Entenda como radiotelescópio no sertão da Paraíba ajudará a desvendar a energia escura do Universo


Projetado para ser instalado na Serra do Urubu, equipamento de R$ 36 milhões tem previsão de ter a suas operações iniciadas em 2024

Por Caio Possati

O sertão da Paraíba, mais precisamente na região da cidade de Aguiar, na Serra do Urubu, é hoje o endereço de um dos mais promissores projetos de cosmologia do mundo. A cerca de 225 quilômetros de Campina Grande e a 330 quilômetros da capital João Pessoa, será instalado o Bingo, o maior radiotelescópio da América Latina.

A máquina terá a missão de desvendar mais detalhes do setor escuro do espaço, cuja misteriosa composição ainda não foi revelada pela ciência, mas que carrega a energia responsável pela aceleração da expansão do Universo.

Ao custo de aproximadamente R$ 36 milhões, o projeto é um programa científico liderado pela Universidade de São Paulo (USP) tocado em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Apesar de contar com a colaboração de outros países, como China, Reino Unido, França, África do Sul, Alemanha e Estados Unidos, trata-se de um trabalho brasileiro feito com recursos nacionais.

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O Bingo já começou a ser construído e tem previsão de ter a suas operações iniciadas no segundo semestre de 2024. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão que pertence ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, são as principais fontes de financiamento do radiotelescópio.

“A matéria que interage com a luz, chamada de matéria bariônica; a radiação; a matéria escura, e a energia escura são os quatro componentes que, basicamente, formam o nosso Universo. A nossa curiosidade é saber como o Universo se expande, e qual é o destino do Universo”, explica Amílcar Rabelo de Queiroz, professor da Unidade Acadêmica de Física da Universidade Federal de Campina Grande (UAF-UFCG). “Para isso, a gente precisa conhecer melhor quais são esses componentes.”

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O termo Bingo vem de Baryon Acoustic Oscillation from Integrated Neutral Gas Observations, que pode ser traduzido para Oscilação Acústica de Bárion em Observações Integradas de Gás Neutro. As Oscilações Acústicas de Bárions (BAO, na sigla em inglês) são ondas gravadas na distribuição de matéria bariônica do Universo que podem ser detectadas por ondas de rádio, especialmente as emitidas pelo Hidrogênio neutro de comprimento de 21 centímetros (que se alargam à medida que se aproximam da Terra). São essas BAOs, formadas na origem do Universo, que o Bingo pretende captar.

Radiotelescópio Bingo vai ser construído para desvendar a desconhecida parte escura do Universo. Foto: Vladimir Luksys/Divulgação/Bingo

O professor Queiroz explica que as nuvens de hidrogênio neutro, o mais abundante do espaço, funcionam como um sinalizador de onde há maior concentração de matéria bariônica (visível) e matéria escura no Universo. A missão do Bingo e dos cientistas é fazer a captação das ondas de rádio provenientes dessas nuvens em diferentes momentos do cosmos cosmológicos.

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Na prática, a expectativa é conseguir identificar picos do sinal emitido pelas BAOs e, a partir disso, construir uma escala cosmológica que permite mapear, em diferentes instantes de tempo do espaço, onde e quando podem ser encontradas as nuvens de hidrogênio. Quando encontradas as nuvens, será possível identificar e isolar a matéria escura.

“Com essa técnica, a gente consegue, potencialmente, medir BAOs em tempos mais antigos e mais afastados da gente”, diz o docente da UFCG. “Com o uso do radiotelescópio, a gente pode medir em tempos mais antigos, o que significa coletar mais informações. E como toda a ideia do projeto Bingo gira em torno de conseguir mais dados, essas informações vão ser importantes para termos um entendimento melhor sobre o nosso Universo.”

“A ideia”, define o professor do Instituto de Física da USP, e coordenador do Bingo, Elcio Abdalla, “é achar ondas gigantescas, de meio bilhão de anos-luz, que se formaram na origem do Universo e que vão servir como uma régua padrão para fixarmos certos parâmetros cosmológicos, como quantidade de matéria, quantidade de energia, parte escura e parte não escura”. “A ciência básica do nosso projeto é achar a estrutura da parte escura do Universo através da observação dessas ondas”, diz.

