores então perguntavam aos participantes se o que eles estavam vendo era real ou imaginário.

Dijkstra esperava encontrar o Efeito Perky – esperava que, quando a imagem imaginada combinasse com a projetada, os participantes vissem a projeção como produto de sua imaginação. Em vez disso, os participantes foram muito mais propensos a pensar que a imagem estava lá de verdade.

No entanto, houve pelo menos um eco do Efeito Perky nos resultados: os participantes que pensaram que a imagem estava lá a viram com mais vividez do que os participantes que pensaram que era tudo imaginação.

Em um segundo experimento, Dijkstra e sua equipe não projetaram imagens durante o último teste. Mas o resultado foi o mesmo: as pessoas que classificaram o que estavam vendo como mais vívido também foram mais propensas a classificá-lo como real.

As observações sugerem que as imagens imaginadas e as percebidas de fato se misturam, disse Dijkstra. “Quando esse sinal misto é bem forte ou vívido, pensamos que reflete a realidade”. É provável que haja algum limite acima do qual os sinais visuais pareçam reais para o cérebro e abaixo do qual eles pareçam imaginários, disse ela. Mas também pode haver um continuum mais gradual.

Para saber o que está acontecendo dentro de um cérebro que tenta distinguir a realidade da imaginação, os pesquisadores reanalisaram as varreduras cerebrais de um estudo anterior, no qual 35 participantes imaginaram e perceberam vividamente várias imagens, de galos a regadores.

Fazendo comparações com outros estudos, eles descobriram que os padrões de atividade no córtex visual nos dois cenários eram muito semelhantes. “As imagens vívidas são mais parecidas com a percepção. Mas não está muito claro se a percepção fraca é mais parecida com as imagens”, disse Dijkstra. Havia indícios de que olhar para uma imagem fraca poderia produzir um padrão semelhante ao da imaginação, mas as diferenças não eram significativas e precisam ser examinadas mais a fundo.

Varreduras da função cerebral mostram que imagens imaginadas e percebidas desencadeiam padrões de atividade semelhantes, mas os sinais são mais fracos para os imaginados (à esquerda). Foto: Nadine Dijkstra

O que está claro é que o cérebro tem de ser capaz de regular com precisão a força de uma imagem mental para evitar confusão entre fantasia e realidade. “O cérebro precisa realizar esse ato de equilíbrio muito cuidadoso”, disse Naselaris. “Em certo sentido, ele interpreta as imagens mentais tão literalmente quanto interpreta as imagens visuais”.

Eles descobriram que a força do sinal pode ser lida ou regulada no córtex frontal, que analisa emoções e memórias (entre outras funções). Mas ainda não está claro o que determina a vividez de uma imagem mental ou a diferença entre a força do sinal da imagem e o limiar de realidade. Pode ser um neurotransmissor, ou alterações nas conexões neuronais ou algo totalmente diferente, disse Naselaris.

Pode até ser um subconjunto diferente e não identificado de neurônios que define o limiar de realidade e dita se um sinal deve seguir por um caminho para imagens imaginárias ou um caminho para imagens genuinamente percebidas – uma descoberta que juntaria a primeira e a terceira hipóteses, disse Muckli.

Embora as descobertas sejam diferentes de seus resultados, que sustentam a primeira hipótese, Muckli gosta da linha de raciocínio delas. É um “artigo animador”, disse ele. É uma “conclusão intrigante”.

Mas a imaginação é um processo que envolve muito mais do que apenas olhar para algumas linhas em um fundo de estática, disse Peter Tse, professor de neurociência cognitiva no Dartmouth College. Imaginação, disse ele, é a capacidade de ver o que tem na geladeira e decidir o que fazer para o jantar, ou (se você for os irmãos Wright) pegar uma hélice, espetá-la em uma asa e imaginá-la voando.

As diferenças entre as descobertas de Perky e as de Dijkstra podem ser inteiramente atribuídas a diferenças em seus procedimentos. Mas elas também sugerem outra possibilidade: talvez estejamos percebendo o mundo de maneira diferente de nossos ancestrais.

Seu estudo não se concentrou na crença na realidade de uma imagem, foi mais sobre a “sensação” da realidade, disse Dijkstra. Os autores especulam que, como imagens projetadas, vídeos e outras representações da realidade são comuns no século 21, nossos cérebros podem ter aprendido a avaliar a realidade de maneira um pouco diferente do que as pessoas faziam apenas um século atrás.

Embora os participantes desse experimento “não esperassem ver algo, ainda seria algo mais provável do que se você vivesse em 1910 e nunca tivesse visto um projetor na vida”, disse Dijkstra. Hoje, o limiar de realidade provavelmente é muito menor do que no passado, então talvez seja necessária uma imagem imaginada muito mais vívida para ultrapassar o limiar e confundir o cérebro.

