Em 1896, o físico sueco Svante Arrhenius percebeu que o dióxido de carbono (CO2) retém o calor na atmosfera da Terra – fenômeno hoje chamado de efeito estufa. Desde então, modelos climáticos modernos cada vez mais sofisticados confirmaram a conclusão central de Arrhenius: toda vez que a concentração de CO2 na atmosfera dobra, a temperatura da Terra aumenta entre 2ºC e 5ºC.
Ainda assim, o motivo físico pelo qual o CO2 se comporta dessa forma continuou sendo um mistério - até recentemente.
Primeiro, em 2022, físicos resolveram uma disputa sobre a origem da “escala logarítmica” do efeito estufa, que se refere à maneira como a temperatura da Terra aumenta na mesma quantidade em resposta a qualquer duplicação de CO2, independentemente dos números brutos.
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Então, neste ano, uma equipe liderada por Robin Wordsworth, da Universidade Harvard, descobriu por que a molécula de CO2 é tão boa em reter calor. Os pesquisadores identificaram uma estranha peculiaridade na estrutura quântica da molécula que explica por que ela é um gás de efeito estufa tão potente – e por que soltar mais carbono no céu impulsiona as mudanças climáticas. As descobertas foram publicadas no The Planetary Science Journal.
“É um artigo muito bom”, disse Raymond Pierrehumbert, físico atmosférico da Universidade de Oxford, que não participou do trabalho. “É uma boa resposta para todas as pessoas que dizem que o aquecimento global é só uma coisa que surge de modelos de computador incompreensíveis”.
Pelo contrário: o aquecimento global está ligado a uma coincidência numérica que envolve duas maneiras diferentes com que o CO2 se movimenta. “Se não fosse por essa coincidência”, disse Pierrehumbert, “muitas coisas seriam diferentes”.
Uma conclusão antiga
Como Arrhenius conseguiu entender os fundamentos do efeito estufa antes mesmo da descoberta da mecânica quântica? Tudo começou com Joseph Fourier, matemático e físico francês que percebeu, exatamente duzentos anos atrás, que a atmosfera da Terra isola o planeta do frio congelante do espaço, uma descoberta que inaugurou o campo da ciência climática.
Depois, em 1856, a americana Eunice Foote observou que o dióxido de carbono é particularmente bom em absorver radiação. Em seguida, o físico irlandês John Tyndall mediu a quantidade de luz infravermelha que o CO2 absorve, demonstrando o efeito que Arrhenius então quantificou usando conhecimentos básicos sobre a Terra.
A Terra irradia calor na forma de luz infravermelha. A essência do efeito estufa é que parte dessa luz, em vez de escapar para o espaço, atinge as moléculas de CO2 na atmosfera. Uma molécula absorve a luz e depois a reemite.
Em seguida, outra faz o mesmo. Às vezes, a luz volta para a superfície. Outras vezes, ela vai para o espaço, deixando a Terra um pouco mais fria, mas somente depois de percorrer um caminho irregular até as camadas superiores e mais frias da atmosfera.
Usando uma versão mais simples da mesma abordagem matemática que os cientistas do clima usam hoje, Arrhenius concluiu que a adição de mais CO2 faria com que a superfície do planeta ficasse mais quente. É como fazer o isolamento das paredes para manter a casa mais quente no inverno: o calor do sistema de aquecimento entra na mesma velocidade, mas escapa mais lentamente.
Alguns anos depois, porém, o físico sueco Knut Ångström publicou uma refutação. Ele argumentou que as moléculas de CO2 absorvem apenas um comprimento de onda bastante específico da radiação infravermelha: 15 mícrons. E já havia uma quantidade suficiente do gás na atmosfera para capturar 100% da luz de 15 mícrons emitida pela Terra. Portanto, adicionar mais CO2 não faria a menor diferença.
O que Ångström não percebeu foi que o CO2 pode absorver comprimentos de onda um pouco mais curtos ou mais longos do que 15 mícrons, embora com menos eficiência. Essa luz é capturada menos vezes ao longo de sua viagem para o espaço.
Mas essa taxa de captura muda quando a quantidade de dióxido de carbono dobra. Agora a luz tem o dobro de moléculas de que se desviar antes de escapar e tende a ser absorvida mais vezes ao longo do caminho.
Ela só consegue escapar de uma camada mais alta e mais fria da atmosfera, de modo que o fluxo de calor fica mais lento. É a absorção aumentada desses comprimentos de onda de mais ou menos 15 mícrons que é responsável por nossas mudanças climáticas.
Apesar do erro, o artigo de Ångström lançou dúvidas sobre a teoria de Arrhenius entre seus contemporâneos, de modo que a discussão sobre as mudanças climáticas saiu do mainstream por uns cinquenta anos. Ainda hoje, céticos do consenso sobre a crise climática às vezes citam o argumento errôneo de Ångström sobre a “saturação” de carbono.
De volta aos fundamentos
Em contraste com aqueles primeiros dias, a era moderna da ciência climática avançou em grande parte por meio de modelos computacionais que capturam as muitas facetas complexas e caóticas de nossa atmosfera confusa e inconstante. Para alguns, isso dificulta o entendimento das conclusões.