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Setor escuro do Universo ainda é um mistério para a cosmologia

Apenas 5% do Universo, aproximadamente, é formado por aquilo que pode ser observado, como galáxias e estrelas. São elementos constituídos por átomos, que constituem a matéria bariônica e, portanto, interagem com a luz. Por isso, esses elementos emitem radiação em várias frequências, inclusive radiação visível. Porém, um dos maiores mistérios da ciência da cosmologia ainda está em desvendar a parte oculta do espaço, os 95% que também são chamados do setor escuro.

Esse setor é dividido em matéria escura (26,8% de todo o espaço), responsável por manter a matéria visível em órbita; e em energia escura (68,3%), componente responsável pela aceleração da expansão do Universo. “A gente não conhece do que essa energia é feita, mas sabemos o efeito dela”, diz o professor Amílcar Rabelo de Queiroz, da UFCG. “A partir das observações do radiotelescópio Bingo, a gente vai conseguir obter mais informações sobre esse setor escuro.”

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O docente diz que a comunidade internacional tem no radiotelescópio brasileiro a principal aposta para a ciência ter mais detalhes sobre esse setor ainda pouco explorado e ainda carregado de dúvidas e mistério. “Por meio da técnica de medir e localizar as regiões com maior concentração do hidrogênio, que se chama ‘mapeamento de intensidade do hidrogênio’, o Bingo abre uma maneira de se estudar a matéria escura que nenhum outro radiotelescópio conseguiu fazer”, afirma.

Bingo será montado para ter alta sensibilidade

A tradução desses sinais é complexa e trabalhosa. Por virem de uma parte distante do Universo, as ondas podem se misturar com outros ruídos, além de chegar muito instáveis até às antenas do radiotelescópio e à sala de controle onde os dados vão ser processados. A presença de um celular ou um microondas perto do Bingo, por exemplo, já comprometeria todo o trabalho.

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Por esse motivo que os materiais usados, como os espelhos refletores e as antenas, terão uma grande dimensão para aumentar a sensibilidade e estabilidade da captação do sinal que vem do Universo. E por essa mesma razão que também foi escolhida, para servir de casa para o projeto, a cidade de Aguiar, na Serra do Urubu, em pleno sertão da Paraíba. “Não estamos próximos de centros urbanos, e o céu é muito limpo de sinais”, explica o professor da USP, Élcio Abdalla.

A estrutura completa do Bingo reúne três principais partes: um espelho em forma de parábola, com diâmetro de 40 metros, fixado ao chão; outro aparato semelhante, mas de diâmetro de 34 metros, que vai ser posicionado com a parábola para frente; e um painel com 28 cornetas, formados por anéis de alumínios de 4,3 metros de comprimento e que possuem a sensibilidade necessária para a detecção dos sinais cosmológicos. Esses cones são as antenas do radiotelescópio, e se chamam cornetas.

O Bingo será estático e ficará parado de forma a conseguir fazer uma captação de uma faixa de 15 graus de norte a sul da Terra, e varrer todo o céu no sentido leste e oeste, graças ao movimento de rotação do nosso planeta. O terreno já foi aberto e prédios de alvenaria, onde vão funcionar atividades operacionais, como sala de controle, já estão perto de serem concluídas. A estrutura metálica do radiotelescópio, bem como os seus espelhos, estão sendo confeccionados na China, e deverão estar em solo paraibano até a metade de 2024.

O funcionamento do radiotelescópio é semelhante ao de um rádio, em que são captadas ondas eletromagnéticas e transformadas em correntes elétricas por uma antena. A diferença para o caso do Bingo é que os sinais de rádio das BAOs, por serem muito fracos, vão demandar do radiotelescópio maior capacidade para captar, entender e estabilizar os sinais que vêm do Universo.