Uma base para alucinações

As descobertas abrem questões sobre se o mecanismo pode ser relevante para uma ampla gama de problemas nos quais a diferença entre imaginação e percepção se dissolve. Dijkstra especula, por exemplo, que, quando as pessoas começam a cair no sono e a realidade começa a se misturar com o mundo dos sonhos, seu limiar de realidade pode estar diminuindo. Em transtornos como a esquizofrenia, onde há um “colapso geral da realidade”, talvez haja um problema de calibragem, disse Dijkstra.

“Na psicose, pode ser que as imagens sejam tão boas que atingem esse limiar, ou pode ser que o limiar esteja errado”, disse Karolina Lempert, professora assistente de psicologia na Universidade Adelphi, que não esteve envolvida no estudo. Alguns estudos descobriram que, em pessoas que alucinam, há uma espécie de hiperatividade sensorial, o que sugere que o sinal da imagem é mais intenso. Mas é necessário fazer mais pesquisas para estabelecer o mecanismo pelo qual surgem as alucinações, acrescentou ela. “Afinal, a maioria das pessoas que experimentam imagens vívidas não tem alucinações”.

Nanay acha que seria interessante estudar os limiares de realidade de pessoas que têm hiperfantasia, uma imaginação extremamente vívida que muitas vezes as faz confundir fantasia e realidade. Da mesma forma, há situações em que as pessoas sofrem de experiências imaginárias muito fortes que sabem que não são reais, como alucinações com drogas ou sonhos lúcidos. Em problemas como o transtorno de estresse pós-traumático, as pessoas geralmente “começam a ver coisas que não queriam ver”, que parecem mais reais do que deveriam, disse Dijkstra.

Alguns desses problemas podem ter a ver com falhas nos mecanismos cerebrais que normalmente ajudam a fazer essas distinções. Dijkstra acha que pode ser proveitoso olhar para os limiares de realidade de pessoas que têm afantasia, a incapacidade de imaginar conscientemente imagens mentais.

Os mecanismos pelos quais o cérebro distingue o que é real do que é imaginário também podem ter a ver com a forma como ele distingue entre imagens reais e falsas (não autênticas). Em um mundo onde as simulações estão se aproximando da realidade, distinguir entre imagens reais e falsas será cada vez mais desafiador, disse Lempert. “Acho que talvez seja uma questão mais importante do que nunca”.

Dijkstra e sua equipe agora estão trabalhando para adaptar seu experimento para funcionar em um scanner cerebral. “Agora que o lockdown acabou, quero dar uma olhada nos cérebros de novo”, disse ela.

Com o tempo, ela espera descobrir se é possível manipular esse sistema para deixar a imaginação mais real. Por exemplo, realidade virtual e implantes neurais estão sendo cogitados para tratamentos médicos, como ajudar cegos a voltar a enxergar. A capacidade de fazer com que as experiências pareçam mais ou menos reais, disse ela, pode ser muito importante para essas aplicações.

Não é de se estranhar, visto que a realidade é uma construção do cérebro.

“Dentro do nosso crânio, tudo é inventado”, disse Muckli. “Construímos todo o mundo, com toda a sua riqueza de detalhes, cores, sons, conteúdo e emoção. Tudo isso é criado por nossos neurônios”.

Isso significa que a realidade de uma pessoa é diferente da realidade de outra, disse Dijkstra: “A linha entre imaginação e realidade é bem tênue”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Is It Real or Imagined? How Your Brain Tells the Difference.

Raramente confundimos as imagens que passam por nossa imaginação como percepções da realidade, embora as mesmas áreas do cérebro processem ambas. Foto: Señor Salme/Quanta Magazine

QUANTA MAGAZINE - Isto aqui é vida real? Ou é só fantasia?

Esses não são apenas versos de Bohemian Rhapsody, música do Queen. São também as perguntas a que o cérebro precisa responder o tempo todo ao processar fluxos de sinais visuais dos olhos e imagens puramente mentais que ficam borbulhando na imaginação. Estudos de varredura cerebral concluíram repetidas vezes que ver algo e imaginar algo gera padrões de atividade neural muito semelhantes. Mas, para a maioria de nós, as experiências subjetivas que se produzem são muito diferentes.

“Se quiser, posso olhar pela janela agora e imaginar um unicórnio galopando na rua”, disse Thomas Naselaris, professor associado da Universidade de Minnesota. A rua pareceria de verdade e o unicórnio, não. “É muito claro para mim”, disse ele. Saber que os unicórnios são figuras míticas quase não tem a ver com isso: um simples cavalo branco imaginário pareceria igualmente irreal.

Mas então, “por que não estamos sempre alucinando?”, perguntou Nadine Dijkstra, pós-doutoranda da University College London. Um estudo que ela liderou, publicado recentemente na Nature Communications, traz uma resposta intrigante: o cérebro avalia as imagens que está processando segundo um “limiar de realidade”. Se o sinal cruza o limiar, o cérebro pensa que é real; se não cruza, o cérebro pensa que é imaginação.

