Opinião|A falácia das drogas que aumentam a inteligência


Experimento demonstra que uso de estimulantes cerebrais diminui a capacidade intelectual

Por Fernando Reinach

Estudantes, profissionais do mercado financeiro, e da indústria de software costumam tomar medicamentos psiquiátricos usados para tratar doenças como o transtorno do déficit de atenção (TDHA) pois acreditam que esses remédios aumentam sua concentração, produtividade e criatividade. Uma pesquisa com 6.500 estudantes universitários norte-americanos revelou que 14% deles utilizam essas drogas. Elas já vêm sendo chamadas de estimulantes cerebrais.

Entre as drogas mais utilizadas estão a dextroamphetamina (Adderall), methylphenidato (Ritalina) e o modafinil (Provigil). Elas de fato ajudam pacientes com síndromes como o TDHA, mas seu efeito como estimulante mental nunca foi investigado diretamente. Agora isso foi feito e os resultados são preocupantes.

Quarenta voluntários saudáveis foram recrutados e convidados a ir ao laboratório quatro vezes ao longo de um mês. Por sorteio eles foram divididos em 4 grupos de 10 pessoas. Na primeira visita um dos grupos recebeu uma pílula de placebo, outro grupo uma pílula de Adderall, o terceiro uma pílula de Ritalina e o quarto uma pílula de Provigil. As doses correspondem ao máximo recomendado nas bulas.

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Tudo indica que sob o efeito das drogas as pessoas trabalham mais, mas de maneira menos inteligente Foto: University of California/REUTERS

Tanto os voluntários quanto os cientistas que distribuíram as pílulas e acompanharam os testes, não sabiam o que cada pessoa estava ingerindo. Nas outras três visitas foi feita uma rotação dos medicamentos entre os grupos, de modo que após as quatro visitas todos os voluntários haviam recebido os 4 tratamentos (placebo e cada uma das três drogas). Esse é um estudo clássico duplo cego, nem os voluntários nem os cientistas sabiam durante o estudo o que cada pessoa havia recebido.

Após ficarem lendo e conversando pelo tempo necessário para as drogas fazerem efeito, os voluntários foram desafiados a resolver um problema considerado difícil e que exige atenção e um grande esforço mental. É o chamado problema da mochila: a pessoa recebe uma mochila com um tamanho (volume) fixo. Por exemplo 30 litros. E além disso recebe uma grande coleção de objetos diferentes, mas é impossível colocar todos na mochila. Para cada objeto o voluntário recebe a informação sobre o volume do objeto e seu valor em reais. O valor atribuído aos objetos não tem nenhuma relação com seu tamanho. A pessoa tem o desafio de escolher os objetos que vai colocar na mochila de modo a encher a mochila maximizando o valor total dos objetos colocados na mochila. E tem que fazer isso em 4 minutos.

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É uma tarefa difícil pois um objeto de alto valor pode ser muito grande e muitas vezes colocando três objetos menores o valor total da mochila seja maior. Resolver o problema exige entender a relação volume/valor de cada objeto, quanto ele ocupa de volume na mochila e o que mais pode ser colocado na mochila após a adição de cada objeto. As pessoas podem tirar e colocar objetos na mochila para testar as soluções, mas ao final de 4 minutos precisam entregar a mochila com a melhor solução que encontraram. Quanto maior for o valor da mochila melhor o desempenho da pessoa no teste. Durante o experimento cada movimento dos voluntários é filmado, assim os cientistas sabem não somente o resultado final (valor da mochila) mas como a pessoa chegou a ele.

Executado o experimento, os cientistas quebraram o código de duplo cego e compararam os resultados obtidos pelos voluntários sob influência de cada uma das três drogas com o resultado após tomarem o placebo.

Quando sob efeito das três drogas, o esforço das pessoas em achar a resposta aumentou. Eles gastaram mais tempo procurando a melhor solução e fizeram mais tentativas, trocando mais vezes os objetos na mochila. Mas, sob efeito das drogas, as trocas de objetos, apesar de mais frequentes, ocorrem de maneira menos organizada, indicando um processo de tentativa e erro.