“As informações que vamos captar do espaço têm muito ruído. Por isso é importante ter 28 cornetas e esses espelhos refletores gigantes”, explica o professor Amílcar Queiroz. Substituímos o número grande de cornetas necessárias por ações técnicas propostas pelo grupo do Bingo no Brasil (uma movimentação apropriada das cornetas a cada ano de observação).

As ondas geradas pelas BAOs refletem nos espelhos, que as rebatem em direção às cornetas. Das antenas localizadas nessas cornetas, as ondas serão transformadas em corrente elétrica e levadas até a sala de controle, onde o sinal analógico vai ser decodificado em digital antes de passar por técnicas de processamento em um computador. Por fim, os dados coletados serão analisados pelos cientistas.

Bingo será usado para detectar outros fenômenos

Além da captação de ondas de rádio das nuvens de hidrogênio, o Bingo também poderá ser usado, segundo os pesquisadores, para a compreensão de outros dois fenômenos cosmológicos: os Pulsares e as Rajadas Rápidas de Rádio (FRB, sigla para Fast Radio Bursts).

Os pulsares são objetos cósmicos que surgem da evolução estelar e são considerados importantes para a compreensão da composição do nosso Universo, sobre as características dos campos elétricos e magnéticos, e servem de testes para ampliar os estudos e pesquisas na área da gravidade.

As rajadas rápidas de rádio são pulsos eletromagnéticos carregados de muita energia, que duram milissegundos, e cuja origem ainda é desconhecida. “É um objeto com uma energia praticamente infinita para padrões terrestres, localizada em uma frente de onda. Posso usar para alguma coisa? Hoje, eu não sei. Mas isso seria uma descoberta fantástica”, afirma Élcio Abdalla.

O sertão da Paraíba, mais precisamente na região da cidade de Aguiar, na Serra do Urubu, é hoje o endereço de um dos mais promissores projetos de cosmologia do mundo. A cerca de 225 quilômetros de Campina Grande e a 330 quilômetros da capital João Pessoa, será instalado o Bingo, o maior radiotelescópio da América Latina.

A máquina terá a missão de desvendar mais detalhes do setor escuro do espaço, cuja misteriosa composição ainda não foi revelada pela ciência, mas que carrega a energia responsável pela aceleração da expansão do Universo.

Ao custo de aproximadamente R$ 36 milhões, o projeto é um programa científico liderado pela Universidade de São Paulo (USP) tocado em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Apesar de contar com a colaboração de outros países, como China, Reino Unido, França, África do Sul, Alemanha e Estados Unidos, trata-se de um trabalho brasileiro feito com recursos nacionais.

O Bingo já começou a ser construído e tem previsão de ter a suas operações iniciadas no segundo semestre de 2024. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão que pertence ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, são as principais fontes de financiamento do radiotelescópio.

“A matéria que interage com a luz, chamada de matéria bariônica; a radiação; a matéria escura, e a energia escura são os quatro componentes que, basicamente, formam o nosso Universo. A nossa curiosidade é saber como o Universo se expande, e qual é o destino do Universo”, explica Amílcar Rabelo de Queiroz, professor da Unidade Acadêmica de Física da Universidade Federal de Campina Grande (UAF-UFCG). “Para isso, a gente precisa conhecer melhor quais são esses componentes.”

O termo Bingo vem de Baryon Acoustic Oscillation from Integrated Neutral Gas Observations, que pode ser traduzido para Oscilação Acústica de Bárion em Observações Integradas de Gás Neutro. As Oscilações Acústicas de Bárions (BAO, na sigla em inglês) são ondas gravadas na distribuição de matéria bariônica do Universo que podem ser detectadas por ondas de rádio, especialmente as emitidas pelo Hidrogênio neutro de comprimento de 21 centímetros (que se alargam à medida que se aproximam da Terra). São essas BAOs, formadas na origem do Universo, que o Bingo pretende captar.

Radiotelescópio Bingo vai ser construído para desvendar a desconhecida parte escura do Universo. Foto: Vladimir Luksys/Divulgação/Bingo

O professor Queiroz explica que as nuvens de hidrogênio neutro, o mais abundante do espaço, funcionam como um sinalizador de onde há maior concentração de matéria bariônica (visível) e matéria escura no Universo. A missão do Bingo e dos cientistas é fazer a captação das ondas de rádio provenientes dessas nuvens em diferentes momentos do cosmos cosmológicos.