Esse sistema funciona bem na maioria das vezes porque os sinais imaginários geralmente são fracos. Mas, se um sinal imaginado é forte o suficiente para cruzar o limiar, o cérebro o interpreta como realidade.

Embora o cérebro seja muito competente para avaliar as imagens da mente, parece que “esse tipo de verificação da realidade é um grande desafio”, disse Lars Muckli, professor de neurociências visuais e cognitivas da Universidade de Glasgow. As novas descobertas levantam questões sobre se variações ou alterações nesse sistema podem levar a alucinações, pensamentos intrusivos ou mesmo sonhos.

“Eles fizeram um ótimo trabalho, na minha opinião, ao pegar uma questão sobre a qual os filósofos vêm debatendo há séculos e definir modelos com resultados previsíveis e testáveis”, disse Naselaris.

Quando percepção e imaginação se misturam

O estudo de imagens imaginadas de Dijkstra nasceu nos primeiros dias da pandemia de covid-19, quando quarentenas e lockdowns interromperam sua agenda de trabalho. Entediada, ela começou a ler a literatura científica sobre imaginação – e depois passou horas vasculhando artigos em busca de relatos históricos sobre como cientistas fizeram experimentos acerca de um conceito tão abstrato. Foi assim que ela se deparou com um estudo de 1910 conduzido pela psicóloga Mary Cheves West Perky.

Perky pediu aos participantes que imaginassem frutas enquanto olhavam para uma parede em branco. Nesse momento, ela secretamente projetava na parede imagens bem fracas dessas frutas – tão fracas que quase não eram visíveis – e perguntava aos participantes se eles estavam vendo alguma coisa. Nenhum deles pensou ter visto algo real, embora tenham comentado como sua imagem imaginada parecia vívida. “Se eu não soubesse que estava imaginando, teria pensado que era de verdade”, disse um participante.

Um estudo de 1910 da psicóloga Mary Cheves West Perky descobriu que, quando nossas percepções correspondem ao que estamos imaginando, assumimos que suas entradas são imaginárias. Foto: https://doi.org/10.2307/1413350

A conclusão de Perky foi: quando nossa percepção de algo corresponde ao que sabemos que estamos imaginando, concluímos que é imaginário. Com o tempo, essa conclusão veio a ser conhecida na psicologia como o Efeito Perky. “É um grande clássico”, disse Bence Nanay, professor de psicologia filosófica da Universidade de Antuérpia. Virou uma espécie de “coisa obrigatória para quem escreve sobre imagens dar pitacos a respeito do experimento de Perky”.

Na década de 1970, a pesquisadora de psicologia Sydney Joelson Segal renovou o interesse pelo trabalho de Perky atualizando e modificando o experimento. Em um estudo subsequente, Segal pediu aos participantes que imaginassem algo, como o horizonte da cidade de Nova York, enquanto projetava algo mais fraco na parede – como um tomate. O que os participantes viram foi uma mistura da imagem imaginada com a real, como o horizonte da cidade de Nova York ao pôr do sol. As descobertas de Segal sugeriram que a percepção e a imaginação às vezes podem “se misturar, literalmente”, disse Nanay.

Nem todos os estudos que visavam replicar as descobertas de Perky foram bem-sucedidos. Alguns deles fizeram testes repetidos com os participantes, o que confundiu os resultados: quando as pessoas sabem o que você está tentando testar, elas tendem a mudar as respostas para o que acham que é correto, disse Naselaris.

Então Dijkstra, sob a direção de Steve Fleming, especialista em metacognição da University College London, montou uma versão moderna do experimento que evitou o problema. Em seu estudo, os participantes não tiveram a chance de editar suas respostas porque foram testados apenas uma vez. O trabalho modelou e examinou o Efeito Perky e duas outras hipóteses concorrentes sobre como o cérebro diferencia a realidade da imaginação.

Redes de avaliação

Uma dessas hipóteses diz que o cérebro usa as mesmas redes para a realidade e a imaginação, mas que os exames cerebrais de ressonância magnética funcional não têm resolução alta o suficiente para os neurocientistas discernirem as diferenças na maneira como as redes são usadas. Um dos estudos de Muckli, por exemplo, sugere que no córtex visual do cérebro, responsável por processar as imagens, as experiências imaginárias são codificadas em uma camada mais superficial do que as experiências reais.

Diante das imagens funcionais do cérebro, “ficamos apertando os olhos”, disse Muckli. Dentro de cada equivalente a um pixel em uma varredura cerebral, existem cerca de mil neurônios, e não conseguimos enxergar o que cada um está fazendo.

A outra hipótese, sugerida por estudos conduzidos por Joel Pearson na Universidade de New South Wales, é que os mesmos caminhos no cérebro codificam tanto a imaginação quanto a percepção, mas a imaginação é apenas uma forma mais fraca de percepção.

