Tarcísio propõe orçamento com brecha para reduzir verba da Fapesp


PL prevê possibilidade de reduzir cota de recursos da fundação de pesquisa; perda estimada é de até R$ 600 milhões. Governo diz que desvincular verbas é prática reconhecida e dá flexibilidade à gestão financeira

Por Renata Cafardo
Atualização:

O projeto de lei das diretrizes orçamentárias para 2025 enviado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Assembleia Legislativa pode reduzir em até 30% o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Como o Estadão revelou, o governo recuou na sexta-feira, 3, após tentar diminuir recursos das universidades de São Paulo (USP), a Estadual de Campinas (Unicamp) e a Estadual Paulista (Unesp).

Desde 1989, a Fapesp é financiada por 1% da receita tributária do Estado, o que é previsto na Constituição paulista. O órgão é essencial para pesquisas nas três universidades, já que cerca de 90% do orçamento de USP, Unesp e Unicamp vão para salários.

Fapesp é uma das principais agências de fomento à pesquisa do País Foto: Werher Santana/Estadão
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Além de cerca de 10 mil bolsas para pesquisadores, a Fapesp financia laboratórios, centros de inovação tecnológica e startups em áreas como mudança climática, bioenergia, câncer, agricultura e biodiversidade.

A possibilidade de reduzir recursos da Fapesp está indicada no artigo 22 da lei de diretrizes orçamentárias. Ele diz que a destinação tem de seguir, a partir de 2025, também “os termos” do artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.

Aprovada em 2016 e estendida em 2023 pelo Senado, essa emenda constitucional prevê que 30% das receitas de Estados e Distrito Federal relativas a impostos e taxas podem ser desvinculadas até 2032. Ou seja, as verbas podem usar usadas em outras áreas.

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Mesmo havendo a vinculação de 1% da receita tributária para a Fapesp, o Estado terá a opção de desvincular 30% desse valor. E a emenda constitucional federal é o respaldo legal para a prática.

Em nota ao Estadão, o governo diz que a mudança no texto não significa necessariamente que o orçamento será reduzido, mas que pode desvincular receitas se necessário. Essa possibilidade não era citada nas leis orçamentárias de anos anteriores.

Tarcísio enviou lei de diretrizes orçamentárias para a Assembleia Foto: Francisco Cepeda/Governo de SP
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“A aplicação da DREM (Desvinculação de Receitas dos Estados e Municípios) é uma prática reconhecida que visa a dar mais flexibilidade na gestão financeira. Quando o Estado aplica a DREM, é possível utilizar uma porcentagem das receitas vinculadas para a alocação em áreas prioritárias e no atendimento imediato à população”, afirma.

Sustenta ainda que o “debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro”. E o governo acrescenta que “não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento”.

O orçamento desde ano da fundação foi de R$ 2 bilhões e, se houver redução de 30%, a estimativa é de perda anual de R$ 600 milhões.

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A inserção explícita da possibilidade de desvinculação nas diretrizes orçamentárias preocupa dirigentes da Fapesp e a comunidade científica. Essa possibilidade já havia sido ventilada na gestão Joao Doria (então no PSDB), mas sem se efetivar.

“O impacto da LDO sobre a Fapesp é extremamente grave. Nos orgulhamos de nossas startups de base tecnológica e universidades, mas quem financia a pesquisa nestas instituições é a Fapesp”, disse ao Estadão o diretor executivo da Fapesp, Carlos Americo Pacheco. “O corte nesse investimento irá sacrificar todo o sistema de inovação paulista.”

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A reportagem apurou que, apesar de Tarcísio ter se comprometido em não alterar os recursos das universidades e da Fapesp em conversas com seus dirigentes, a Secretaria da Fazenda tem insistido.

Há entendimento de que a Fapesp tem um fundo de reserva, o que a deixa em boa situação financeira. O fundo, previsto na lei que criou a fundação, é usado para ações de fomento de médio e longo prazo.

Investimento de hidrogênio renovável a terapia celular

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A Fapesp existe desde 1960 e está entre as maiores financiadoras da ciência e da tecnologia do Brasil. No ano passado, foram R$ 800 milhões investidos em infraestrutura de pesquisa e já há R$ 5 bilhões comprometidos em 2024 e 2025.

Entre os investimentos mais recentes estão o Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE), com estudos para Mobilidade Aérea do Futuro, em parceria com a Embraer e o Instituto de Tecnologia e Aeronáutica (ITA).

Tarcísio esteve na inauguração ano passado do CPE, que tem 150 profissionais em busca de soluções inovadoras na indústria aeronáutica, como aviação de baixo carbono e sistemas autônomos. O investimento é de R$ 48 milhões.

A Fapesp também investiu R$ 45 milhões até agora na primeira estação do mundo de abastecimento de hidrogênio renovável a partir do etanol, que fica na USP.

E ainda repassou R$ 68 milhões ao Centro de Terapia Celular da USP de Ribeirão Preto (Cart-Cell), que faz pesquisas para pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células B que não responderam ao tratamento convencional ou apresentaram o retorno da doença.

Fundação é crucial para o desenvolvimento do Estado, dizem especialistas

Para Claudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial, a fundação tem sido crucial para o desenvolvimento do Estado de São Paulo. Ela diz ser “preocupante” colocar em risco os recursos da Fapesp no momento em que o Brasil quer se tornar novamente competitivo no cenário internacional.