Na prática, a expectativa é conseguir identificar picos do sinal emitido pelas BAOs e, a partir disso, construir uma escala cosmológica que permite mapear, em diferentes instantes de tempo do espaço, onde e quando podem ser encontradas as nuvens de hidrogênio. Quando encontradas as nuvens, será possível identificar e isolar a matéria escura.

“Com essa técnica, a gente consegue, potencialmente, medir BAOs em tempos mais antigos e mais afastados da gente”, diz o docente da UFCG. “Com o uso do radiotelescópio, a gente pode medir em tempos mais antigos, o que significa coletar mais informações. E como toda a ideia do projeto Bingo gira em torno de conseguir mais dados, essas informações vão ser importantes para termos um entendimento melhor sobre o nosso Universo.”

“A ideia”, define o professor do Instituto de Física da USP, e coordenador do Bingo, Elcio Abdalla, “é achar ondas gigantescas, de meio bilhão de anos-luz, que se formaram na origem do Universo e que vão servir como uma régua padrão para fixarmos certos parâmetros cosmológicos, como quantidade de matéria, quantidade de energia, parte escura e parte não escura”. “A ciência básica do nosso projeto é achar a estrutura da parte escura do Universo através da observação dessas ondas”, diz.

Setor escuro do Universo ainda é um mistério para a cosmologia

Apenas 5% do Universo, aproximadamente, é formado por aquilo que pode ser observado, como galáxias e estrelas. São elementos constituídos por átomos, que constituem a matéria bariônica e, portanto, interagem com a luz. Por isso, esses elementos emitem radiação em várias frequências, inclusive radiação visível. Porém, um dos maiores mistérios da ciência da cosmologia ainda está em desvendar a parte oculta do espaço, os 95% que também são chamados do setor escuro.

Esse setor é dividido em matéria escura (26,8% de todo o espaço), responsável por manter a matéria visível em órbita; e em energia escura (68,3%), componente responsável pela aceleração da expansão do Universo. “A gente não conhece do que essa energia é feita, mas sabemos o efeito dela”, diz o professor Amílcar Rabelo de Queiroz, da UFCG. “A partir das observações do radiotelescópio Bingo, a gente vai conseguir obter mais informações sobre esse setor escuro.”

O docente diz que a comunidade internacional tem no radiotelescópio brasileiro a principal aposta para a ciência ter mais detalhes sobre esse setor ainda pouco explorado e ainda carregado de dúvidas e mistério. “Por meio da técnica de medir e localizar as regiões com maior concentração do hidrogênio, que se chama ‘mapeamento de intensidade do hidrogênio’, o Bingo abre uma maneira de se estudar a matéria escura que nenhum outro radiotelescópio conseguiu fazer”, afirma.

Bingo será montado para ter alta sensibilidade

A tradução desses sinais é complexa e trabalhosa. Por virem de uma parte distante do Universo, as ondas podem se misturar com outros ruídos, além de chegar muito instáveis até às antenas do radiotelescópio e à sala de controle onde os dados vão ser processados. A presença de um celular ou um microondas perto do Bingo, por exemplo, já comprometeria todo o trabalho.

Por esse motivo que os materiais usados, como os espelhos refletores e as antenas, terão uma grande dimensão para aumentar a sensibilidade e estabilidade da captação do sinal que vem do Universo. E por essa mesma razão que também foi escolhida, para servir de casa para o projeto, a cidade de Aguiar, na Serra do Urubu, em pleno sertão da Paraíba. “Não estamos próximos de centros urbanos, e o céu é muito limpo de sinais”, explica o professor da USP, Élcio Abdalla.

A estrutura completa do Bingo reúne três principais partes: um espelho em forma de parábola, com diâmetro de 40 metros, fixado ao chão; outro aparato semelhante, mas de diâmetro de 34 metros, que vai ser posicionado com a parábola para frente; e um painel com 28 cornetas, formados por anéis de alumínios de 4,3 metros de comprimento e que possuem a sensibilidade necessária para a detecção dos sinais cosmológicos. Esses cones são as antenas do radiotelescópio, e se chamam cornetas.