Nadine Dijkstra, pesquisadora de pós-doutorado da University College London, liderou o novo estudo que investigou como o cérebro distingue entre o que é realmente percebido e o que é imaginado. Foto: Arquivo Pessoal

Durante os lockdowns pandêmicos, Dijkstra e Fleming recrutaram pessoas para um estudo online. Quatrocentos participantes foram instruídos a olhar para uma série de imagens cheias de estática e imaginar linhas diagonais inclinadas para a direita ou para a esquerda. Entre cada tentativa, solicitou-se aos participantes que avaliassem o quão vívidas eram as imagens em uma escala de 1 a 5. O que os participantes não sabiam era que, na última tentativa, os pesquisadores aumentavam lentamente a intensidade de uma imagem fraca de linhas diagonais projetadas – inclinadas na direção que os participantes deveriam imaginar ou na direção oposta. Os pesquisadores então perguntavam aos participantes se o que eles estavam vendo era real ou imaginário.

Dijkstra esperava encontrar o Efeito Perky – esperava que, quando a imagem imaginada combinasse com a projetada, os participantes vissem a projeção como produto de sua imaginação. Em vez disso, os participantes foram muito mais propensos a pensar que a imagem estava lá de verdade.

No entanto, houve pelo menos um eco do Efeito Perky nos resultados: os participantes que pensaram que a imagem estava lá a viram com mais vividez do que os participantes que pensaram que era tudo imaginação.

Em um segundo experimento, Dijkstra e sua equipe não projetaram imagens durante o último teste. Mas o resultado foi o mesmo: as pessoas que classificaram o que estavam vendo como mais vívido também foram mais propensas a classificá-lo como real.

As observações sugerem que as imagens imaginadas e as percebidas de fato se misturam, disse Dijkstra. “Quando esse sinal misto é bem forte ou vívido, pensamos que reflete a realidade”. É provável que haja algum limite acima do qual os sinais visuais pareçam reais para o cérebro e abaixo do qual eles pareçam imaginários, disse ela. Mas também pode haver um continuum mais gradual.

Para saber o que está acontecendo dentro de um cérebro que tenta distinguir a realidade da imaginação, os pesquisadores reanalisaram as varreduras cerebrais de um estudo anterior, no qual 35 participantes imaginaram e perceberam vividamente várias imagens, de galos a regadores.

Fazendo comparações com outros estudos, eles descobriram que os padrões de atividade no córtex visual nos dois cenários eram muito semelhantes. “As imagens vívidas são mais parecidas com a percepção. Mas não está muito claro se a percepção fraca é mais parecida com as imagens”, disse Dijkstra. Havia indícios de que olhar para uma imagem fraca poderia produzir um padrão semelhante ao da imaginação, mas as diferenças não eram significativas e precisam ser examinadas mais a fundo.

Varreduras da função cerebral mostram que imagens imaginadas e percebidas desencadeiam padrões de atividade semelhantes, mas os sinais são mais fracos para os imaginados (à esquerda). Foto: Nadine Dijkstra

O que está claro é que o cérebro tem de ser capaz de regular com precisão a força de uma imagem mental para evitar confusão entre fantasia e realidade. “O cérebro precisa realizar esse ato de equilíbrio muito cuidadoso”, disse Naselaris. “Em certo sentido, ele interpreta as imagens mentais tão literalmente quanto interpreta as imagens visuais”.

Eles descobriram que a força do sinal pode ser lida ou regulada no córtex frontal, que analisa emoções e memórias (entre outras funções). Mas ainda não está claro o que determina a vividez de uma imagem mental ou a diferença entre a força do sinal da imagem e o limiar de realidade. Pode ser um neurotransmissor, ou alterações nas conexões neuronais ou algo totalmente diferente, disse Naselaris.

Pode até ser um subconjunto diferente e não identificado de neurônios que define o limiar de realidade e dita se um sinal deve seguir por um caminho para imagens imaginárias ou um caminho para imagens genuinamente percebidas – uma descoberta que juntaria a primeira e a terceira hipóteses, disse Muckli.

Embora as descobertas sejam diferentes de seus resultados, que sustentam a primeira hipótese, Muckli gosta da linha de raciocínio delas. É um “artigo animador”, disse ele. É uma “conclusão intrigante”.

Mas a imaginação é um processo que envolve muito mais do que apenas olhar para algumas linhas em um fundo de estática, disse Peter Tse, professor de neurociência cognitiva no Dartmouth College. Imaginação, disse ele, é a capacidade de ver o que tem na geladeira e decidir o que fazer para o jantar, ou (se você for os irmãos Wright) pegar uma hélice, espetá-la em uma asa e imaginá-la voando.

As diferenças entre as descobertas de Perky e as de Dijkstra podem ser inteiramente atribuídas a diferenças em seus procedimentos. Mas elas também sugerem outra possibilidade: talvez estejamos percebendo o mundo de maneira diferente de nossos ancestrais.