“Pesquisas têm certo tempo de maturação. Não é que pode dizer que este ano tenho e ano que vem não terei os insumos necessários da pesquisa. Da mesma maneira com as bolsas, que vão criar os futuros pesquisadores”, afirma Claudio, presidente do Instituto Singularidades.

Claudio de Moura Castro, ex-presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão federal de fomento à pesquisa, diz não concordar com medidas que ameacem a estabilidade do órgão.

“A Fapesp é o melhor órgão de apoio e fomento à ciência que o Brasil tem. A Fapesp tem um programa que funciona bem, gasta pouco da sua verba com administração por conta de limites rígidos e é, de longe, o órgão de ciência e tecnologia cuja operação é a mais barata”, afirma.

“A Fapesp pode aperfeiçoar, melhorar, mas qualquer medida que ameaça a sua estabilidade, acho uma péssima ideia”, acrescenta Castro, pesquisador em educação.

“Sabemos que um futuro melhor, mais sustentável e com menos desigualdades, só é possível com investimento em ciência e tecnologia”, diz o ex-reitor da Unicamp Marcelo Knobel, que destaca o papel da pesquisa no combate à crise climática.

O senador e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes (PL), também se manifesta contrário à alterar o orçamento da Fapesp e afirma que vai conversar com o governador sobre o assunto.

“Precisamos aumentar o investimento em P&D (pesquisa e desenvolvimento) no Brasil, e não diminuí-lo. Diminuir esse investimento seria um retrocesso significativo. O investimento em P&D tem correlação direta com o desenvolvimento do País”, diz. Para ele, uma solução seria retirar o artigo 76-A da LDO.

Coordenadora geral do centro de estudos Sou Ciência e ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili diz que a Fapesp é “enxuta” e “aplica bem os recursos”, além de ter “critérios rigorosos de qualidade e desenvolvimento”. Para ela, “a ciência precisa de investimentos estáveis” e manter a Fapesp “é garantia de desenvolvimento social e econômico.”

Orçamento das universidades

Depois de reportagem do Estadão, a gestão Tarcísio de Freitas desistiu da decisão de diminuir a fatia do orçamento de USP, Unesp e Unicamp, na semana passada.

Desde 1989, as instituições têm autonomia financeira porque um decreto estadual estipulou que seus orçamentos representariam 9,57% da arrecadação do ICMS do Estado - a proporção é estimada em R$ 14,6 bilhões para este ano.

O governo propunha incluir nessa mesma cota outras três instituições: as faculdades de Medicina de Marília (Famema) e de São José do Rio Preto (Famerp), além da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). O PL não detalhava como ficaria a nova distribuição de recursos entre as instituições. / COLABOROU CAIO POSSATI

Veja a íntegra da nota do governo sobre a verba da Fapesp

O artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não reduz em 30% o orçamento da Fapesp. A mudança observada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) trata de ajuste de publicação da norma, que venceria em 2023, em razão da Emenda Constitucional da Reforma Tributária que reinseriu a Desvinculação das Receitas dos Estados e Municípios (DREM) na DCT.

O dispositivo aponta que haverá um anexo próprio na Lei Orçamentária Anual demonstrando o cumprimento da vinculação de receita da Fundação. O debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro. Não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento.

A aplicação da DREM é uma prática reconhecida que visa dar mais flexibilidade na gestão financeira. Quando o Estado aplica a DREM, é possível utilizar uma porcentagem das receitas vinculadas para a alocação em áreas prioritárias e no atendimento imediato à população.

O projeto de lei das diretrizes orçamentárias para 2025 enviado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Assembleia Legislativa pode reduzir em até 30% o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Como o Estadão revelou, o governo recuou na sexta-feira, 3, após tentar diminuir recursos das universidades de São Paulo (USP), a Estadual de Campinas (Unicamp) e a Estadual Paulista (Unesp).

Desde 1989, a Fapesp é financiada por 1% da receita tributária do Estado, o que é previsto na Constituição paulista. O órgão é essencial para pesquisas nas três universidades, já que cerca de 90% do orçamento de USP, Unesp e Unicamp vão para salários.

Fapesp é uma das principais agências de fomento à pesquisa do País Foto: Werher Santana/Estadão

Além de cerca de 10 mil bolsas para pesquisadores, a Fapesp financia laboratórios, centros de inovação tecnológica e startups em áreas como mudança climática, bioenergia, câncer, agricultura e biodiversidade.

A possibilidade de reduzir recursos da Fapesp está indicada no artigo 22 da lei de diretrizes orçamentárias. Ele diz que a destinação tem de seguir, a partir de 2025, também “os termos” do artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.

Aprovada em 2016 e estendida em 2023 pelo Senado, essa emenda constitucional prevê que 30% das receitas de Estados e Distrito Federal relativas a impostos e taxas podem ser desvinculadas até 2032. Ou seja, as verbas podem usar usadas em outras áreas.

Mesmo havendo a vinculação de 1% da receita tributária para a Fapesp, o Estado terá a opção de desvincular 30% desse valor. E a emenda constitucional federal é o respaldo legal para a prática.

Em nota ao Estadão, o governo diz que a mudança no texto não significa necessariamente que o orçamento será reduzido, mas que pode desvincular receitas se necessário. Essa possibilidade não era citada nas leis orçamentárias de anos anteriores.

