Muitos seres vivos têm relógios biológicos. Nas últimas décadas, o mecanismo desse relógio foi desvendado. Hoje temos uma ideia bastante precisa de como ele funciona. Da mesma maneira que um pêndulo (ou um cristal de quartzo) determina um intervalo de tempo constante que depois é convertido no movimento dos ponteiros que mostram a hora, nos seres vivos existe um grupo de moléculas cujas quantidades variam ao longo do tempo de maneira precisa, marcando o passar do tempo e regulando nosso comportamento. É esse relógio biológico que induz o sono e nos acorda de manhã, modula nosso apetite sexual e o desempenho de nosso cérebro.
Esse relógio funciona independentemente do ciclo solar. É por causa da sua existência que quando viajamos para outro fuso horário ficamos com um sono imenso no meio do dia e saltamos da cama no meio da noite. O “jet lag” é o resultado de nosso corpo já estar em Los Angeles enquanto nosso relógio biológico ainda está marcando a hora de São Paulo. À medida que nosso relógio biológico vai se ajustando, o “jet lag” desaparece. Hoje sabemos que o que “acerta” nosso relógio biológico quando mudamos de fuso horário é a exposição à luz. É por isso que quando seu corpo sente sono durante o dia (ele pensa que é noite) a melhor solução é mostrar para seu cérebro que é dia. E para isso nada melhor que ir passear no sol.
O ponteiro do nosso relógio biológico é um hormônio chamado melatonina. A quantidade desse hormônio no sangue varia ao longo do dia. Ele aumenta antes do horário em que vamos dormir e fica muito alto durante a madrugada. Depois diminui novamente. É por isso que muitas pessoas tomam melatonina para curar o “jet lag”, tentando acertar o relógio biológico. Para saber as horas de nosso relógio biológico, em vez de olhar o pulso, você pode medir a quantidade desse hormônio na saliva ou no sangue.
Foi exatamente isso que os cientistas fizeram com cinco voluntários. Durante uma semana, eles foram colocados em uma ambiente absolutamente regular, indo dormir sempre na mesma hora, acordando na mesma hora e trabalhando durante o dia. Ao longo dessa semana, as medidas da quantidade de melatonina na saliva subiam e desciam regularmente, atingindo o pico de alta e o valor mínimo no mesmo horário.
Após essa semana de vida regrada (e sem café), metade dos voluntários recebeu uma quantidade de cafeína, equivalente a dois expressos, três horas antes da hora que eles normalmente iam dormir. Os outros voluntários também receberam uma pílula, mas sem cafeína.
Ao longo das horas seguintes, a quantidade de melatonina continuou a ser medida regularmente. O que os cientistas descobriram é que os voluntários que haviam tomado cafeína demoraram 40 minutos a mais para iniciar a produção de melatonina, e o hormônio só atingiu seu nível máximo 40 minutos depois. Ou seja, o relógio biológico das pessoas que tomaram cafeína foi atrasado em 40 minutos.
Esse resultado demonstra que a cafeína é um modulador do nosso relógio biológico, retardando o aumento da melatonina e atrasando o horário em que chega o sono. Esse resultado confirma uma observação que faço toda noite. Eu tenho o hábito de tomar um expresso exatamente antes de ir para a cama. Isso tem me garantido entre 40 minutos e uma hora de leitura antes do meu Kindle cair sobre os óculos.
MAIS INFORMAÇÕES: EFFECTS OF CAFFEINE ON THE HUMAN CIRCADIAN CLOCK IN VIVO AND IN VITRO. SCIENCE TRANSLATIONAL MEDICINE, VOL. 7, PÁG. 305 RA146 (2015)