Seu estudo não se concentrou na crença na realidade de uma imagem, foi mais sobre a “sensação” da realidade, disse Dijkstra. Os autores especulam que, como imagens projetadas, vídeos e outras representações da realidade são comuns no século 21, nossos cérebros podem ter aprendido a avaliar a realidade de maneira um pouco diferente do que as pessoas faziam apenas um século atrás.

Embora os participantes desse experimento “não esperassem ver algo, ainda seria algo mais provável do que se você vivesse em 1910 e nunca tivesse visto um projetor na vida”, disse Dijkstra. Hoje, o limiar de realidade provavelmente é muito menor do que no passado, então talvez seja necessária uma imagem imaginada muito mais vívida para ultrapassar o limiar e confundir o cérebro.

Uma base para alucinações

As descobertas abrem questões sobre se o mecanismo pode ser relevante para uma ampla gama de problemas nos quais a diferença entre imaginação e percepção se dissolve. Dijkstra especula, por exemplo, que, quando as pessoas começam a cair no sono e a realidade começa a se misturar com o mundo dos sonhos, seu limiar de realidade pode estar diminuindo. Em transtornos como a esquizofrenia, onde há um “colapso geral da realidade”, talvez haja um problema de calibragem, disse Dijkstra.

“Na psicose, pode ser que as imagens sejam tão boas que atingem esse limiar, ou pode ser que o limiar esteja errado”, disse Karolina Lempert, professora assistente de psicologia na Universidade Adelphi, que não esteve envolvida no estudo. Alguns estudos descobriram que, em pessoas que alucinam, há uma espécie de hiperatividade sensorial, o que sugere que o sinal da imagem é mais intenso. Mas é necessário fazer mais pesquisas para estabelecer o mecanismo pelo qual surgem as alucinações, acrescentou ela. “Afinal, a maioria das pessoas que experimentam imagens vívidas não tem alucinações”.

Nanay acha que seria interessante estudar os limiares de realidade de pessoas que têm hiperfantasia, uma imaginação extremamente vívida que muitas vezes as faz confundir fantasia e realidade. Da mesma forma, há situações em que as pessoas sofrem de experiências imaginárias muito fortes que sabem que não são reais, como alucinações com drogas ou sonhos lúcidos. Em problemas como o transtorno de estresse pós-traumático, as pessoas geralmente “começam a ver coisas que não queriam ver”, que parecem mais reais do que deveriam, disse Dijkstra.

Alguns desses problemas podem ter a ver com falhas nos mecanismos cerebrais que normalmente ajudam a fazer essas distinções. Dijkstra acha que pode ser proveitoso olhar para os limiares de realidade de pessoas que têm afantasia, a incapacidade de imaginar conscientemente imagens mentais.

Os mecanismos pelos quais o cérebro distingue o que é real do que é imaginário também podem ter a ver com a forma como ele distingue entre imagens reais e falsas (não autênticas). Em um mundo onde as simulações estão se aproximando da realidade, distinguir entre imagens reais e falsas será cada vez mais desafiador, disse Lempert. “Acho que talvez seja uma questão mais importante do que nunca”.

Dijkstra e sua equipe agora estão trabalhando para adaptar seu experimento para funcionar em um scanner cerebral. “Agora que o lockdown acabou, quero dar uma olhada nos cérebros de novo”, disse ela.

Com o tempo, ela espera descobrir se é possível manipular esse sistema para deixar a imaginação mais real. Por exemplo, realidade virtual e implantes neurais estão sendo cogitados para tratamentos médicos, como ajudar cegos a voltar a enxergar. A capacidade de fazer com que as experiências pareçam mais ou menos reais, disse ela, pode ser muito importante para essas aplicações.

Não é de se estranhar, visto que a realidade é uma construção do cérebro.

“Dentro do nosso crânio, tudo é inventado”, disse Muckli. “Construímos todo o mundo, com toda a sua riqueza de detalhes, cores, sons, conteúdo e emoção. Tudo isso é criado por nossos neurônios”.

Isso significa que a realidade de uma pessoa é diferente da realidade de outra, disse Dijkstra: “A linha entre imaginação e realidade é bem tênue”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Is It Real or Imagined? How Your Brain Tells the Difference.

Raramente confundimos as imagens que passam por nossa imaginação como percepções da realidade, embora as mesmas áreas do cérebro processem ambas. Foto: Señor Salme/Quanta Magazine

QUANTA MAGAZINE - Isto aqui é vida real? Ou é só fantasia?

Esses não são apenas versos de Bohemian Rhapsody, música do Queen. São também as perguntas a que o cérebro precisa responder o tempo todo ao processar fluxos de sinais visuais dos olhos e imagens puramente mentais que ficam borbulhando na imaginação. Estudos de varredura cerebral concluíram repetidas vezes que ver algo e imaginar algo gera padrões de atividade neural muito semelhantes. Mas, para a maioria de nós, as experiências subjetivas que se produzem são muito diferentes.

