Opinião|Calor, vento, chuva? Novo modelo com inteligência artificial promete revolucionar previsão do tempo


Sistema usa dados climáticos dos últimos 39 anos para projetar o que acontecerá nos próximos dez dias; método também pode reduzir o custo computacional para fazer as projeções

Por Fernando Reinach
Atualização:

Inúmeras decisões dependem do que acreditamos que vai acontecer com o clima. Levamos um guarda-chuva ao sairmos de casa? Uma cidade deve ser evacuada com a chegada de um furacão? É preciso saber quando e onde vai chover para decidir quando plantar ou colher.

O problema é que essas previsões, apesar de terem melhorado ao longo dos anos, continuam pouco confiáveis. Mas agora, um novo método promete aumentar de forma significativa a qualidade da previsão, além de diminuir em quase mil vezes o custo computacional para produzir as previsões. Isso pode levar a uma revolução nessa área.

São Paulo tem sofrido com quedas de árvores e apagões após temporais nas últimas semanas Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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Para prever o que vai ocorrer no futuro, os cientistas se baseiam no que ocorreu no passado e no que está ocorrendo no presente. Essas informações, como a temperatura do ar, a umidade, a pressão atmosférica, a direção e intensidade dos ventos, e outros dados são coletados por milhares de estações meteorológicas espalhadas pelo planeta.

Elas são combinadas com informações enviadas por satélites, balões meteorológicos e aviões e enviadas a um punhado de enormes centros de computação, sendo os principais o europeu e o americano (o Brasil tem um em São José dos Campos). No método atual, os cientistas usam as leis da Física, que determinam o comportamento de gases e líquidos para montar um enorme sistema de equações.

Assim, se em um local a temperatura está aumentando, o ar deve subir para camadas mais altas da atmosfera. Mas isso é influenciado pela pressão no local, que pode acentuar ou diminuir esse fenômeno, também afetado pela umidade e outros fatores. É fácil imaginar que o número dessas equações aumenta rapidamente à medida que se acrescente mais dados de estações meteorológicas e dados de um passado mais distante.

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O resultado é um conjunto de equações monstruoso, que precisa ser resolvido para prever o que ocorrerá em seguida. E esse processo tem de ser repetido para cada instante no futuro. O fato é que esses modelos se tornaram os mais complexos sistemas dinâmicos existentes no mundo. E, para resolver as equações, são necessários supercomputadores cada vez maiores e mais caros.

Se não bastasse essa dificuldade, mesmo esses supercomputadores levam horas para fazer cada previsão. O resultado é que só alguns centros no mundo são capazes de investir o necessário para aprimorar as previsões. As previsões, apesar de precisas no futuro próximo (algumas horas no futuro), erram muito nas previsões de médio prazo (até 10 dias no futuro).

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A nova metodologia foi desenvolvida por um grupo de cientistas da área de inteligência artificial. É o mesmo grupo que, faz alguns anos, revolucionou a Biologia Molecular desenvolvendo um método capaz de prever a estrutura tridimensional das proteínas, outro problema computacional considerado intratável. Esse grupo trabalha na DeepMind, em Londres. Essa empresa foi comprada pela Google, mas foi mantida com um centro de pesquisa independente dedicado à ciência básica.

Estiagem no Amazonas tem interrompido transporte fluvial e agravado queimadas Foto: Edmar Barros/AP

Esse novo sistema, o GraphCast, ignora totalmente as leis da Física e as equações derivadas dessas leis. Ele consiste em um sistema de inteligência artificial, que foi treinado com todos os dados climáticos coletados nos últimos 39 anos (1979 a 2017). O modelo contém 36,7 milhões de parâmetros, mas não incorpora nenhuma equação das leis da Física, somente observações do passado.

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Para entender a diferença entre os dois métodos: imagine que você deseja prever como uma maçã cai de uma árvore. Um método consiste em usar as leis de Newton para calcular a velocidade e o deslocamento da maçã (é o método clássico de previsão do tempo).

Outro método é observar o que ocorreu com todas as maçãs que caíram de árvores nos últimos 39 anos e prever o que vai acontecer com a maçã ignorando as leis de Newton (é o método da Google). Na realidade, são as leis de Newton que determinam o destino de todas as maçãs, mas você não precisa fazer a conta toda vez que quer saber o que vai acontecer com a próxima maçã.

Basta aprender o que aconteceu com todas as maçãs no passado. É assim que nosso cérebro funciona: prevemos com uma pedra vai cair quando a soltamos. Não porque fizemos as contas usando as equações de Newton, mas porque todas as pedras que deixamos cair no passado de fato caíram da mesma maneira.