Tarcísio enviou lei de diretrizes orçamentárias para a Assembleia Foto: Francisco Cepeda/Governo de SP

“A aplicação da DREM (Desvinculação de Receitas dos Estados e Municípios) é uma prática reconhecida que visa a dar mais flexibilidade na gestão financeira. Quando o Estado aplica a DREM, é possível utilizar uma porcentagem das receitas vinculadas para a alocação em áreas prioritárias e no atendimento imediato à população”, afirma.

Sustenta ainda que o “debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro”. E o governo acrescenta que “não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento”.

O orçamento desde ano da fundação foi de R$ 2 bilhões e, se houver redução de 30%, a estimativa é de perda anual de R$ 600 milhões.

A inserção explícita da possibilidade de desvinculação nas diretrizes orçamentárias preocupa dirigentes da Fapesp e a comunidade científica. Essa possibilidade já havia sido ventilada na gestão Joao Doria (então no PSDB), mas sem se efetivar.

“O impacto da LDO sobre a Fapesp é extremamente grave. Nos orgulhamos de nossas startups de base tecnológica e universidades, mas quem financia a pesquisa nestas instituições é a Fapesp”, disse ao Estadão o diretor executivo da Fapesp, Carlos Americo Pacheco. “O corte nesse investimento irá sacrificar todo o sistema de inovação paulista.”

A reportagem apurou que, apesar de Tarcísio ter se comprometido em não alterar os recursos das universidades e da Fapesp em conversas com seus dirigentes, a Secretaria da Fazenda tem insistido.

Há entendimento de que a Fapesp tem um fundo de reserva, o que a deixa em boa situação financeira. O fundo, previsto na lei que criou a fundação, é usado para ações de fomento de médio e longo prazo.

Investimento de hidrogênio renovável a terapia celular

A Fapesp existe desde 1960 e está entre as maiores financiadoras da ciência e da tecnologia do Brasil. No ano passado, foram R$ 800 milhões investidos em infraestrutura de pesquisa e já há R$ 5 bilhões comprometidos em 2024 e 2025.

Entre os investimentos mais recentes estão o Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE), com estudos para Mobilidade Aérea do Futuro, em parceria com a Embraer e o Instituto de Tecnologia e Aeronáutica (ITA).

Tarcísio esteve na inauguração ano passado do CPE, que tem 150 profissionais em busca de soluções inovadoras na indústria aeronáutica, como aviação de baixo carbono e sistemas autônomos. O investimento é de R$ 48 milhões.

A Fapesp também investiu R$ 45 milhões até agora na primeira estação do mundo de abastecimento de hidrogênio renovável a partir do etanol, que fica na USP.

E ainda repassou R$ 68 milhões ao Centro de Terapia Celular da USP de Ribeirão Preto (Cart-Cell), que faz pesquisas para pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células B que não responderam ao tratamento convencional ou apresentaram o retorno da doença.

Fundação é crucial para o desenvolvimento do Estado, dizem especialistas

Para Claudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial, a fundação tem sido crucial para o desenvolvimento do Estado de São Paulo. Ela diz ser “preocupante” colocar em risco os recursos da Fapesp no momento em que o Brasil quer se tornar novamente competitivo no cenário internacional.

“Pesquisas têm certo tempo de maturação. Não é que pode dizer que este ano tenho e ano que vem não terei os insumos necessários da pesquisa. Da mesma maneira com as bolsas, que vão criar os futuros pesquisadores”, afirma Claudio, presidente do Instituto Singularidades.

Claudio de Moura Castro, ex-presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão federal de fomento à pesquisa, diz não concordar com medidas que ameacem a estabilidade do órgão.

“A Fapesp é o melhor órgão de apoio e fomento à ciência que o Brasil tem. A Fapesp tem um programa que funciona bem, gasta pouco da sua verba com administração por conta de limites rígidos e é, de longe, o órgão de ciência e tecnologia cuja operação é a mais barata”, afirma.

“A Fapesp pode aperfeiçoar, melhorar, mas qualquer medida que ameaça a sua estabilidade, acho uma péssima ideia”, acrescenta Castro, pesquisador em educação.

“Sabemos que um futuro melhor, mais sustentável e com menos desigualdades, só é possível com investimento em ciência e tecnologia”, diz o ex-reitor da Unicamp Marcelo Knobel, que destaca o papel da pesquisa no combate à crise climática.

O senador e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes (PL), também se manifesta contrário à alterar o orçamento da Fapesp e afirma que vai conversar com o governador sobre o assunto.

“Precisamos aumentar o investimento em P&D (pesquisa e desenvolvimento) no Brasil, e não diminuí-lo. Diminuir esse investimento seria um retrocesso significativo. O investimento em P&D tem correlação direta com o desenvolvimento do País”, diz. Para ele, uma solução seria retirar o artigo 76-A da LDO.

Coordenadora geral do centro de estudos Sou Ciência e ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili diz que a Fapesp é “enxuta” e “aplica bem os recursos”, além de ter “critérios rigorosos de qualidade e desenvolvimento”. Para ela, “a ciência precisa de investimentos estáveis” e manter a Fapesp “é garantia de desenvolvimento social e econômico.”

Orçamento das universidades

Depois de reportagem do Estadão, a gestão Tarcísio de Freitas desistiu da decisão de diminuir a fatia do orçamento de USP, Unesp e Unicamp, na semana passada.