O Bingo será estático e ficará parado de forma a conseguir fazer uma captação de uma faixa de 15 graus de norte a sul da Terra, e varrer todo o céu no sentido leste e oeste, graças ao movimento de rotação do nosso planeta. O terreno já foi aberto e prédios de alvenaria, onde vão funcionar atividades operacionais, como sala de controle, já estão perto de serem concluídas. A estrutura metálica do radiotelescópio, bem como os seus espelhos, estão sendo confeccionados na China, e deverão estar em solo paraibano até a metade de 2024.

O funcionamento do radiotelescópio é semelhante ao de um rádio, em que são captadas ondas eletromagnéticas e transformadas em correntes elétricas por uma antena. A diferença para o caso do Bingo é que os sinais de rádio das BAOs, por serem muito fracos, vão demandar do radiotelescópio maior capacidade para captar, entender e estabilizar os sinais que vêm do Universo.

“As informações que vamos captar do espaço têm muito ruído. Por isso é importante ter 28 cornetas e esses espelhos refletores gigantes”, explica o professor Amílcar Queiroz. Substituímos o número grande de cornetas necessárias por ações técnicas propostas pelo grupo do Bingo no Brasil (uma movimentação apropriada das cornetas a cada ano de observação).

As ondas geradas pelas BAOs refletem nos espelhos, que as rebatem em direção às cornetas. Das antenas localizadas nessas cornetas, as ondas serão transformadas em corrente elétrica e levadas até a sala de controle, onde o sinal analógico vai ser decodificado em digital antes de passar por técnicas de processamento em um computador. Por fim, os dados coletados serão analisados pelos cientistas.

Bingo será usado para detectar outros fenômenos

Além da captação de ondas de rádio das nuvens de hidrogênio, o Bingo também poderá ser usado, segundo os pesquisadores, para a compreensão de outros dois fenômenos cosmológicos: os Pulsares e as Rajadas Rápidas de Rádio (FRB, sigla para Fast Radio Bursts).

Os pulsares são objetos cósmicos que surgem da evolução estelar e são considerados importantes para a compreensão da composição do nosso Universo, sobre as características dos campos elétricos e magnéticos, e servem de testes para ampliar os estudos e pesquisas na área da gravidade.

As rajadas rápidas de rádio são pulsos eletromagnéticos carregados de muita energia, que duram milissegundos, e cuja origem ainda é desconhecida. “É um objeto com uma energia praticamente infinita para padrões terrestres, localizada em uma frente de onda. Posso usar para alguma coisa? Hoje, eu não sei. Mas isso seria uma descoberta fantástica”, afirma Élcio Abdalla.

O sertão da Paraíba, mais precisamente na região da cidade de Aguiar, na Serra do Urubu, é hoje o endereço de um dos mais promissores projetos de cosmologia do mundo. A cerca de 225 quilômetros de Campina Grande e a 330 quilômetros da capital João Pessoa, será instalado o Bingo, o maior radiotelescópio da América Latina.

A máquina terá a missão de desvendar mais detalhes do setor escuro do espaço, cuja misteriosa composição ainda não foi revelada pela ciência, mas que carrega a energia responsável pela aceleração da expansão do Universo.

Ao custo de aproximadamente R$ 36 milhões, o projeto é um programa científico liderado pela Universidade de São Paulo (USP) tocado em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Apesar de contar com a colaboração de outros países, como China, Reino Unido, França, África do Sul, Alemanha e Estados Unidos, trata-se de um trabalho brasileiro feito com recursos nacionais.

O Bingo já começou a ser construído e tem previsão de ter a suas operações iniciadas no segundo semestre de 2024. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão que pertence ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, são as principais fontes de financiamento do radiotelescópio.

