Opinião|As crianças e a covid-19


Crianças e jovens são parcialmente resistentes e, em grande parte, assintomáticos

Por Fernando Reinach
Atualização:

Os sintomas iniciais da infecção por SARS-CoV-2 lembram uma gripe. Isso confundiu epidemiologistas e sistemas de saúde no início da pandemia. Eles sabiam de longa data que o vírus da gripe ataca preferencialmente crianças e jovens até os 20 anos e os adultos são mais resistentes. Já os efeitos mais severos e os casos de morte ocorrem principalmente na população mais velha, a partir dos 65 anos. Ou seja, a suscetibilidade diminui e a severidade aumenta com a idade. Essa característica faz com que a contaminação das crianças nas escolas seja uma das principais fontes de disseminação do vírus da gripe na população. Foi esse conhecimento que levou países a imediatamente fechar escolas na esperança de que essa medida ajudasse a conter o espalhamento do vírus.

Ilustração do novo coronavírus (2019-nCoV), responsável pela doença covid-19 Foto: Reuters
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Mas não demorou muito para descobrirem que a covid-19 não é uma gripezinha. Epidemiologistas observaram que poucas crianças abaixo de 15 anos pareciam ser contaminadas pelo SARS-CoV-2 e casos graves de covid-19 entre crianças eram raros. Os casos aumentavam a partir dos 15 anos e atingiam seu máximo a partir dos 25 anos. Ou seja, a suscetibilidade aumenta com a idade, o contrário do que acontece com o vírus da gripe. O que estaria acontecendo com as crianças? 

Esse problema foi em grande parte resolvido em um estudo cuidadoso e detalhado em que o progresso da doença foi comparado em diversas cidades em que a frequência de crianças entre os habitantes varia muito. Existem duas possibilidades para explicar o pequeno número de crianças com a doença. Ou muitas crianças simplesmente não se infectam (são resistentes ao vírus) ou então elas se infectam, mas não apresentam sintomas (são assintomáticas). Essas duas possibilidades têm consequências muito diferentes. Se elas são resistentes, fechar escolas não faz sentido pois as escolas não são locais de propagação do vírus. Já se são assintomáticas, as crianças podem contrair e transmitir o vírus, e escolas seriam locais onde, pela a interação entra crianças, o SARS-CoV-2 poderia migrar de um núcleo familiar a outro. 

Foi para verificar qual dessas hipóteses é correta (ou uma combinação de ambas) que um grupo de epidemiologistas comparou o espalhamento do vírus em cidades com diferentes quantidades de crianças (ou seja, com pirâmides etárias distintas). Entre as cidades analisadas estão Milão, onde a população de crianças é pequena (mediana das idades de 43, ou seja, metade da população tem menos de 43 anos), Birmingham com uma mediana de 30 anos e Bulawayo, no Zimbábue, onde as crianças predominam (metade da população tem menos de 15 anos de idade). Você pode imaginar que se nessas três cidades, caso as crianças sejam resistentes ou assintomáticas, os números de casos em cada faixa etária ao longo do tempo será muito diferente. Assim os cientistas construíram modelos matemáticos que previam o que teria acontecido em cada uma dessas cidades se as crianças fossem resistentes ou se elas fossem assintomáticas.

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Os cientistas descobriram que usando os mesmos parâmetros, o modelo explica o espalhamento do vírus nas diferentes cidades. Esse modelo que explica a disseminação do vírus nas diferentes cidades assume que as crianças são parcialmente resistentes ao vírus e, quando infectadas, muitas são assintomáticas. Como esse modelo explica o que aconteceu em cidades com culturas, hábitos e genética distintas, podemos concluir que os parâmetros usados nesses modelos explicam como o vírus interage com as crianças em todos esses ambientes.

O que eles descobriram, de forma simplificada, é o seguinte: pessoas com menos de 20 anos são duas vezes mais resistentes ao vírus que pessoas com mais de 20. Ou seja, o vírus tem o dobro de dificuldade de infectar pessoas com menos de 20 anos. Portanto, há menos casos entre os jovens. Além disso, entre os que contraem o vírus, só 21% dos jovens entre 10 e 19 anos manifestam sintomas. Já nas pessoas com mais de 70, 69% apresentem os sintomas da covid-19. A conclusão é de que crianças e jovens são parcialmente resistentes e, em grande parte, assintomáticas.