Desde 1989, as instituições têm autonomia financeira porque um decreto estadual estipulou que seus orçamentos representariam 9,57% da arrecadação do ICMS do Estado - a proporção é estimada em R$ 14,6 bilhões para este ano.

O governo propunha incluir nessa mesma cota outras três instituições: as faculdades de Medicina de Marília (Famema) e de São José do Rio Preto (Famerp), além da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). O PL não detalhava como ficaria a nova distribuição de recursos entre as instituições. / COLABOROU CAIO POSSATI

Veja a íntegra da nota do governo sobre a verba da Fapesp

O artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não reduz em 30% o orçamento da Fapesp. A mudança observada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) trata de ajuste de publicação da norma, que venceria em 2023, em razão da Emenda Constitucional da Reforma Tributária que reinseriu a Desvinculação das Receitas dos Estados e Municípios (DREM) na DCT.

O dispositivo aponta que haverá um anexo próprio na Lei Orçamentária Anual demonstrando o cumprimento da vinculação de receita da Fundação. O debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro. Não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento.

A aplicação da DREM é uma prática reconhecida que visa dar mais flexibilidade na gestão financeira. Quando o Estado aplica a DREM, é possível utilizar uma porcentagem das receitas vinculadas para a alocação em áreas prioritárias e no atendimento imediato à população.

O projeto de lei das diretrizes orçamentárias para 2025 enviado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Assembleia Legislativa pode reduzir em até 30% o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Como o Estadão revelou, o governo recuou na sexta-feira, 3, após tentar diminuir recursos das universidades de São Paulo (USP), a Estadual de Campinas (Unicamp) e a Estadual Paulista (Unesp).

Desde 1989, a Fapesp é financiada por 1% da receita tributária do Estado, o que é previsto na Constituição paulista. O órgão é essencial para pesquisas nas três universidades, já que cerca de 90% do orçamento de USP, Unesp e Unicamp vão para salários.

Fapesp é uma das principais agências de fomento à pesquisa do País Foto: Werher Santana/Estadão

Além de cerca de 10 mil bolsas para pesquisadores, a Fapesp financia laboratórios, centros de inovação tecnológica e startups em áreas como mudança climática, bioenergia, câncer, agricultura e biodiversidade.

A possibilidade de reduzir recursos da Fapesp está indicada no artigo 22 da lei de diretrizes orçamentárias. Ele diz que a destinação tem de seguir, a partir de 2025, também “os termos” do artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.

Aprovada em 2016 e estendida em 2023 pelo Senado, essa emenda constitucional prevê que 30% das receitas de Estados e Distrito Federal relativas a impostos e taxas podem ser desvinculadas até 2032. Ou seja, as verbas podem usar usadas em outras áreas.

Mesmo havendo a vinculação de 1% da receita tributária para a Fapesp, o Estado terá a opção de desvincular 30% desse valor. E a emenda constitucional federal é o respaldo legal para a prática.

Em nota ao Estadão, o governo diz que a mudança no texto não significa necessariamente que o orçamento será reduzido, mas que pode desvincular receitas se necessário. Essa possibilidade não era citada nas leis orçamentárias de anos anteriores.

Tarcísio enviou lei de diretrizes orçamentárias para a Assembleia Foto: Francisco Cepeda/Governo de SP

“A aplicação da DREM (Desvinculação de Receitas dos Estados e Municípios) é uma prática reconhecida que visa a dar mais flexibilidade na gestão financeira. Quando o Estado aplica a DREM, é possível utilizar uma porcentagem das receitas vinculadas para a alocação em áreas prioritárias e no atendimento imediato à população”, afirma.

Sustenta ainda que o “debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro”. E o governo acrescenta que “não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento”.

O orçamento desde ano da fundação foi de R$ 2 bilhões e, se houver redução de 30%, a estimativa é de perda anual de R$ 600 milhões.

A inserção explícita da possibilidade de desvinculação nas diretrizes orçamentárias preocupa dirigentes da Fapesp e a comunidade científica. Essa possibilidade já havia sido ventilada na gestão Joao Doria (então no PSDB), mas sem se efetivar.

“O impacto da LDO sobre a Fapesp é extremamente grave. Nos orgulhamos de nossas startups de base tecnológica e universidades, mas quem financia a pesquisa nestas instituições é a Fapesp”, disse ao Estadão o diretor executivo da Fapesp, Carlos Americo Pacheco. “O corte nesse investimento irá sacrificar todo o sistema de inovação paulista.”

A reportagem apurou que, apesar de Tarcísio ter se comprometido em não alterar os recursos das universidades e da Fapesp em conversas com seus dirigentes, a Secretaria da Fazenda tem insistido.

Há entendimento de que a Fapesp tem um fundo de reserva, o que a deixa em boa situação financeira. O fundo, previsto na lei que criou a fundação, é usado para ações de fomento de médio e longo prazo.

Investimento de hidrogênio renovável a terapia celular

A Fapesp existe desde 1960 e está entre as maiores financiadoras da ciência e da tecnologia do Brasil. No ano passado, foram R$ 800 milhões investidos em infraestrutura de pesquisa e já há R$ 5 bilhões comprometidos em 2024 e 2025.

Entre os investimentos mais recentes estão o Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE), com estudos para Mobilidade Aérea do Futuro, em parceria com a Embraer e o Instituto de Tecnologia e Aeronáutica (ITA).

