Desde 2017, o grupo do ecólogo norte-americano William Ripple, da Universidade Estadual do Oregon, publica anualmente um artigo no periódico BioScience sobre o estado atual da crise climática. O trabalho deste ano, divulgado em outubro, apresenta dados ainda mais alarmantes que as versões passadas: 25 dos chamados 35 sinais vitais do planeta estão em níveis recordes de deterioração, com tendência a piorar nos próximos anos.
No estudo de 2023, eram 20 os indicadores em estado crítico. A iniciativa condensa dados e estudos sobre a temperatura atmosférica e a oceânica, medições do ritmo de degelo na Groenlândia e Antártida, desmatamento, perdas de biodiversidade, entre outros parâmetros. “Entramos numa nova fase da crise climática, crítica e imprevisível”, disse Ripple, em material de divulgação do estudo.
Os dados apontam para níveis sem precedentes da concentração atmosférica de dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄) e óxido nitroso (N₂O), os principais gases do efeito estufa. A taxa média atual de CO₂, o mais comum deles, ultrapassou as 420 partes por milhão (ppm), 50% a mais do que no período pré-industrial.
A produção de metano também se acelerou nos últimos anos. Parte importante dessas emissões vem da fermentação entérica dos ruminantes (vacas, cabras e ovelhas), que libera metano. A cada 24 horas, o rebanho global de ruminantes cresce em 170 mil unidades, quase o mesmo nível de aumento da população do planeta, da ordem de 200 mil pessoas a mais por dia.
O estudo destaca que a temperatura média da superfície do planeta está no nível mais alto já medido, assim como a acidez dos oceanos. Camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida se encontram no nível mais baixo e a espessura das geleiras vem decaindo em ritmo acentuado. Em vez de diminuir, como necessário, o consumo de combustíveis fósseis aumentou 1,5% em 2023 e continua 14 vezes maior do que o uso das energias solar e eólica.
A produção dessas duas formas de energia limpa aumentou 15% em um ano. Mas, segundo o estudo, esse incremento apenas supre o aumento da demanda por eletricidade e não substitui o uso dos combustíveis fósseis como principal matriz energética nos países. Esses são alguns dos sinais vitais do planeta em pior estado destacados no artigo, assinado por 14 pesquisadores.
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Para um dos autores do artigo, o ecólogo brasileiro Cássio Cardoso Pereira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não há como distinguir qual é o indicador mais preocupante. “Todos os sinais apontam para o mesmo problema: o mundo caminha para um catastrófico colapso climático”, comenta.
Entre os prognósticos mais relevantes no campo da ecologia, Pereira destaca que o ritmo atual de aumento da temperatura e da acidificação dos oceanos deve causar perda massiva de recifes de corais, que abrigam enorme variedade de espécies. Isso deve gerar efeito cascata de perda da biodiversidade marinha, acentuando o processo de extinção causado por atividades humanas.
O biólogo Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), também destaca a perda de biodiversidade como um dos sinais ecológicos mais alarmantes. “A fauna está associada a serviços ecossistêmicos muito importantes, difíceis de observar no cotidiano”, diz Galetti, que em 2017 assinou o primeiro artigo sobre os sinais vitais do planeta com a equipe liderada por Ripple.
A extinção de espécies que cumprem papel relevante na manutenção de um ecossistema como a Amazônia, promovendo, por exemplo, a polinização de espécies vegetais, pode gerar a perda ou a diminuição desses serviços e afetar a economia local. Uma das grandes contribuições da Amazônia para o clima regional é gerar parte das chuvas que chega às regiões Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.
Um dos poucos pontos positivos citados pelo artigo é a diminuição do desmatamento da Amazônia brasileira em 2023, tendência oposta ao que ocorreu no mundo no ano passado. Segundo o trabalho, a redução da área desflorestada se deveu provavelmente a mudanças na política ambiental no âmbito federal. No entanto, outros problemas assolam a floresta tropical, como secas e incêndios, que contribuem para sua degradação.
O biólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), explica que a estiagem sem precedentes foi causada pela junção dos fenômenos El Niño e Dipolo do Atlântico, que alteram o regime de chuvas em várias partes do globo. O El Niño é caracterizado pelo aquecimento acima da média das águas superficiais das porções leste e central do Pacífico Tropical.
O Dipolo faz com que as diferenças de temperatura das águas do sul e do norte do Atlântico gerem períodos de seca na parte sul da Amazônia. “O que mata as árvores é a combinação de temperatura alta com a seca”, diz Fearnside. Já os incêndios, ele atribui, em sua grande maioria, a ações humanas, algumas de caráter criminoso.
A deterioração dos sinais vitais do planeta favorece a ocorrência de desastres fatais e custosos, como chuvas fortes e concentradas e inundações que mataram ao menos 200 pessoas na região de Valência, na Espanha, no fim de outubro. O artigo chama a atenção para casos de pluviosidade acentuada, enchentes, ondas de calor e grandes incêndios florestais que ocorreram de novembro de 2023 a agosto de 2024. Esses eventos extremos causaram milhares de mortes e bilhões de dólares de prejuízo.
A compreensão de algumas consequências da crise climática ainda depende da investigação de ciclos de retroalimentação que podem reforçar a piora no quadro geral do clima. Pereira alerta sobre o derretimento do permafrost, solo que ocupa um quarto da área do hemisfério Norte, na região do Ártico, em razão do aquecimento global.
O gelo presente nesse solo retém bilhões de toneladas de metano e dióxido de carbono. Sua liquefação e evaporação aumentam a concentração desses gases na atmosfera, o que gera maiores temperaturas e retroalimenta o processo de derretimento do permafrost.
O estudo do grupo de Oregon faz também outras recomendações, como a inclusão das mudanças climáticas nos currículos escolares e a ideia, controversa, de controle do crescimento populacional.
A bióloga Patrícia Morellato, da Unesp, reforça que as mudanças climáticas devem estar no currículo, desde o fundamental até a universidade, em todas as carreiras. Ela também avalia que a ideia de controle populacional faz sentido.
“Não existe recurso infinito e o crescimento da população não pode ser infinito, ainda que possamos usar a tecnologia para produzir mais alimentos em menor área”, diz Morellato, diretora do Centro de Pesquisa em Dinâmica da Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Ela, no entanto, pondera que qualquer política pública nesse sentido tem de levar em conta o direito de as mulheres decidirem sua vida reprodutiva e que medidas desse tipo já foram tomadas em alguns países e devemos analisar essas experiências.