“Se quiser, posso olhar pela janela agora e imaginar um unicórnio galopando na rua”, disse Thomas Naselaris, professor associado da Universidade de Minnesota. A rua pareceria de verdade e o unicórnio, não. “É muito claro para mim”, disse ele. Saber que os unicórnios são figuras míticas quase não tem a ver com isso: um simples cavalo branco imaginário pareceria igualmente irreal.

Mas então, “por que não estamos sempre alucinando?”, perguntou Nadine Dijkstra, pós-doutoranda da University College London. Um estudo que ela liderou, publicado recentemente na Nature Communications, traz uma resposta intrigante: o cérebro avalia as imagens que está processando segundo um “limiar de realidade”. Se o sinal cruza o limiar, o cérebro pensa que é real; se não cruza, o cérebro pensa que é imaginação.

Esse sistema funciona bem na maioria das vezes porque os sinais imaginários geralmente são fracos. Mas, se um sinal imaginado é forte o suficiente para cruzar o limiar, o cérebro o interpreta como realidade.

Embora o cérebro seja muito competente para avaliar as imagens da mente, parece que “esse tipo de verificação da realidade é um grande desafio”, disse Lars Muckli, professor de neurociências visuais e cognitivas da Universidade de Glasgow. As novas descobertas levantam questões sobre se variações ou alterações nesse sistema podem levar a alucinações, pensamentos intrusivos ou mesmo sonhos.

“Eles fizeram um ótimo trabalho, na minha opinião, ao pegar uma questão sobre a qual os filósofos vêm debatendo há séculos e definir modelos com resultados previsíveis e testáveis”, disse Naselaris.

Quando percepção e imaginação se misturam

O estudo de imagens imaginadas de Dijkstra nasceu nos primeiros dias da pandemia de covid-19, quando quarentenas e lockdowns interromperam sua agenda de trabalho. Entediada, ela começou a ler a literatura científica sobre imaginação – e depois passou horas vasculhando artigos em busca de relatos históricos sobre como cientistas fizeram experimentos acerca de um conceito tão abstrato. Foi assim que ela se deparou com um estudo de 1910 conduzido pela psicóloga Mary Cheves West Perky.

Perky pediu aos participantes que imaginassem frutas enquanto olhavam para uma parede em branco. Nesse momento, ela secretamente projetava na parede imagens bem fracas dessas frutas – tão fracas que quase não eram visíveis – e perguntava aos participantes se eles estavam vendo alguma coisa. Nenhum deles pensou ter visto algo real, embora tenham comentado como sua imagem imaginada parecia vívida. “Se eu não soubesse que estava imaginando, teria pensado que era de verdade”, disse um participante.

Um estudo de 1910 da psicóloga Mary Cheves West Perky descobriu que, quando nossas percepções correspondem ao que estamos imaginando, assumimos que suas entradas são imaginárias. Foto: https://doi.org/10.2307/1413350

A conclusão de Perky foi: quando nossa percepção de algo corresponde ao que sabemos que estamos imaginando, concluímos que é imaginário. Com o tempo, essa conclusão veio a ser conhecida na psicologia como o Efeito Perky. “É um grande clássico”, disse Bence Nanay, professor de psicologia filosófica da Universidade de Antuérpia. Virou uma espécie de “coisa obrigatória para quem escreve sobre imagens dar pitacos a respeito do experimento de Perky”.

Na década de 1970, a pesquisadora de psicologia Sydney Joelson Segal renovou o interesse pelo trabalho de Perky atualizando e modificando o experimento. Em um estudo subsequente, Segal pediu aos participantes que imaginassem algo, como o horizonte da cidade de Nova York, enquanto projetava algo mais fraco na parede – como um tomate. O que os participantes viram foi uma mistura da imagem imaginada com a real, como o horizonte da cidade de Nova York ao pôr do sol. As descobertas de Segal sugeriram que a percepção e a imaginação às vezes podem “se misturar, literalmente”, disse Nanay.

Nem todos os estudos que visavam replicar as descobertas de Perky foram bem-sucedidos. Alguns deles fizeram testes repetidos com os participantes, o que confundiu os resultados: quando as pessoas sabem o que você está tentando testar, elas tendem a mudar as respostas para o que acham que é correto, disse Naselaris.

Então Dijkstra, sob a direção de Steve Fleming, especialista em metacognição da University College London, montou uma versão moderna do experimento que evitou o problema. Em seu estudo, os participantes não tiveram a chance de editar suas respostas porque foram testados apenas uma vez. O trabalho modelou e examinou o Efeito Perky e duas outras hipóteses concorrentes sobre como o cérebro diferencia a realidade da imaginação.

Redes de avaliação

Uma dessas hipóteses diz que o cérebro usa as mesmas redes para a realidade e a imaginação, mas que os exames cerebrais de ressonância magnética funcional não têm resolução alta o suficiente para os neurocientistas discernirem as diferenças na maneira como as redes são usadas. Um dos estudos de Muckli, por exemplo, sugere que no córtex visual do cérebro, responsável por processar as imagens, as experiências imaginárias são codificadas em uma camada mais superficial do que as experiências reais.