“A matéria que interage com a luz, chamada de matéria bariônica; a radiação; a matéria escura, e a energia escura são os quatro componentes que, basicamente, formam o nosso Universo. A nossa curiosidade é saber como o Universo se expande, e qual é o destino do Universo”, explica Amílcar Rabelo de Queiroz, professor da Unidade Acadêmica de Física da Universidade Federal de Campina Grande (UAF-UFCG). “Para isso, a gente precisa conhecer melhor quais são esses componentes.”

O termo Bingo vem de Baryon Acoustic Oscillation from Integrated Neutral Gas Observations, que pode ser traduzido para Oscilação Acústica de Bárion em Observações Integradas de Gás Neutro. As Oscilações Acústicas de Bárions (BAO, na sigla em inglês) são ondas gravadas na distribuição de matéria bariônica do Universo que podem ser detectadas por ondas de rádio, especialmente as emitidas pelo Hidrogênio neutro de comprimento de 21 centímetros (que se alargam à medida que se aproximam da Terra). São essas BAOs, formadas na origem do Universo, que o Bingo pretende captar.

Radiotelescópio Bingo vai ser construído para desvendar a desconhecida parte escura do Universo. Foto: Vladimir Luksys/Divulgação/Bingo

O professor Queiroz explica que as nuvens de hidrogênio neutro, o mais abundante do espaço, funcionam como um sinalizador de onde há maior concentração de matéria bariônica (visível) e matéria escura no Universo. A missão do Bingo e dos cientistas é fazer a captação das ondas de rádio provenientes dessas nuvens em diferentes momentos do cosmos cosmológicos.

Na prática, a expectativa é conseguir identificar picos do sinal emitido pelas BAOs e, a partir disso, construir uma escala cosmológica que permite mapear, em diferentes instantes de tempo do espaço, onde e quando podem ser encontradas as nuvens de hidrogênio. Quando encontradas as nuvens, será possível identificar e isolar a matéria escura.

“Com essa técnica, a gente consegue, potencialmente, medir BAOs em tempos mais antigos e mais afastados da gente”, diz o docente da UFCG. “Com o uso do radiotelescópio, a gente pode medir em tempos mais antigos, o que significa coletar mais informações. E como toda a ideia do projeto Bingo gira em torno de conseguir mais dados, essas informações vão ser importantes para termos um entendimento melhor sobre o nosso Universo.”

“A ideia”, define o professor do Instituto de Física da USP, e coordenador do Bingo, Elcio Abdalla, “é achar ondas gigantescas, de meio bilhão de anos-luz, que se formaram na origem do Universo e que vão servir como uma régua padrão para fixarmos certos parâmetros cosmológicos, como quantidade de matéria, quantidade de energia, parte escura e parte não escura”. “A ciência básica do nosso projeto é achar a estrutura da parte escura do Universo através da observação dessas ondas”, diz.

Setor escuro do Universo ainda é um mistério para a cosmologia

Apenas 5% do Universo, aproximadamente, é formado por aquilo que pode ser observado, como galáxias e estrelas. São elementos constituídos por átomos, que constituem a matéria bariônica e, portanto, interagem com a luz. Por isso, esses elementos emitem radiação em várias frequências, inclusive radiação visível. Porém, um dos maiores mistérios da ciência da cosmologia ainda está em desvendar a parte oculta do espaço, os 95% que também são chamados do setor escuro.

Esse setor é dividido em matéria escura (26,8% de todo o espaço), responsável por manter a matéria visível em órbita; e em energia escura (68,3%), componente responsável pela aceleração da expansão do Universo. “A gente não conhece do que essa energia é feita, mas sabemos o efeito dela”, diz o professor Amílcar Rabelo de Queiroz, da UFCG. “A partir das observações do radiotelescópio Bingo, a gente vai conseguir obter mais informações sobre esse setor escuro.”

O docente diz que a comunidade internacional tem no radiotelescópio brasileiro a principal aposta para a ciência ter mais detalhes sobre esse setor ainda pouco explorado e ainda carregado de dúvidas e mistério. “Por meio da técnica de medir e localizar as regiões com maior concentração do hidrogênio, que se chama ‘mapeamento de intensidade do hidrogênio’, o Bingo abre uma maneira de se estudar a matéria escura que nenhum outro radiotelescópio conseguiu fazer”, afirma.