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O mais interessante é que apesar do maior esforço e de um número maior de tentativas, sob efeito das drogas, os voluntários tiveram resultados piores. O valor que eles conseguiram colocar nas mochilas foi significantemente menor quando comparado com as pessoas que estavam sob efeito do placebo. Ou seja, as drogas diminuíram muito a capacidade das pessoas de resolver o problema. Essa diminuição no resultado obtido não é compensada pelo esforço maior que os voluntários dedicaram ao problema. Tudo indica que sob o efeito das drogas as pessoas trabalham mais, mas de maneira menos inteligente, gastam mais tempo na tarefa, e obtém resultados piores do que as pessoas sob efeito do placebo.

Esse experimento demonstra que o uso dessas drogas diminui a capacidade intelectual das pessoas. Mas se isso é o caso, porque as pessoas continuam a usar esses remédios para estudar ou trabalhar? Uma possível explicação é que a percepção das pessoas é que, sob ação dos remédios, elas se dedicam mais e tentam mais vezes resolver os problemas, o que é exatamente o que o experimento demonstrou. Mas esse esforço é feito em condições em que o cérebro tem sua capacidade reduzida pelas drogas e por esse motivo a solução obtida é sempre de menor qualidade.

Se esse experimento for repetido com outros tipos de problemas, e o resultado for semelhante, fica demonstrado que tomar esses remédios para estudar ou trabalhar é uma forma de autoengano: você fica com a impressão que trabalha mais, mas seu desempenho é pior. Nada como um experimento bem desenhado e executado para acabar de estabelecer o real efeito desses medicamentos.

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Mais informações: Not so smart? “Smart” drugs increase the level but decrease the quality of cognitive effort. Science Adv.

Estudantes, profissionais do mercado financeiro, e da indústria de software costumam tomar medicamentos psiquiátricos usados para tratar doenças como o transtorno do déficit de atenção (TDHA) pois acreditam que esses remédios aumentam sua concentração, produtividade e criatividade. Uma pesquisa com 6.500 estudantes universitários norte-americanos revelou que 14% deles utilizam essas drogas. Elas já vêm sendo chamadas de estimulantes cerebrais.

Entre as drogas mais utilizadas estão a dextroamphetamina (Adderall), methylphenidato (Ritalina) e o modafinil (Provigil). Elas de fato ajudam pacientes com síndromes como o TDHA, mas seu efeito como estimulante mental nunca foi investigado diretamente. Agora isso foi feito e os resultados são preocupantes.

Quarenta voluntários saudáveis foram recrutados e convidados a ir ao laboratório quatro vezes ao longo de um mês. Por sorteio eles foram divididos em 4 grupos de 10 pessoas. Na primeira visita um dos grupos recebeu uma pílula de placebo, outro grupo uma pílula de Adderall, o terceiro uma pílula de Ritalina e o quarto uma pílula de Provigil. As doses correspondem ao máximo recomendado nas bulas.

Tudo indica que sob o efeito das drogas as pessoas trabalham mais, mas de maneira menos inteligente Foto: University of California/REUTERS

Tanto os voluntários quanto os cientistas que distribuíram as pílulas e acompanharam os testes, não sabiam o que cada pessoa estava ingerindo. Nas outras três visitas foi feita uma rotação dos medicamentos entre os grupos, de modo que após as quatro visitas todos os voluntários haviam recebido os 4 tratamentos (placebo e cada uma das três drogas). Esse é um estudo clássico duplo cego, nem os voluntários nem os cientistas sabiam durante o estudo o que cada pessoa havia recebido.

Após ficarem lendo e conversando pelo tempo necessário para as drogas fazerem efeito, os voluntários foram desafiados a resolver um problema considerado difícil e que exige atenção e um grande esforço mental. É o chamado problema da mochila: a pessoa recebe uma mochila com um tamanho (volume) fixo. Por exemplo 30 litros. E além disso recebe uma grande coleção de objetos diferentes, mas é impossível colocar todos na mochila. Para cada objeto o voluntário recebe a informação sobre o volume do objeto e seu valor em reais. O valor atribuído aos objetos não tem nenhuma relação com seu tamanho. A pessoa tem o desafio de escolher os objetos que vai colocar na mochila de modo a encher a mochila maximizando o valor total dos objetos colocados na mochila. E tem que fazer isso em 4 minutos.