Tarcísio esteve na inauguração ano passado do CPE, que tem 150 profissionais em busca de soluções inovadoras na indústria aeronáutica, como aviação de baixo carbono e sistemas autônomos. O investimento é de R$ 48 milhões.

A Fapesp também investiu R$ 45 milhões até agora na primeira estação do mundo de abastecimento de hidrogênio renovável a partir do etanol, que fica na USP.

E ainda repassou R$ 68 milhões ao Centro de Terapia Celular da USP de Ribeirão Preto (Cart-Cell), que faz pesquisas para pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células B que não responderam ao tratamento convencional ou apresentaram o retorno da doença.

Fundação é crucial para o desenvolvimento do Estado, dizem especialistas

Para Claudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial, a fundação tem sido crucial para o desenvolvimento do Estado de São Paulo. Ela diz ser “preocupante” colocar em risco os recursos da Fapesp no momento em que o Brasil quer se tornar novamente competitivo no cenário internacional.

“Pesquisas têm certo tempo de maturação. Não é que pode dizer que este ano tenho e ano que vem não terei os insumos necessários da pesquisa. Da mesma maneira com as bolsas, que vão criar os futuros pesquisadores”, afirma Claudio, presidente do Instituto Singularidades.

Claudio de Moura Castro, ex-presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão federal de fomento à pesquisa, diz não concordar com medidas que ameacem a estabilidade do órgão.

“A Fapesp é o melhor órgão de apoio e fomento à ciência que o Brasil tem. A Fapesp tem um programa que funciona bem, gasta pouco da sua verba com administração por conta de limites rígidos e é, de longe, o órgão de ciência e tecnologia cuja operação é a mais barata”, afirma.

“A Fapesp pode aperfeiçoar, melhorar, mas qualquer medida que ameaça a sua estabilidade, acho uma péssima ideia”, acrescenta Castro, pesquisador em educação.

“Sabemos que um futuro melhor, mais sustentável e com menos desigualdades, só é possível com investimento em ciência e tecnologia”, diz o ex-reitor da Unicamp Marcelo Knobel, que destaca o papel da pesquisa no combate à crise climática.

O senador e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes (PL), também se manifesta contrário à alterar o orçamento da Fapesp e afirma que vai conversar com o governador sobre o assunto.

“Precisamos aumentar o investimento em P&D (pesquisa e desenvolvimento) no Brasil, e não diminuí-lo. Diminuir esse investimento seria um retrocesso significativo. O investimento em P&D tem correlação direta com o desenvolvimento do País”, diz. Para ele, uma solução seria retirar o artigo 76-A da LDO.

Coordenadora geral do centro de estudos Sou Ciência e ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili diz que a Fapesp é “enxuta” e “aplica bem os recursos”, além de ter “critérios rigorosos de qualidade e desenvolvimento”. Para ela, “a ciência precisa de investimentos estáveis” e manter a Fapesp “é garantia de desenvolvimento social e econômico.”

Orçamento das universidades

Depois de reportagem do Estadão, a gestão Tarcísio de Freitas desistiu da decisão de diminuir a fatia do orçamento de USP, Unesp e Unicamp, na semana passada.

Desde 1989, as instituições têm autonomia financeira porque um decreto estadual estipulou que seus orçamentos representariam 9,57% da arrecadação do ICMS do Estado - a proporção é estimada em R$ 14,6 bilhões para este ano.

O governo propunha incluir nessa mesma cota outras três instituições: as faculdades de Medicina de Marília (Famema) e de São José do Rio Preto (Famerp), além da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). O PL não detalhava como ficaria a nova distribuição de recursos entre as instituições. / COLABOROU CAIO POSSATI

Veja a íntegra da nota do governo sobre a verba da Fapesp

O artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não reduz em 30% o orçamento da Fapesp. A mudança observada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) trata de ajuste de publicação da norma, que venceria em 2023, em razão da Emenda Constitucional da Reforma Tributária que reinseriu a Desvinculação das Receitas dos Estados e Municípios (DREM) na DCT.

O dispositivo aponta que haverá um anexo próprio na Lei Orçamentária Anual demonstrando o cumprimento da vinculação de receita da Fundação. O debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro. Não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento.

A aplicação da DREM é uma prática reconhecida que visa dar mais flexibilidade na gestão financeira. Quando o Estado aplica a DREM, é possível utilizar uma porcentagem das receitas vinculadas para a alocação em áreas prioritárias e no atendimento imediato à população.

O projeto de lei das diretrizes orçamentárias para 2025 enviado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Assembleia Legislativa pode reduzir em até 30% o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Como o Estadão revelou, o governo recuou na sexta-feira, 3, após tentar diminuir recursos das universidades de São Paulo (USP), a Estadual de Campinas (Unicamp) e a Estadual Paulista (Unesp).

Desde 1989, a Fapesp é financiada por 1% da receita tributária do Estado, o que é previsto na Constituição paulista. O órgão é essencial para pesquisas nas três universidades, já que cerca de 90% do orçamento de USP, Unesp e Unicamp vão para salários.

Fapesp é uma das principais agências de fomento à pesquisa do País Foto: Werher Santana/Estadão

Além de cerca de 10 mil bolsas para pesquisadores, a Fapesp financia laboratórios, centros de inovação tecnológica e startups em áreas como mudança climática, bioenergia, câncer, agricultura e biodiversidade.