Diante das imagens funcionais do cérebro, “ficamos apertando os olhos”, disse Muckli. Dentro de cada equivalente a um pixel em uma varredura cerebral, existem cerca de mil neurônios, e não conseguimos enxergar o que cada um está fazendo.

A outra hipótese, sugerida por estudos conduzidos por Joel Pearson na Universidade de New South Wales, é que os mesmos caminhos no cérebro codificam tanto a imaginação quanto a percepção, mas a imaginação é apenas uma forma mais fraca de percepção.

Nadine Dijkstra, pesquisadora de pós-doutorado da University College London, liderou o novo estudo que investigou como o cérebro distingue entre o que é realmente percebido e o que é imaginado. Foto: Arquivo Pessoal

Durante os lockdowns pandêmicos, Dijkstra e Fleming recrutaram pessoas para um estudo online. Quatrocentos participantes foram instruídos a olhar para uma série de imagens cheias de estática e imaginar linhas diagonais inclinadas para a direita ou para a esquerda. Entre cada tentativa, solicitou-se aos participantes que avaliassem o quão vívidas eram as imagens em uma escala de 1 a 5. O que os participantes não sabiam era que, na última tentativa, os pesquisadores aumentavam lentamente a intensidade de uma imagem fraca de linhas diagonais projetadas – inclinadas na direção que os participantes deveriam imaginar ou na direção oposta. Os pesquisadores então perguntavam aos participantes se o que eles estavam vendo era real ou imaginário.

Dijkstra esperava encontrar o Efeito Perky – esperava que, quando a imagem imaginada combinasse com a projetada, os participantes vissem a projeção como produto de sua imaginação. Em vez disso, os participantes foram muito mais propensos a pensar que a imagem estava lá de verdade.

No entanto, houve pelo menos um eco do Efeito Perky nos resultados: os participantes que pensaram que a imagem estava lá a viram com mais vividez do que os participantes que pensaram que era tudo imaginação.

Em um segundo experimento, Dijkstra e sua equipe não projetaram imagens durante o último teste. Mas o resultado foi o mesmo: as pessoas que classificaram o que estavam vendo como mais vívido também foram mais propensas a classificá-lo como real.

As observações sugerem que as imagens imaginadas e as percebidas de fato se misturam, disse Dijkstra. “Quando esse sinal misto é bem forte ou vívido, pensamos que reflete a realidade”. É provável que haja algum limite acima do qual os sinais visuais pareçam reais para o cérebro e abaixo do qual eles pareçam imaginários, disse ela. Mas também pode haver um continuum mais gradual.

Para saber o que está acontecendo dentro de um cérebro que tenta distinguir a realidade da imaginação, os pesquisadores reanalisaram as varreduras cerebrais de um estudo anterior, no qual 35 participantes imaginaram e perceberam vividamente várias imagens, de galos a regadores.

Fazendo comparações com outros estudos, eles descobriram que os padrões de atividade no córtex visual nos dois cenários eram muito semelhantes. “As imagens vívidas são mais parecidas com a percepção. Mas não está muito claro se a percepção fraca é mais parecida com as imagens”, disse Dijkstra. Havia indícios de que olhar para uma imagem fraca poderia produzir um padrão semelhante ao da imaginação, mas as diferenças não eram significativas e precisam ser examinadas mais a fundo.

Varreduras da função cerebral mostram que imagens imaginadas e percebidas desencadeiam padrões de atividade semelhantes, mas os sinais são mais fracos para os imaginados (à esquerda). Foto: Nadine Dijkstra

O que está claro é que o cérebro tem de ser capaz de regular com precisão a força de uma imagem mental para evitar confusão entre fantasia e realidade. “O cérebro precisa realizar esse ato de equilíbrio muito cuidadoso”, disse Naselaris. “Em certo sentido, ele interpreta as imagens mentais tão literalmente quanto interpreta as imagens visuais”.

Eles descobriram que a força do sinal pode ser lida ou regulada no córtex frontal, que analisa emoções e memórias (entre outras funções). Mas ainda não está claro o que determina a vividez de uma imagem mental ou a diferença entre a força do sinal da imagem e o limiar de realidade. Pode ser um neurotransmissor, ou alterações nas conexões neuronais ou algo totalmente diferente, disse Naselaris.

Pode até ser um subconjunto diferente e não identificado de neurônios que define o limiar de realidade e dita se um sinal deve seguir por um caminho para imagens imaginárias ou um caminho para imagens genuinamente percebidas – uma descoberta que juntaria a primeira e a terceira hipóteses, disse Muckli.

Embora as descobertas sejam diferentes de seus resultados, que sustentam a primeira hipótese, Muckli gosta da linha de raciocínio delas. É um “artigo animador”, disse ele. É uma “conclusão intrigante”.