Bingo será montado para ter alta sensibilidade

A tradução desses sinais é complexa e trabalhosa. Por virem de uma parte distante do Universo, as ondas podem se misturar com outros ruídos, além de chegar muito instáveis até às antenas do radiotelescópio e à sala de controle onde os dados vão ser processados. A presença de um celular ou um microondas perto do Bingo, por exemplo, já comprometeria todo o trabalho.

Por esse motivo que os materiais usados, como os espelhos refletores e as antenas, terão uma grande dimensão para aumentar a sensibilidade e estabilidade da captação do sinal que vem do Universo. E por essa mesma razão que também foi escolhida, para servir de casa para o projeto, a cidade de Aguiar, na Serra do Urubu, em pleno sertão da Paraíba. “Não estamos próximos de centros urbanos, e o céu é muito limpo de sinais”, explica o professor da USP, Élcio Abdalla.

A estrutura completa do Bingo reúne três principais partes: um espelho em forma de parábola, com diâmetro de 40 metros, fixado ao chão; outro aparato semelhante, mas de diâmetro de 34 metros, que vai ser posicionado com a parábola para frente; e um painel com 28 cornetas, formados por anéis de alumínios de 4,3 metros de comprimento e que possuem a sensibilidade necessária para a detecção dos sinais cosmológicos. Esses cones são as antenas do radiotelescópio, e se chamam cornetas.

O Bingo será estático e ficará parado de forma a conseguir fazer uma captação de uma faixa de 15 graus de norte a sul da Terra, e varrer todo o céu no sentido leste e oeste, graças ao movimento de rotação do nosso planeta. O terreno já foi aberto e prédios de alvenaria, onde vão funcionar atividades operacionais, como sala de controle, já estão perto de serem concluídas. A estrutura metálica do radiotelescópio, bem como os seus espelhos, estão sendo confeccionados na China, e deverão estar em solo paraibano até a metade de 2024.

O funcionamento do radiotelescópio é semelhante ao de um rádio, em que são captadas ondas eletromagnéticas e transformadas em correntes elétricas por uma antena. A diferença para o caso do Bingo é que os sinais de rádio das BAOs, por serem muito fracos, vão demandar do radiotelescópio maior capacidade para captar, entender e estabilizar os sinais que vêm do Universo.

“As informações que vamos captar do espaço têm muito ruído. Por isso é importante ter 28 cornetas e esses espelhos refletores gigantes”, explica o professor Amílcar Queiroz. Substituímos o número grande de cornetas necessárias por ações técnicas propostas pelo grupo do Bingo no Brasil (uma movimentação apropriada das cornetas a cada ano de observação).

As ondas geradas pelas BAOs refletem nos espelhos, que as rebatem em direção às cornetas. Das antenas localizadas nessas cornetas, as ondas serão transformadas em corrente elétrica e levadas até a sala de controle, onde o sinal analógico vai ser decodificado em digital antes de passar por técnicas de processamento em um computador. Por fim, os dados coletados serão analisados pelos cientistas.

Bingo será usado para detectar outros fenômenos

Além da captação de ondas de rádio das nuvens de hidrogênio, o Bingo também poderá ser usado, segundo os pesquisadores, para a compreensão de outros dois fenômenos cosmológicos: os Pulsares e as Rajadas Rápidas de Rádio (FRB, sigla para Fast Radio Bursts).

Os pulsares são objetos cósmicos que surgem da evolução estelar e são considerados importantes para a compreensão da composição do nosso Universo, sobre as características dos campos elétricos e magnéticos, e servem de testes para ampliar os estudos e pesquisas na área da gravidade.

As rajadas rápidas de rádio são pulsos eletromagnéticos carregados de muita energia, que duram milissegundos, e cuja origem ainda é desconhecida. “É um objeto com uma energia praticamente infinita para padrões terrestres, localizada em uma frente de onda. Posso usar para alguma coisa? Hoje, eu não sei. Mas isso seria uma descoberta fantástica”, afirma Élcio Abdalla.

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