A descoberta demonstra, como explicam os autores, que fechar escolas não é um fator importante para conter o espalhamento do vírus como imaginado inicialmente. Também demonstra que controlar o espalhamento do vírus nas escolas é muito difícil pois a grande maioria das crianças infectadas não apresenta sintomas apesar de transmitir a doença. Essa descoberta vai dar muita dor de cabeça aos governantes que têm a responsabilidade de decidir se mantêm as escolas fechadas ou abertas nos próximos meses.

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MAIS INFORMAÇÕES: AGE-DEPENDENT EFFECTS IN THE TRANSMISSION AND CONTROL OF COVID-19 EPIDEMICS. NATURE MEDICINE HTTPS://DOI.ORG/10.1038/S41591-020-0962-9 (2020)

*É BIÓLOGO

Os sintomas iniciais da infecção por SARS-CoV-2 lembram uma gripe. Isso confundiu epidemiologistas e sistemas de saúde no início da pandemia. Eles sabiam de longa data que o vírus da gripe ataca preferencialmente crianças e jovens até os 20 anos e os adultos são mais resistentes. Já os efeitos mais severos e os casos de morte ocorrem principalmente na população mais velha, a partir dos 65 anos. Ou seja, a suscetibilidade diminui e a severidade aumenta com a idade. Essa característica faz com que a contaminação das crianças nas escolas seja uma das principais fontes de disseminação do vírus da gripe na população. Foi esse conhecimento que levou países a imediatamente fechar escolas na esperança de que essa medida ajudasse a conter o espalhamento do vírus.

Ilustração do novo coronavírus (2019-nCoV), responsável pela doença covid-19 Foto: Reuters

Mas não demorou muito para descobrirem que a covid-19 não é uma gripezinha. Epidemiologistas observaram que poucas crianças abaixo de 15 anos pareciam ser contaminadas pelo SARS-CoV-2 e casos graves de covid-19 entre crianças eram raros. Os casos aumentavam a partir dos 15 anos e atingiam seu máximo a partir dos 25 anos. Ou seja, a suscetibilidade aumenta com a idade, o contrário do que acontece com o vírus da gripe. O que estaria acontecendo com as crianças? 

Esse problema foi em grande parte resolvido em um estudo cuidadoso e detalhado em que o progresso da doença foi comparado em diversas cidades em que a frequência de crianças entre os habitantes varia muito. Existem duas possibilidades para explicar o pequeno número de crianças com a doença. Ou muitas crianças simplesmente não se infectam (são resistentes ao vírus) ou então elas se infectam, mas não apresentam sintomas (são assintomáticas). Essas duas possibilidades têm consequências muito diferentes. Se elas são resistentes, fechar escolas não faz sentido pois as escolas não são locais de propagação do vírus. Já se são assintomáticas, as crianças podem contrair e transmitir o vírus, e escolas seriam locais onde, pela a interação entra crianças, o SARS-CoV-2 poderia migrar de um núcleo familiar a outro. 

Foi para verificar qual dessas hipóteses é correta (ou uma combinação de ambas) que um grupo de epidemiologistas comparou o espalhamento do vírus em cidades com diferentes quantidades de crianças (ou seja, com pirâmides etárias distintas). Entre as cidades analisadas estão Milão, onde a população de crianças é pequena (mediana das idades de 43, ou seja, metade da população tem menos de 43 anos), Birmingham com uma mediana de 30 anos e Bulawayo, no Zimbábue, onde as crianças predominam (metade da população tem menos de 15 anos de idade). Você pode imaginar que se nessas três cidades, caso as crianças sejam resistentes ou assintomáticas, os números de casos em cada faixa etária ao longo do tempo será muito diferente. Assim os cientistas construíram modelos matemáticos que previam o que teria acontecido em cada uma dessas cidades se as crianças fossem resistentes ou se elas fossem assintomáticas.