“Conversei com muitos físicos céticos, e uma das objeções deles é: ‘Vocês ficam só rodando modelos de computador e depois não entendem as respostas desse cálculo de caixa-preta’”, disse Nadir Jeevanjee, físico atmosférico da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês). “É meio insatisfatório não conseguir explicar no papel por que chegamos aos números a que chegamos”.
Jeevanjee e outros como ele se propuseram a criar uma compreensão mais simples do impacto da concentração de CO2 sobre o clima.
Uma questão fundamental era a origem da escala logarítmica do efeito estufa – o aumento de temperatura de 2ºC a 5ºC que os modelos preveem que ocorrerá a cada duplicação de CO2. Uma teoria sustentava que essa escala se devia à rapidez com que a temperatura cai com a altitude.
Mas, em 2022, uma equipe de pesquisadores usou um modelo simples para provar que a escala logarítmica vem da forma do “espectro” de absorção do dióxido de carbono – ou seja, de como sua capacidade de absorver luz varia com o comprimento de onda da luz.
Isso nos leva de volta àqueles comprimentos de onda que são ligeiramente maiores ou menores que 15 mícrons. Um detalhe importante é que o dióxido de carbono fica pior – mas não muito pior – na absorção de luz com esses comprimentos de onda. A absorção cai em ambos os lados do pico na taxa certa para dar origem à escala logarítmica.
“A forma desse espectro é essencial”, disse David Romps, físico climático da Universidade da Califórnia, em Berkeley, coautor do artigo de 2022. “Se a altera, não obtém a escala logarítmica”.
O formato do espectro do carbono é incomum – a maioria dos gases absorve uma faixa muito mais estreita de comprimentos de onda. “A pergunta que tinha em mente era: por que ele tem esse formato?”, disse Romps. “Mas eu não conseguia identificar o motivo”.
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As consequências dos movimentos
Wordsworth e seus coautores Jacob Seeley e Keith Shine recorreram à mecânica quântica para encontrar a resposta.
A luz é feita de pacotes de energia, os fótons. Moléculas como o CO2 só conseguem absorvê-la quando os pacotes têm exatamente a quantidade certa de energia para levar a molécula a um estado mecânico quântico diferente.
O dióxido de carbono geralmente se encontra em seu “estado fundamental”, no qual seus três átomos formam uma linha, com o átomo de carbono no centro, equidistante dos demais. A molécula também tem estados “agitados”, nos quais seus átomos ondulam ou oscilam.
Um fóton de luz de 15 mícrons contém exatamente a energia necessária para fazer com que o átomo de carbono gire em torno do ponto central, em uma espécie de movimento de bambolê.
Os cientistas do clima há muito tempo culpam esse estado de bambolê pelo efeito estufa, mas – como Ångström previu e Wordsworth e sua equipe confirmaram – o efeito requer uma quantidade de energia muito precisa. O estado de bambolê não explica o declínio relativamente lento na taxa de absorção de fótons a partir de 15 mícrons, portanto, não explica as mudanças climáticas por si só.
A chave, eles descobriram, é outro tipo de movimento, em que os dois átomos de oxigênio ficam oscilando para perto e para longe do carbono que está no centro, como se estivessem esticando e comprimindo uma mola que os conecta. Esse movimento requer energia demais para ser induzido apenas pelos fótons infravermelhos da Terra.
Mas os autores descobriram que a energia desse movimento é tão próxima do dobro da energia do movimento do bambolê que os dois estados se misturam. Existem combinações especiais dos dois movimentos, que exigem um pouco mais ou menos do que a energia exata do movimento do bambolê.
Esse fenômeno único é chamado de ressonância de Fermi, em homenagem ao famoso físico Enrico Fermi, que o deduziu em um artigo de 1931. Mas sua conexão com o clima da Terra só foi feita pela primeira vez em artigo no ano passado por Shine e seu orientando, e o artigo deste ano é o primeiro a revelá-la por completo.
“Quando escrevemos os termos dessa equação e vimos que tudo se encaixava, foi uma sensação incrível”, disse Wordsworth. “É um resultado que finalmente nos mostra como a mecânica quântica está diretamente ligada ao todo”.
De certa forma, disse ele, o cálculo nos ajuda a entender as mudanças climáticas melhor do que qualquer modelo de computador. “É fundamental conseguir demonstrar, a partir de princípios básicos, de onde tudo vem”.
Joanna Haigh, física atmosférica e professora emérita do Imperial College de Londres, concordou, dizendo que o artigo acrescenta poder retórico à questão das mudanças climáticas ao mostrar que elas “se baseiam em conceitos fundamentais da mecânica quântica e na física estabelecida”.
Em janeiro, o Laboratório de Monitoramento Global da NOAA informou que a concentração de CO2 na atmosfera aumentou de seu nível pré-industrial de 280 partes por milhão para um recorde de 419,3 partes por milhão em 2023, provocando aquecimento estimado em 1ºC até o momento. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Physicists Pinpoint the Quantum Origin of the Greenhouse Effect