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O GraphCast é um sistema de inteligência artificial treinado com todas as informações climáticas do passado. E ele usa o que aprendeu nesse treino para tentar prever o que acontecerá no futuro. Construir o sistema de inteligência artificial e treiná-lo é um processo lento e caro, mas uma vez treinado, o sistema usa os dados das últimas seis horas para prever o que acontece seis horas adiante.

Em seguida, pega esse resultado e extrapola por mais seis horas. Após fazer isso 40 vezes, ele acaba com uma previsão para o que vai acontecer nos próximos 10 dias. E, para executar essa tarefa, ele necessita de um computador relativamente pequeno, algo mais parecido com um grupo de computadores pessoais.

Nos últimos meses, o GraphCast foi instalado no centro de previsão do clima europeu e trabalhou em paralelo ao sistema original baseado nas equações. Isso permitiu uma comparação direta entre as previsões feitas pelos dois sistemas com o que de fato ocorreu. Das 1380 previsões feitas pelos dois sistemas, o GraphCast foi melhor que o sistema antigo em 90% dos casos, mostrando claramente sua superioridade.

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Para previsões de até três dias no futuro, o GraphCast, apesar de mais rápido e barato, é somente um pouco melhor. Mas no intervalo entre 3 e 10 dias no futuro a vantagem do GraphCast fica evidente.

O GraphCast pode transformar radicalmente a previsão do tempo não somente por ser mais preciso, mas principalmente por ter custo menor e exigir menos poder computacional. Enquanto até hoje era impensável criar um sistema de previsão do tempo dedicado à região do Caribe ou à área onde se planta soja, milho e algodão no Cerrado brasileiro, talvez isso se torne possível num futuro próximo.

Como todo desenvolvimento tecnológico que melhora o desempenho e diminui centenas de vezes o custo, esses novos modelos podem revolucionar a predição de eventos climáticos. E o GraphCast ainda esta na sua primeira versão.

Mais informações: Learning skillful medium-range global weather forecasting. Science https://www.science.org/doi/10.1126/science.adi2336 2023

Inúmeras decisões dependem do que acreditamos que vai acontecer com o clima. Levamos um guarda-chuva ao sairmos de casa? Uma cidade deve ser evacuada com a chegada de um furacão? É preciso saber quando e onde vai chover para decidir quando plantar ou colher.

O problema é que essas previsões, apesar de terem melhorado ao longo dos anos, continuam pouco confiáveis. Mas agora, um novo método promete aumentar de forma significativa a qualidade da previsão, além de diminuir em quase mil vezes o custo computacional para produzir as previsões. Isso pode levar a uma revolução nessa área.

São Paulo tem sofrido com quedas de árvores e apagões após temporais nas últimas semanas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Para prever o que vai ocorrer no futuro, os cientistas se baseiam no que ocorreu no passado e no que está ocorrendo no presente. Essas informações, como a temperatura do ar, a umidade, a pressão atmosférica, a direção e intensidade dos ventos, e outros dados são coletados por milhares de estações meteorológicas espalhadas pelo planeta.

Elas são combinadas com informações enviadas por satélites, balões meteorológicos e aviões e enviadas a um punhado de enormes centros de computação, sendo os principais o europeu e o americano (o Brasil tem um em São José dos Campos). No método atual, os cientistas usam as leis da Física, que determinam o comportamento de gases e líquidos para montar um enorme sistema de equações.

Assim, se em um local a temperatura está aumentando, o ar deve subir para camadas mais altas da atmosfera. Mas isso é influenciado pela pressão no local, que pode acentuar ou diminuir esse fenômeno, também afetado pela umidade e outros fatores. É fácil imaginar que o número dessas equações aumenta rapidamente à medida que se acrescente mais dados de estações meteorológicas e dados de um passado mais distante.

O resultado é um conjunto de equações monstruoso, que precisa ser resolvido para prever o que ocorrerá em seguida. E esse processo tem de ser repetido para cada instante no futuro. O fato é que esses modelos se tornaram os mais complexos sistemas dinâmicos existentes no mundo. E, para resolver as equações, são necessários supercomputadores cada vez maiores e mais caros.

Se não bastasse essa dificuldade, mesmo esses supercomputadores levam horas para fazer cada previsão. O resultado é que só alguns centros no mundo são capazes de investir o necessário para aprimorar as previsões. As previsões, apesar de precisas no futuro próximo (algumas horas no futuro), erram muito nas previsões de médio prazo (até 10 dias no futuro).