Os cientistas descobriram que usando os mesmos parâmetros, o modelo explica o espalhamento do vírus nas diferentes cidades. Esse modelo que explica a disseminação do vírus nas diferentes cidades assume que as crianças são parcialmente resistentes ao vírus e, quando infectadas, muitas são assintomáticas. Como esse modelo explica o que aconteceu em cidades com culturas, hábitos e genética distintas, podemos concluir que os parâmetros usados nesses modelos explicam como o vírus interage com as crianças em todos esses ambientes.

O que eles descobriram, de forma simplificada, é o seguinte: pessoas com menos de 20 anos são duas vezes mais resistentes ao vírus que pessoas com mais de 20. Ou seja, o vírus tem o dobro de dificuldade de infectar pessoas com menos de 20 anos. Portanto, há menos casos entre os jovens. Além disso, entre os que contraem o vírus, só 21% dos jovens entre 10 e 19 anos manifestam sintomas. Já nas pessoas com mais de 70, 69% apresentem os sintomas da covid-19. A conclusão é de que crianças e jovens são parcialmente resistentes e, em grande parte, assintomáticas.

A descoberta demonstra, como explicam os autores, que fechar escolas não é um fator importante para conter o espalhamento do vírus como imaginado inicialmente. Também demonstra que controlar o espalhamento do vírus nas escolas é muito difícil pois a grande maioria das crianças infectadas não apresenta sintomas apesar de transmitir a doença. Essa descoberta vai dar muita dor de cabeça aos governantes que têm a responsabilidade de decidir se mantêm as escolas fechadas ou abertas nos próximos meses.

MAIS INFORMAÇÕES: AGE-DEPENDENT EFFECTS IN THE TRANSMISSION AND CONTROL OF COVID-19 EPIDEMICS. NATURE MEDICINE HTTPS://DOI.ORG/10.1038/S41591-020-0962-9 (2020)

*É BIÓLOGO

Os sintomas iniciais da infecção por SARS-CoV-2 lembram uma gripe. Isso confundiu epidemiologistas e sistemas de saúde no início da pandemia. Eles sabiam de longa data que o vírus da gripe ataca preferencialmente crianças e jovens até os 20 anos e os adultos são mais resistentes. Já os efeitos mais severos e os casos de morte ocorrem principalmente na população mais velha, a partir dos 65 anos. Ou seja, a suscetibilidade diminui e a severidade aumenta com a idade. Essa característica faz com que a contaminação das crianças nas escolas seja uma das principais fontes de disseminação do vírus da gripe na população. Foi esse conhecimento que levou países a imediatamente fechar escolas na esperança de que essa medida ajudasse a conter o espalhamento do vírus.

Ilustração do novo coronavírus (2019-nCoV), responsável pela doença covid-19 Foto: Reuters

Mas não demorou muito para descobrirem que a covid-19 não é uma gripezinha. Epidemiologistas observaram que poucas crianças abaixo de 15 anos pareciam ser contaminadas pelo SARS-CoV-2 e casos graves de covid-19 entre crianças eram raros. Os casos aumentavam a partir dos 15 anos e atingiam seu máximo a partir dos 25 anos. Ou seja, a suscetibilidade aumenta com a idade, o contrário do que acontece com o vírus da gripe. O que estaria acontecendo com as crianças? 

Esse problema foi em grande parte resolvido em um estudo cuidadoso e detalhado em que o progresso da doença foi comparado em diversas cidades em que a frequência de crianças entre os habitantes varia muito. Existem duas possibilidades para explicar o pequeno número de crianças com a doença. Ou muitas crianças simplesmente não se infectam (são resistentes ao vírus) ou então elas se infectam, mas não apresentam sintomas (são assintomáticas). Essas duas possibilidades têm consequências muito diferentes. Se elas são resistentes, fechar escolas não faz sentido pois as escolas não são locais de propagação do vírus. Já se são assintomáticas, as crianças podem contrair e transmitir o vírus, e escolas seriam locais onde, pela a interação entra crianças, o SARS-CoV-2 poderia migrar de um núcleo familiar a outro. 