É uma tarefa difícil pois um objeto de alto valor pode ser muito grande e muitas vezes colocando três objetos menores o valor total da mochila seja maior. Resolver o problema exige entender a relação volume/valor de cada objeto, quanto ele ocupa de volume na mochila e o que mais pode ser colocado na mochila após a adição de cada objeto. As pessoas podem tirar e colocar objetos na mochila para testar as soluções, mas ao final de 4 minutos precisam entregar a mochila com a melhor solução que encontraram. Quanto maior for o valor da mochila melhor o desempenho da pessoa no teste. Durante o experimento cada movimento dos voluntários é filmado, assim os cientistas sabem não somente o resultado final (valor da mochila) mas como a pessoa chegou a ele.

Executado o experimento, os cientistas quebraram o código de duplo cego e compararam os resultados obtidos pelos voluntários sob influência de cada uma das três drogas com o resultado após tomarem o placebo.

Quando sob efeito das três drogas, o esforço das pessoas em achar a resposta aumentou. Eles gastaram mais tempo procurando a melhor solução e fizeram mais tentativas, trocando mais vezes os objetos na mochila. Mas, sob efeito das drogas, as trocas de objetos, apesar de mais frequentes, ocorrem de maneira menos organizada, indicando um processo de tentativa e erro.

O mais interessante é que apesar do maior esforço e de um número maior de tentativas, sob efeito das drogas, os voluntários tiveram resultados piores. O valor que eles conseguiram colocar nas mochilas foi significantemente menor quando comparado com as pessoas que estavam sob efeito do placebo. Ou seja, as drogas diminuíram muito a capacidade das pessoas de resolver o problema. Essa diminuição no resultado obtido não é compensada pelo esforço maior que os voluntários dedicaram ao problema. Tudo indica que sob o efeito das drogas as pessoas trabalham mais, mas de maneira menos inteligente, gastam mais tempo na tarefa, e obtém resultados piores do que as pessoas sob efeito do placebo.

Esse experimento demonstra que o uso dessas drogas diminui a capacidade intelectual das pessoas. Mas se isso é o caso, porque as pessoas continuam a usar esses remédios para estudar ou trabalhar? Uma possível explicação é que a percepção das pessoas é que, sob ação dos remédios, elas se dedicam mais e tentam mais vezes resolver os problemas, o que é exatamente o que o experimento demonstrou. Mas esse esforço é feito em condições em que o cérebro tem sua capacidade reduzida pelas drogas e por esse motivo a solução obtida é sempre de menor qualidade.

Se esse experimento for repetido com outros tipos de problemas, e o resultado for semelhante, fica demonstrado que tomar esses remédios para estudar ou trabalhar é uma forma de autoengano: você fica com a impressão que trabalha mais, mas seu desempenho é pior. Nada como um experimento bem desenhado e executado para acabar de estabelecer o real efeito desses medicamentos.

Mais informações: Not so smart? “Smart” drugs increase the level but decrease the quality of cognitive effort. Science Adv.

Estudantes, profissionais do mercado financeiro, e da indústria de software costumam tomar medicamentos psiquiátricos usados para tratar doenças como o transtorno do déficit de atenção (TDHA) pois acreditam que esses remédios aumentam sua concentração, produtividade e criatividade. Uma pesquisa com 6.500 estudantes universitários norte-americanos revelou que 14% deles utilizam essas drogas. Elas já vêm sendo chamadas de estimulantes cerebrais.

Entre as drogas mais utilizadas estão a dextroamphetamina (Adderall), methylphenidato (Ritalina) e o modafinil (Provigil). Elas de fato ajudam pacientes com síndromes como o TDHA, mas seu efeito como estimulante mental nunca foi investigado diretamente. Agora isso foi feito e os resultados são preocupantes.

Quarenta voluntários saudáveis foram recrutados e convidados a ir ao laboratório quatro vezes ao longo de um mês. Por sorteio eles foram divididos em 4 grupos de 10 pessoas. Na primeira visita um dos grupos recebeu uma pílula de placebo, outro grupo uma pílula de Adderall, o terceiro uma pílula de Ritalina e o quarto uma pílula de Provigil. As doses correspondem ao máximo recomendado nas bulas.