A nova metodologia foi desenvolvida por um grupo de cientistas da área de inteligência artificial. É o mesmo grupo que, faz alguns anos, revolucionou a Biologia Molecular desenvolvendo um método capaz de prever a estrutura tridimensional das proteínas, outro problema computacional considerado intratável. Esse grupo trabalha na DeepMind, em Londres. Essa empresa foi comprada pela Google, mas foi mantida com um centro de pesquisa independente dedicado à ciência básica.

Estiagem no Amazonas tem interrompido transporte fluvial e agravado queimadas Foto: Edmar Barros/AP

Esse novo sistema, o GraphCast, ignora totalmente as leis da Física e as equações derivadas dessas leis. Ele consiste em um sistema de inteligência artificial, que foi treinado com todos os dados climáticos coletados nos últimos 39 anos (1979 a 2017). O modelo contém 36,7 milhões de parâmetros, mas não incorpora nenhuma equação das leis da Física, somente observações do passado.

Para entender a diferença entre os dois métodos: imagine que você deseja prever como uma maçã cai de uma árvore. Um método consiste em usar as leis de Newton para calcular a velocidade e o deslocamento da maçã (é o método clássico de previsão do tempo).

Outro método é observar o que ocorreu com todas as maçãs que caíram de árvores nos últimos 39 anos e prever o que vai acontecer com a maçã ignorando as leis de Newton (é o método da Google). Na realidade, são as leis de Newton que determinam o destino de todas as maçãs, mas você não precisa fazer a conta toda vez que quer saber o que vai acontecer com a próxima maçã.

Basta aprender o que aconteceu com todas as maçãs no passado. É assim que nosso cérebro funciona: prevemos com uma pedra vai cair quando a soltamos. Não porque fizemos as contas usando as equações de Newton, mas porque todas as pedras que deixamos cair no passado de fato caíram da mesma maneira.

O GraphCast é um sistema de inteligência artificial treinado com todas as informações climáticas do passado. E ele usa o que aprendeu nesse treino para tentar prever o que acontecerá no futuro. Construir o sistema de inteligência artificial e treiná-lo é um processo lento e caro, mas uma vez treinado, o sistema usa os dados das últimas seis horas para prever o que acontece seis horas adiante.

Em seguida, pega esse resultado e extrapola por mais seis horas. Após fazer isso 40 vezes, ele acaba com uma previsão para o que vai acontecer nos próximos 10 dias. E, para executar essa tarefa, ele necessita de um computador relativamente pequeno, algo mais parecido com um grupo de computadores pessoais.

Nos últimos meses, o GraphCast foi instalado no centro de previsão do clima europeu e trabalhou em paralelo ao sistema original baseado nas equações. Isso permitiu uma comparação direta entre as previsões feitas pelos dois sistemas com o que de fato ocorreu. Das 1380 previsões feitas pelos dois sistemas, o GraphCast foi melhor que o sistema antigo em 90% dos casos, mostrando claramente sua superioridade.

Para previsões de até três dias no futuro, o GraphCast, apesar de mais rápido e barato, é somente um pouco melhor. Mas no intervalo entre 3 e 10 dias no futuro a vantagem do GraphCast fica evidente.

O GraphCast pode transformar radicalmente a previsão do tempo não somente por ser mais preciso, mas principalmente por ter custo menor e exigir menos poder computacional. Enquanto até hoje era impensável criar um sistema de previsão do tempo dedicado à região do Caribe ou à área onde se planta soja, milho e algodão no Cerrado brasileiro, talvez isso se torne possível num futuro próximo.

Como todo desenvolvimento tecnológico que melhora o desempenho e diminui centenas de vezes o custo, esses novos modelos podem revolucionar a predição de eventos climáticos. E o GraphCast ainda esta na sua primeira versão.

Mais informações: Learning skillful medium-range global weather forecasting. Science https://www.science.org/doi/10.1126/science.adi2336 2023

Inúmeras decisões dependem do que acreditamos que vai acontecer com o clima. Levamos um guarda-chuva ao sairmos de casa? Uma cidade deve ser evacuada com a chegada de um furacão? É preciso saber quando e onde vai chover para decidir quando plantar ou colher.

O problema é que essas previsões, apesar de terem melhorado ao longo dos anos, continuam pouco confiáveis. Mas agora, um novo método promete aumentar de forma significativa a qualidade da previsão, além de diminuir em quase mil vezes o custo computacional para produzir as previsões. Isso pode levar a uma revolução nessa área.