A possibilidade de reduzir recursos da Fapesp está indicada no artigo 22 da lei de diretrizes orçamentárias. Ele diz que a destinação tem de seguir, a partir de 2025, também “os termos” do artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.

Aprovada em 2016 e estendida em 2023 pelo Senado, essa emenda constitucional prevê que 30% das receitas de Estados e Distrito Federal relativas a impostos e taxas podem ser desvinculadas até 2032. Ou seja, as verbas podem usar usadas em outras áreas.

Mesmo havendo a vinculação de 1% da receita tributária para a Fapesp, o Estado terá a opção de desvincular 30% desse valor. E a emenda constitucional federal é o respaldo legal para a prática.

Em nota ao Estadão, o governo diz que a mudança no texto não significa necessariamente que o orçamento será reduzido, mas que pode desvincular receitas se necessário. Essa possibilidade não era citada nas leis orçamentárias de anos anteriores.

Tarcísio enviou lei de diretrizes orçamentárias para a Assembleia Foto: Francisco Cepeda/Governo de SP

“A aplicação da DREM (Desvinculação de Receitas dos Estados e Municípios) é uma prática reconhecida que visa a dar mais flexibilidade na gestão financeira. Quando o Estado aplica a DREM, é possível utilizar uma porcentagem das receitas vinculadas para a alocação em áreas prioritárias e no atendimento imediato à população”, afirma.

Sustenta ainda que o “debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro”. E o governo acrescenta que “não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento”.

O orçamento desde ano da fundação foi de R$ 2 bilhões e, se houver redução de 30%, a estimativa é de perda anual de R$ 600 milhões.

A inserção explícita da possibilidade de desvinculação nas diretrizes orçamentárias preocupa dirigentes da Fapesp e a comunidade científica. Essa possibilidade já havia sido ventilada na gestão Joao Doria (então no PSDB), mas sem se efetivar.

“O impacto da LDO sobre a Fapesp é extremamente grave. Nos orgulhamos de nossas startups de base tecnológica e universidades, mas quem financia a pesquisa nestas instituições é a Fapesp”, disse ao Estadão o diretor executivo da Fapesp, Carlos Americo Pacheco. “O corte nesse investimento irá sacrificar todo o sistema de inovação paulista.”

A reportagem apurou que, apesar de Tarcísio ter se comprometido em não alterar os recursos das universidades e da Fapesp em conversas com seus dirigentes, a Secretaria da Fazenda tem insistido.

Há entendimento de que a Fapesp tem um fundo de reserva, o que a deixa em boa situação financeira. O fundo, previsto na lei que criou a fundação, é usado para ações de fomento de médio e longo prazo.

Investimento de hidrogênio renovável a terapia celular

A Fapesp existe desde 1960 e está entre as maiores financiadoras da ciência e da tecnologia do Brasil. No ano passado, foram R$ 800 milhões investidos em infraestrutura de pesquisa e já há R$ 5 bilhões comprometidos em 2024 e 2025.

Entre os investimentos mais recentes estão o Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE), com estudos para Mobilidade Aérea do Futuro, em parceria com a Embraer e o Instituto de Tecnologia e Aeronáutica (ITA).

Tarcísio esteve na inauguração ano passado do CPE, que tem 150 profissionais em busca de soluções inovadoras na indústria aeronáutica, como aviação de baixo carbono e sistemas autônomos. O investimento é de R$ 48 milhões.

A Fapesp também investiu R$ 45 milhões até agora na primeira estação do mundo de abastecimento de hidrogênio renovável a partir do etanol, que fica na USP.

E ainda repassou R$ 68 milhões ao Centro de Terapia Celular da USP de Ribeirão Preto (Cart-Cell), que faz pesquisas para pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células B que não responderam ao tratamento convencional ou apresentaram o retorno da doença.

Fundação é crucial para o desenvolvimento do Estado, dizem especialistas

Para Claudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial, a fundação tem sido crucial para o desenvolvimento do Estado de São Paulo. Ela diz ser “preocupante” colocar em risco os recursos da Fapesp no momento em que o Brasil quer se tornar novamente competitivo no cenário internacional.

“Pesquisas têm certo tempo de maturação. Não é que pode dizer que este ano tenho e ano que vem não terei os insumos necessários da pesquisa. Da mesma maneira com as bolsas, que vão criar os futuros pesquisadores”, afirma Claudio, presidente do Instituto Singularidades.

Claudio de Moura Castro, ex-presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão federal de fomento à pesquisa, diz não concordar com medidas que ameacem a estabilidade do órgão.

“A Fapesp é o melhor órgão de apoio e fomento à ciência que o Brasil tem. A Fapesp tem um programa que funciona bem, gasta pouco da sua verba com administração por conta de limites rígidos e é, de longe, o órgão de ciência e tecnologia cuja operação é a mais barata”, afirma.

“A Fapesp pode aperfeiçoar, melhorar, mas qualquer medida que ameaça a sua estabilidade, acho uma péssima ideia”, acrescenta Castro, pesquisador em educação.

“Sabemos que um futuro melhor, mais sustentável e com menos desigualdades, só é possível com investimento em ciência e tecnologia”, diz o ex-reitor da Unicamp Marcelo Knobel, que destaca o papel da pesquisa no combate à crise climática.

O senador e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes (PL), também se manifesta contrário à alterar o orçamento da Fapesp e afirma que vai conversar com o governador sobre o assunto.