Tudo indica que sob o efeito das drogas as pessoas trabalham mais, mas de maneira menos inteligente Foto: University of California/REUTERS

Tanto os voluntários quanto os cientistas que distribuíram as pílulas e acompanharam os testes, não sabiam o que cada pessoa estava ingerindo. Nas outras três visitas foi feita uma rotação dos medicamentos entre os grupos, de modo que após as quatro visitas todos os voluntários haviam recebido os 4 tratamentos (placebo e cada uma das três drogas). Esse é um estudo clássico duplo cego, nem os voluntários nem os cientistas sabiam durante o estudo o que cada pessoa havia recebido.

Após ficarem lendo e conversando pelo tempo necessário para as drogas fazerem efeito, os voluntários foram desafiados a resolver um problema considerado difícil e que exige atenção e um grande esforço mental. É o chamado problema da mochila: a pessoa recebe uma mochila com um tamanho (volume) fixo. Por exemplo 30 litros. E além disso recebe uma grande coleção de objetos diferentes, mas é impossível colocar todos na mochila. Para cada objeto o voluntário recebe a informação sobre o volume do objeto e seu valor em reais. O valor atribuído aos objetos não tem nenhuma relação com seu tamanho. A pessoa tem o desafio de escolher os objetos que vai colocar na mochila de modo a encher a mochila maximizando o valor total dos objetos colocados na mochila. E tem que fazer isso em 4 minutos.

É uma tarefa difícil pois um objeto de alto valor pode ser muito grande e muitas vezes colocando três objetos menores o valor total da mochila seja maior. Resolver o problema exige entender a relação volume/valor de cada objeto, quanto ele ocupa de volume na mochila e o que mais pode ser colocado na mochila após a adição de cada objeto. As pessoas podem tirar e colocar objetos na mochila para testar as soluções, mas ao final de 4 minutos precisam entregar a mochila com a melhor solução que encontraram. Quanto maior for o valor da mochila melhor o desempenho da pessoa no teste. Durante o experimento cada movimento dos voluntários é filmado, assim os cientistas sabem não somente o resultado final (valor da mochila) mas como a pessoa chegou a ele.

Executado o experimento, os cientistas quebraram o código de duplo cego e compararam os resultados obtidos pelos voluntários sob influência de cada uma das três drogas com o resultado após tomarem o placebo.

Quando sob efeito das três drogas, o esforço das pessoas em achar a resposta aumentou. Eles gastaram mais tempo procurando a melhor solução e fizeram mais tentativas, trocando mais vezes os objetos na mochila. Mas, sob efeito das drogas, as trocas de objetos, apesar de mais frequentes, ocorrem de maneira menos organizada, indicando um processo de tentativa e erro.

O mais interessante é que apesar do maior esforço e de um número maior de tentativas, sob efeito das drogas, os voluntários tiveram resultados piores. O valor que eles conseguiram colocar nas mochilas foi significantemente menor quando comparado com as pessoas que estavam sob efeito do placebo. Ou seja, as drogas diminuíram muito a capacidade das pessoas de resolver o problema. Essa diminuição no resultado obtido não é compensada pelo esforço maior que os voluntários dedicaram ao problema. Tudo indica que sob o efeito das drogas as pessoas trabalham mais, mas de maneira menos inteligente, gastam mais tempo na tarefa, e obtém resultados piores do que as pessoas sob efeito do placebo.

Esse experimento demonstra que o uso dessas drogas diminui a capacidade intelectual das pessoas. Mas se isso é o caso, porque as pessoas continuam a usar esses remédios para estudar ou trabalhar? Uma possível explicação é que a percepção das pessoas é que, sob ação dos remédios, elas se dedicam mais e tentam mais vezes resolver os problemas, o que é exatamente o que o experimento demonstrou. Mas esse esforço é feito em condições em que o cérebro tem sua capacidade reduzida pelas drogas e por esse motivo a solução obtida é sempre de menor qualidade.

Se esse experimento for repetido com outros tipos de problemas, e o resultado for semelhante, fica demonstrado que tomar esses remédios para estudar ou trabalhar é uma forma de autoengano: você fica com a impressão que trabalha mais, mas seu desempenho é pior. Nada como um experimento bem desenhado e executado para acabar de estabelecer o real efeito desses medicamentos.

Mais informações: Not so smart? “Smart” drugs increase the level but decrease the quality of cognitive effort. Science Adv.

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Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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