Mas a imaginação é um processo que envolve muito mais do que apenas olhar para algumas linhas em um fundo de estática, disse Peter Tse, professor de neurociência cognitiva no Dartmouth College. Imaginação, disse ele, é a capacidade de ver o que tem na geladeira e decidir o que fazer para o jantar, ou (se você for os irmãos Wright) pegar uma hélice, espetá-la em uma asa e imaginá-la voando.

As diferenças entre as descobertas de Perky e as de Dijkstra podem ser inteiramente atribuídas a diferenças em seus procedimentos. Mas elas também sugerem outra possibilidade: talvez estejamos percebendo o mundo de maneira diferente de nossos ancestrais.

Seu estudo não se concentrou na crença na realidade de uma imagem, foi mais sobre a “sensação” da realidade, disse Dijkstra. Os autores especulam que, como imagens projetadas, vídeos e outras representações da realidade são comuns no século 21, nossos cérebros podem ter aprendido a avaliar a realidade de maneira um pouco diferente do que as pessoas faziam apenas um século atrás.

Embora os participantes desse experimento “não esperassem ver algo, ainda seria algo mais provável do que se você vivesse em 1910 e nunca tivesse visto um projetor na vida”, disse Dijkstra. Hoje, o limiar de realidade provavelmente é muito menor do que no passado, então talvez seja necessária uma imagem imaginada muito mais vívida para ultrapassar o limiar e confundir o cérebro.

Uma base para alucinações

As descobertas abrem questões sobre se o mecanismo pode ser relevante para uma ampla gama de problemas nos quais a diferença entre imaginação e percepção se dissolve. Dijkstra especula, por exemplo, que, quando as pessoas começam a cair no sono e a realidade começa a se misturar com o mundo dos sonhos, seu limiar de realidade pode estar diminuindo. Em transtornos como a esquizofrenia, onde há um “colapso geral da realidade”, talvez haja um problema de calibragem, disse Dijkstra.

“Na psicose, pode ser que as imagens sejam tão boas que atingem esse limiar, ou pode ser que o limiar esteja errado”, disse Karolina Lempert, professora assistente de psicologia na Universidade Adelphi, que não esteve envolvida no estudo. Alguns estudos descobriram que, em pessoas que alucinam, há uma espécie de hiperatividade sensorial, o que sugere que o sinal da imagem é mais intenso. Mas é necessário fazer mais pesquisas para estabelecer o mecanismo pelo qual surgem as alucinações, acrescentou ela. “Afinal, a maioria das pessoas que experimentam imagens vívidas não tem alucinações”.

Nanay acha que seria interessante estudar os limiares de realidade de pessoas que têm hiperfantasia, uma imaginação extremamente vívida que muitas vezes as faz confundir fantasia e realidade. Da mesma forma, há situações em que as pessoas sofrem de experiências imaginárias muito fortes que sabem que não são reais, como alucinações com drogas ou sonhos lúcidos. Em problemas como o transtorno de estresse pós-traumático, as pessoas geralmente “começam a ver coisas que não queriam ver”, que parecem mais reais do que deveriam, disse Dijkstra.

Alguns desses problemas podem ter a ver com falhas nos mecanismos cerebrais que normalmente ajudam a fazer essas distinções. Dijkstra acha que pode ser proveitoso olhar para os limiares de realidade de pessoas que têm afantasia, a incapacidade de imaginar conscientemente imagens mentais.

Os mecanismos pelos quais o cérebro distingue o que é real do que é imaginário também podem ter a ver com a forma como ele distingue entre imagens reais e falsas (não autênticas). Em um mundo onde as simulações estão se aproximando da realidade, distinguir entre imagens reais e falsas será cada vez mais desafiador, disse Lempert. “Acho que talvez seja uma questão mais importante do que nunca”.

Dijkstra e sua equipe agora estão trabalhando para adaptar seu experimento para funcionar em um scanner cerebral. “Agora que o lockdown acabou, quero dar uma olhada nos cérebros de novo”, disse ela.

Com o tempo, ela espera descobrir se é possível manipular esse sistema para deixar a imaginação mais real. Por exemplo, realidade virtual e implantes neurais estão sendo cogitados para tratamentos médicos, como ajudar cegos a voltar a enxergar. A capacidade de fazer com que as experiências pareçam mais ou menos reais, disse ela, pode ser muito importante para essas aplicações.

Não é de se estranhar, visto que a realidade é uma construção do cérebro.

“Dentro do nosso crânio, tudo é inventado”, disse Muckli. “Construímos todo o mundo, com toda a sua riqueza de detalhes, cores, sons, conteúdo e emoção. Tudo isso é criado por nossos neurônios”.

Isso significa que a realidade de uma pessoa é diferente da realidade de outra, disse Dijkstra: “A linha entre imaginação e realidade é bem tênue”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Is It Real or Imagined? How Your Brain Tells the Difference.

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