“Precisamos aumentar o investimento em P&D (pesquisa e desenvolvimento) no Brasil, e não diminuí-lo. Diminuir esse investimento seria um retrocesso significativo. O investimento em P&D tem correlação direta com o desenvolvimento do País”, diz. Para ele, uma solução seria retirar o artigo 76-A da LDO.

Coordenadora geral do centro de estudos Sou Ciência e ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili diz que a Fapesp é “enxuta” e “aplica bem os recursos”, além de ter “critérios rigorosos de qualidade e desenvolvimento”. Para ela, “a ciência precisa de investimentos estáveis” e manter a Fapesp “é garantia de desenvolvimento social e econômico.”

Orçamento das universidades

Depois de reportagem do Estadão, a gestão Tarcísio de Freitas desistiu da decisão de diminuir a fatia do orçamento de USP, Unesp e Unicamp, na semana passada.

Desde 1989, as instituições têm autonomia financeira porque um decreto estadual estipulou que seus orçamentos representariam 9,57% da arrecadação do ICMS do Estado - a proporção é estimada em R$ 14,6 bilhões para este ano.

O governo propunha incluir nessa mesma cota outras três instituições: as faculdades de Medicina de Marília (Famema) e de São José do Rio Preto (Famerp), além da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). O PL não detalhava como ficaria a nova distribuição de recursos entre as instituições. / COLABOROU CAIO POSSATI

Veja a íntegra da nota do governo sobre a verba da Fapesp

O artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não reduz em 30% o orçamento da Fapesp. A mudança observada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) trata de ajuste de publicação da norma, que venceria em 2023, em razão da Emenda Constitucional da Reforma Tributária que reinseriu a Desvinculação das Receitas dos Estados e Municípios (DREM) na DCT.

O dispositivo aponta que haverá um anexo próprio na Lei Orçamentária Anual demonstrando o cumprimento da vinculação de receita da Fundação. O debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro. Não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento.

A aplicação da DREM é uma prática reconhecida que visa dar mais flexibilidade na gestão financeira. Quando o Estado aplica a DREM, é possível utilizar uma porcentagem das receitas vinculadas para a alocação em áreas prioritárias e no atendimento imediato à população.

O projeto de lei das diretrizes orçamentárias para 2025 enviado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Assembleia Legislativa pode reduzir em até 30% o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Como o Estadão revelou, o governo recuou na sexta-feira, 3, após tentar diminuir recursos das universidades de São Paulo (USP), a Estadual de Campinas (Unicamp) e a Estadual Paulista (Unesp).

Desde 1989, a Fapesp é financiada por 1% da receita tributária do Estado, o que é previsto na Constituição paulista. O órgão é essencial para pesquisas nas três universidades, já que cerca de 90% do orçamento de USP, Unesp e Unicamp vão para salários.

Fapesp é uma das principais agências de fomento à pesquisa do País Foto: Werher Santana/Estadão

Além de cerca de 10 mil bolsas para pesquisadores, a Fapesp financia laboratórios, centros de inovação tecnológica e startups em áreas como mudança climática, bioenergia, câncer, agricultura e biodiversidade.

A possibilidade de reduzir recursos da Fapesp está indicada no artigo 22 da lei de diretrizes orçamentárias. Ele diz que a destinação tem de seguir, a partir de 2025, também “os termos” do artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.

Aprovada em 2016 e estendida em 2023 pelo Senado, essa emenda constitucional prevê que 30% das receitas de Estados e Distrito Federal relativas a impostos e taxas podem ser desvinculadas até 2032. Ou seja, as verbas podem usar usadas em outras áreas.

Mesmo havendo a vinculação de 1% da receita tributária para a Fapesp, o Estado terá a opção de desvincular 30% desse valor. E a emenda constitucional federal é o respaldo legal para a prática.

Em nota ao Estadão, o governo diz que a mudança no texto não significa necessariamente que o orçamento será reduzido, mas que pode desvincular receitas se necessário. Essa possibilidade não era citada nas leis orçamentárias de anos anteriores.

Tarcísio enviou lei de diretrizes orçamentárias para a Assembleia Foto: Francisco Cepeda/Governo de SP

“A aplicação da DREM (Desvinculação de Receitas dos Estados e Municípios) é uma prática reconhecida que visa a dar mais flexibilidade na gestão financeira. Quando o Estado aplica a DREM, é possível utilizar uma porcentagem das receitas vinculadas para a alocação em áreas prioritárias e no atendimento imediato à população”, afirma.

Sustenta ainda que o “debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro”. E o governo acrescenta que “não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento”.

O orçamento desde ano da fundação foi de R$ 2 bilhões e, se houver redução de 30%, a estimativa é de perda anual de R$ 600 milhões.

A inserção explícita da possibilidade de desvinculação nas diretrizes orçamentárias preocupa dirigentes da Fapesp e a comunidade científica. Essa possibilidade já havia sido ventilada na gestão Joao Doria (então no PSDB), mas sem se efetivar.

“O impacto da LDO sobre a Fapesp é extremamente grave. Nos orgulhamos de nossas startups de base tecnológica e universidades, mas quem financia a pesquisa nestas instituições é a Fapesp”, disse ao Estadão o diretor executivo da Fapesp, Carlos Americo Pacheco. “O corte nesse investimento irá sacrificar todo o sistema de inovação paulista.”