Foi para verificar qual dessas hipóteses é correta (ou uma combinação de ambas) que um grupo de epidemiologistas comparou o espalhamento do vírus em cidades com diferentes quantidades de crianças (ou seja, com pirâmides etárias distintas). Entre as cidades analisadas estão Milão, onde a população de crianças é pequena (mediana das idades de 43, ou seja, metade da população tem menos de 43 anos), Birmingham com uma mediana de 30 anos e Bulawayo, no Zimbábue, onde as crianças predominam (metade da população tem menos de 15 anos de idade). Você pode imaginar que se nessas três cidades, caso as crianças sejam resistentes ou assintomáticas, os números de casos em cada faixa etária ao longo do tempo será muito diferente. Assim os cientistas construíram modelos matemáticos que previam o que teria acontecido em cada uma dessas cidades se as crianças fossem resistentes ou se elas fossem assintomáticas.

Os cientistas descobriram que usando os mesmos parâmetros, o modelo explica o espalhamento do vírus nas diferentes cidades. Esse modelo que explica a disseminação do vírus nas diferentes cidades assume que as crianças são parcialmente resistentes ao vírus e, quando infectadas, muitas são assintomáticas. Como esse modelo explica o que aconteceu em cidades com culturas, hábitos e genética distintas, podemos concluir que os parâmetros usados nesses modelos explicam como o vírus interage com as crianças em todos esses ambientes.

O que eles descobriram, de forma simplificada, é o seguinte: pessoas com menos de 20 anos são duas vezes mais resistentes ao vírus que pessoas com mais de 20. Ou seja, o vírus tem o dobro de dificuldade de infectar pessoas com menos de 20 anos. Portanto, há menos casos entre os jovens. Além disso, entre os que contraem o vírus, só 21% dos jovens entre 10 e 19 anos manifestam sintomas. Já nas pessoas com mais de 70, 69% apresentem os sintomas da covid-19. A conclusão é de que crianças e jovens são parcialmente resistentes e, em grande parte, assintomáticas.

A descoberta demonstra, como explicam os autores, que fechar escolas não é um fator importante para conter o espalhamento do vírus como imaginado inicialmente. Também demonstra que controlar o espalhamento do vírus nas escolas é muito difícil pois a grande maioria das crianças infectadas não apresenta sintomas apesar de transmitir a doença. Essa descoberta vai dar muita dor de cabeça aos governantes que têm a responsabilidade de decidir se mantêm as escolas fechadas ou abertas nos próximos meses.

MAIS INFORMAÇÕES: AGE-DEPENDENT EFFECTS IN THE TRANSMISSION AND CONTROL OF COVID-19 EPIDEMICS. NATURE MEDICINE HTTPS://DOI.ORG/10.1038/S41591-020-0962-9 (2020)

*É BIÓLOGO

Os sintomas iniciais da infecção por SARS-CoV-2 lembram uma gripe. Isso confundiu epidemiologistas e sistemas de saúde no início da pandemia. Eles sabiam de longa data que o vírus da gripe ataca preferencialmente crianças e jovens até os 20 anos e os adultos são mais resistentes. Já os efeitos mais severos e os casos de morte ocorrem principalmente na população mais velha, a partir dos 65 anos. Ou seja, a suscetibilidade diminui e a severidade aumenta com a idade. Essa característica faz com que a contaminação das crianças nas escolas seja uma das principais fontes de disseminação do vírus da gripe na população. Foi esse conhecimento que levou países a imediatamente fechar escolas na esperança de que essa medida ajudasse a conter o espalhamento do vírus.

Ilustração do novo coronavírus (2019-nCoV), responsável pela doença covid-19 Foto: Reuters

Mas não demorou muito para descobrirem que a covid-19 não é uma gripezinha. Epidemiologistas observaram que poucas crianças abaixo de 15 anos pareciam ser contaminadas pelo SARS-CoV-2 e casos graves de covid-19 entre crianças eram raros. Os casos aumentavam a partir dos 15 anos e atingiam seu máximo a partir dos 25 anos. Ou seja, a suscetibilidade aumenta com a idade, o contrário do que acontece com o vírus da gripe. O que estaria acontecendo com as crianças? 