A reportagem apurou que, apesar de Tarcísio ter se comprometido em não alterar os recursos das universidades e da Fapesp em conversas com seus dirigentes, a Secretaria da Fazenda tem insistido.

Há entendimento de que a Fapesp tem um fundo de reserva, o que a deixa em boa situação financeira. O fundo, previsto na lei que criou a fundação, é usado para ações de fomento de médio e longo prazo.

Investimento de hidrogênio renovável a terapia celular

A Fapesp existe desde 1960 e está entre as maiores financiadoras da ciência e da tecnologia do Brasil. No ano passado, foram R$ 800 milhões investidos em infraestrutura de pesquisa e já há R$ 5 bilhões comprometidos em 2024 e 2025.

Entre os investimentos mais recentes estão o Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE), com estudos para Mobilidade Aérea do Futuro, em parceria com a Embraer e o Instituto de Tecnologia e Aeronáutica (ITA).

Tarcísio esteve na inauguração ano passado do CPE, que tem 150 profissionais em busca de soluções inovadoras na indústria aeronáutica, como aviação de baixo carbono e sistemas autônomos. O investimento é de R$ 48 milhões.

A Fapesp também investiu R$ 45 milhões até agora na primeira estação do mundo de abastecimento de hidrogênio renovável a partir do etanol, que fica na USP.

E ainda repassou R$ 68 milhões ao Centro de Terapia Celular da USP de Ribeirão Preto (Cart-Cell), que faz pesquisas para pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células B que não responderam ao tratamento convencional ou apresentaram o retorno da doença.

Fundação é crucial para o desenvolvimento do Estado, dizem especialistas

Para Claudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial, a fundação tem sido crucial para o desenvolvimento do Estado de São Paulo. Ela diz ser “preocupante” colocar em risco os recursos da Fapesp no momento em que o Brasil quer se tornar novamente competitivo no cenário internacional.

“Pesquisas têm certo tempo de maturação. Não é que pode dizer que este ano tenho e ano que vem não terei os insumos necessários da pesquisa. Da mesma maneira com as bolsas, que vão criar os futuros pesquisadores”, afirma Claudio, presidente do Instituto Singularidades.

Claudio de Moura Castro, ex-presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão federal de fomento à pesquisa, diz não concordar com medidas que ameacem a estabilidade do órgão.

“A Fapesp é o melhor órgão de apoio e fomento à ciência que o Brasil tem. A Fapesp tem um programa que funciona bem, gasta pouco da sua verba com administração por conta de limites rígidos e é, de longe, o órgão de ciência e tecnologia cuja operação é a mais barata”, afirma.

“A Fapesp pode aperfeiçoar, melhorar, mas qualquer medida que ameaça a sua estabilidade, acho uma péssima ideia”, acrescenta Castro, pesquisador em educação.

“Sabemos que um futuro melhor, mais sustentável e com menos desigualdades, só é possível com investimento em ciência e tecnologia”, diz o ex-reitor da Unicamp Marcelo Knobel, que destaca o papel da pesquisa no combate à crise climática.

O senador e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes (PL), também se manifesta contrário à alterar o orçamento da Fapesp e afirma que vai conversar com o governador sobre o assunto.

“Precisamos aumentar o investimento em P&D (pesquisa e desenvolvimento) no Brasil, e não diminuí-lo. Diminuir esse investimento seria um retrocesso significativo. O investimento em P&D tem correlação direta com o desenvolvimento do País”, diz. Para ele, uma solução seria retirar o artigo 76-A da LDO.

Coordenadora geral do centro de estudos Sou Ciência e ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili diz que a Fapesp é “enxuta” e “aplica bem os recursos”, além de ter “critérios rigorosos de qualidade e desenvolvimento”. Para ela, “a ciência precisa de investimentos estáveis” e manter a Fapesp “é garantia de desenvolvimento social e econômico.”

Orçamento das universidades

Depois de reportagem do Estadão, a gestão Tarcísio de Freitas desistiu da decisão de diminuir a fatia do orçamento de USP, Unesp e Unicamp, na semana passada.

Desde 1989, as instituições têm autonomia financeira porque um decreto estadual estipulou que seus orçamentos representariam 9,57% da arrecadação do ICMS do Estado - a proporção é estimada em R$ 14,6 bilhões para este ano.

O governo propunha incluir nessa mesma cota outras três instituições: as faculdades de Medicina de Marília (Famema) e de São José do Rio Preto (Famerp), além da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). O PL não detalhava como ficaria a nova distribuição de recursos entre as instituições. / COLABOROU CAIO POSSATI

Veja a íntegra da nota do governo sobre a verba da Fapesp

O artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não reduz em 30% o orçamento da Fapesp. A mudança observada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) trata de ajuste de publicação da norma, que venceria em 2023, em razão da Emenda Constitucional da Reforma Tributária que reinseriu a Desvinculação das Receitas dos Estados e Municípios (DREM) na DCT.

O dispositivo aponta que haverá um anexo próprio na Lei Orçamentária Anual demonstrando o cumprimento da vinculação de receita da Fundação. O debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro. Não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento.

A aplicação da DREM é uma prática reconhecida que visa dar mais flexibilidade na gestão financeira. Quando o Estado aplica a DREM, é possível utilizar uma porcentagem das receitas vinculadas para a alocação em áreas prioritárias e no atendimento imediato à população.

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