Esse problema foi em grande parte resolvido em um estudo cuidadoso e detalhado em que o progresso da doença foi comparado em diversas cidades em que a frequência de crianças entre os habitantes varia muito. Existem duas possibilidades para explicar o pequeno número de crianças com a doença. Ou muitas crianças simplesmente não se infectam (são resistentes ao vírus) ou então elas se infectam, mas não apresentam sintomas (são assintomáticas). Essas duas possibilidades têm consequências muito diferentes. Se elas são resistentes, fechar escolas não faz sentido pois as escolas não são locais de propagação do vírus. Já se são assintomáticas, as crianças podem contrair e transmitir o vírus, e escolas seriam locais onde, pela a interação entra crianças, o SARS-CoV-2 poderia migrar de um núcleo familiar a outro. 

Foi para verificar qual dessas hipóteses é correta (ou uma combinação de ambas) que um grupo de epidemiologistas comparou o espalhamento do vírus em cidades com diferentes quantidades de crianças (ou seja, com pirâmides etárias distintas). Entre as cidades analisadas estão Milão, onde a população de crianças é pequena (mediana das idades de 43, ou seja, metade da população tem menos de 43 anos), Birmingham com uma mediana de 30 anos e Bulawayo, no Zimbábue, onde as crianças predominam (metade da população tem menos de 15 anos de idade). Você pode imaginar que se nessas três cidades, caso as crianças sejam resistentes ou assintomáticas, os números de casos em cada faixa etária ao longo do tempo será muito diferente. Assim os cientistas construíram modelos matemáticos que previam o que teria acontecido em cada uma dessas cidades se as crianças fossem resistentes ou se elas fossem assintomáticas.

Os cientistas descobriram que usando os mesmos parâmetros, o modelo explica o espalhamento do vírus nas diferentes cidades. Esse modelo que explica a disseminação do vírus nas diferentes cidades assume que as crianças são parcialmente resistentes ao vírus e, quando infectadas, muitas são assintomáticas. Como esse modelo explica o que aconteceu em cidades com culturas, hábitos e genética distintas, podemos concluir que os parâmetros usados nesses modelos explicam como o vírus interage com as crianças em todos esses ambientes.

O que eles descobriram, de forma simplificada, é o seguinte: pessoas com menos de 20 anos são duas vezes mais resistentes ao vírus que pessoas com mais de 20. Ou seja, o vírus tem o dobro de dificuldade de infectar pessoas com menos de 20 anos. Portanto, há menos casos entre os jovens. Além disso, entre os que contraem o vírus, só 21% dos jovens entre 10 e 19 anos manifestam sintomas. Já nas pessoas com mais de 70, 69% apresentem os sintomas da covid-19. A conclusão é de que crianças e jovens são parcialmente resistentes e, em grande parte, assintomáticas.

A descoberta demonstra, como explicam os autores, que fechar escolas não é um fator importante para conter o espalhamento do vírus como imaginado inicialmente. Também demonstra que controlar o espalhamento do vírus nas escolas é muito difícil pois a grande maioria das crianças infectadas não apresenta sintomas apesar de transmitir a doença. Essa descoberta vai dar muita dor de cabeça aos governantes que têm a responsabilidade de decidir se mantêm as escolas fechadas ou abertas nos próximos meses.

MAIS INFORMAÇÕES: AGE-DEPENDENT EFFECTS IN THE TRANSMISSION AND CONTROL OF COVID-19 EPIDEMICS. NATURE MEDICINE HTTPS://DOI.ORG/10.1038/S41591-020-0962-9 (2020)

*É BIÓLOGO

Os sintomas iniciais da infecção por SARS-CoV-2 lembram uma gripe. Isso confundiu epidemiologistas e sistemas de saúde no início da pandemia. Eles sabiam de longa data que o vírus da gripe ataca preferencialmente crianças e jovens até os 20 anos e os adultos são mais resistentes. Já os efeitos mais severos e os casos de morte ocorrem principalmente na população mais velha, a partir dos 65 anos. Ou seja, a suscetibilidade diminui e a severidade aumenta com a idade. Essa característica faz com que a contaminação das crianças nas escolas seja uma das principais fontes de disseminação do vírus da gripe na população. Foi esse conhecimento que levou países a imediatamente fechar escolas na esperança de que essa medida ajudasse a conter o espalhamento do vírus.

Ilustração do novo coronavírus (2019-nCoV), responsável pela doença covid-19 Foto: Reuters

Mas não demorou muito para descobrirem que a covid-19 não é uma gripezinha. Epidemiologistas observaram que poucas crianças abaixo de 15 anos pareciam ser contaminadas pelo SARS-CoV-2 e casos graves de covid-19 entre crianças eram raros. Os casos aumentavam a partir dos 15 anos e atingiam seu máximo a partir dos 25 anos. Ou seja, a suscetibilidade aumenta com a idade, o contrário do que acontece com o vírus da gripe. O que estaria acontecendo com as crianças? 

Esse problema foi em grande parte resolvido em um estudo cuidadoso e detalhado em que o progresso da doença foi comparado em diversas cidades em que a frequência de crianças entre os habitantes varia muito. Existem duas possibilidades para explicar o pequeno número de crianças com a doença. Ou muitas crianças simplesmente não se infectam (são resistentes ao vírus) ou então elas se infectam, mas não apresentam sintomas (são assintomáticas). Essas duas possibilidades têm consequências muito diferentes. Se elas são resistentes, fechar escolas não faz sentido pois as escolas não são locais de propagação do vírus. Já se são assintomáticas, as crianças podem contrair e transmitir o vírus, e escolas seriam locais onde, pela a interação entra crianças, o SARS-CoV-2 poderia migrar de um núcleo familiar a outro. 

Foi para verificar qual dessas hipóteses é correta (ou uma combinação de ambas) que um grupo de epidemiologistas comparou o espalhamento do vírus em cidades com diferentes quantidades de crianças (ou seja, com pirâmides etárias distintas). Entre as cidades analisadas estão Milão, onde a população de crianças é pequena (mediana das idades de 43, ou seja, metade da população tem menos de 43 anos), Birmingham com uma mediana de 30 anos e Bulawayo, no Zimbábue, onde as crianças predominam (metade da população tem menos de 15 anos de idade). Você pode imaginar que se nessas três cidades, caso as crianças sejam resistentes ou assintomáticas, os números de casos em cada faixa etária ao longo do tempo será muito diferente. Assim os cientistas construíram modelos matemáticos que previam o que teria acontecido em cada uma dessas cidades se as crianças fossem resistentes ou se elas fossem assintomáticas.

Os cientistas descobriram que usando os mesmos parâmetros, o modelo explica o espalhamento do vírus nas diferentes cidades. Esse modelo que explica a disseminação do vírus nas diferentes cidades assume que as crianças são parcialmente resistentes ao vírus e, quando infectadas, muitas são assintomáticas. Como esse modelo explica o que aconteceu em cidades com culturas, hábitos e genética distintas, podemos concluir que os parâmetros usados nesses modelos explicam como o vírus interage com as crianças em todos esses ambientes.

O que eles descobriram, de forma simplificada, é o seguinte: pessoas com menos de 20 anos são duas vezes mais resistentes ao vírus que pessoas com mais de 20. Ou seja, o vírus tem o dobro de dificuldade de infectar pessoas com menos de 20 anos. Portanto, há menos casos entre os jovens. Além disso, entre os que contraem o vírus, só 21% dos jovens entre 10 e 19 anos manifestam sintomas. Já nas pessoas com mais de 70, 69% apresentem os sintomas da covid-19. A conclusão é de que crianças e jovens são parcialmente resistentes e, em grande parte, assintomáticas.

A descoberta demonstra, como explicam os autores, que fechar escolas não é um fator importante para conter o espalhamento do vírus como imaginado inicialmente. Também demonstra que controlar o espalhamento do vírus nas escolas é muito difícil pois a grande maioria das crianças infectadas não apresenta sintomas apesar de transmitir a doença. Essa descoberta vai dar muita dor de cabeça aos governantes que têm a responsabilidade de decidir se mantêm as escolas fechadas ou abertas nos próximos meses.

MAIS INFORMAÇÕES: AGE-DEPENDENT EFFECTS IN THE TRANSMISSION AND CONTROL OF COVID-19 EPIDEMICS. NATURE MEDICINE HTTPS://DOI.ORG/10.1038/S41591-020-0962-9 (2020)

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