São Paulo tem sofrido com quedas de árvores e apagões após temporais nas últimas semanas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Para prever o que vai ocorrer no futuro, os cientistas se baseiam no que ocorreu no passado e no que está ocorrendo no presente. Essas informações, como a temperatura do ar, a umidade, a pressão atmosférica, a direção e intensidade dos ventos, e outros dados são coletados por milhares de estações meteorológicas espalhadas pelo planeta.

Elas são combinadas com informações enviadas por satélites, balões meteorológicos e aviões e enviadas a um punhado de enormes centros de computação, sendo os principais o europeu e o americano (o Brasil tem um em São José dos Campos). No método atual, os cientistas usam as leis da Física, que determinam o comportamento de gases e líquidos para montar um enorme sistema de equações.

Assim, se em um local a temperatura está aumentando, o ar deve subir para camadas mais altas da atmosfera. Mas isso é influenciado pela pressão no local, que pode acentuar ou diminuir esse fenômeno, também afetado pela umidade e outros fatores. É fácil imaginar que o número dessas equações aumenta rapidamente à medida que se acrescente mais dados de estações meteorológicas e dados de um passado mais distante.

O resultado é um conjunto de equações monstruoso, que precisa ser resolvido para prever o que ocorrerá em seguida. E esse processo tem de ser repetido para cada instante no futuro. O fato é que esses modelos se tornaram os mais complexos sistemas dinâmicos existentes no mundo. E, para resolver as equações, são necessários supercomputadores cada vez maiores e mais caros.

Se não bastasse essa dificuldade, mesmo esses supercomputadores levam horas para fazer cada previsão. O resultado é que só alguns centros no mundo são capazes de investir o necessário para aprimorar as previsões. As previsões, apesar de precisas no futuro próximo (algumas horas no futuro), erram muito nas previsões de médio prazo (até 10 dias no futuro).

A nova metodologia foi desenvolvida por um grupo de cientistas da área de inteligência artificial. É o mesmo grupo que, faz alguns anos, revolucionou a Biologia Molecular desenvolvendo um método capaz de prever a estrutura tridimensional das proteínas, outro problema computacional considerado intratável. Esse grupo trabalha na DeepMind, em Londres. Essa empresa foi comprada pela Google, mas foi mantida com um centro de pesquisa independente dedicado à ciência básica.

Estiagem no Amazonas tem interrompido transporte fluvial e agravado queimadas Foto: Edmar Barros/AP

Esse novo sistema, o GraphCast, ignora totalmente as leis da Física e as equações derivadas dessas leis. Ele consiste em um sistema de inteligência artificial, que foi treinado com todos os dados climáticos coletados nos últimos 39 anos (1979 a 2017). O modelo contém 36,7 milhões de parâmetros, mas não incorpora nenhuma equação das leis da Física, somente observações do passado.

Para entender a diferença entre os dois métodos: imagine que você deseja prever como uma maçã cai de uma árvore. Um método consiste em usar as leis de Newton para calcular a velocidade e o deslocamento da maçã (é o método clássico de previsão do tempo).

Outro método é observar o que ocorreu com todas as maçãs que caíram de árvores nos últimos 39 anos e prever o que vai acontecer com a maçã ignorando as leis de Newton (é o método da Google). Na realidade, são as leis de Newton que determinam o destino de todas as maçãs, mas você não precisa fazer a conta toda vez que quer saber o que vai acontecer com a próxima maçã.

Basta aprender o que aconteceu com todas as maçãs no passado. É assim que nosso cérebro funciona: prevemos com uma pedra vai cair quando a soltamos. Não porque fizemos as contas usando as equações de Newton, mas porque todas as pedras que deixamos cair no passado de fato caíram da mesma maneira.

O GraphCast é um sistema de inteligência artificial treinado com todas as informações climáticas do passado. E ele usa o que aprendeu nesse treino para tentar prever o que acontecerá no futuro. Construir o sistema de inteligência artificial e treiná-lo é um processo lento e caro, mas uma vez treinado, o sistema usa os dados das últimas seis horas para prever o que acontece seis horas adiante.

Em seguida, pega esse resultado e extrapola por mais seis horas. Após fazer isso 40 vezes, ele acaba com uma previsão para o que vai acontecer nos próximos 10 dias. E, para executar essa tarefa, ele necessita de um computador relativamente pequeno, algo mais parecido com um grupo de computadores pessoais.

Nos últimos meses, o GraphCast foi instalado no centro de previsão do clima europeu e trabalhou em paralelo ao sistema original baseado nas equações. Isso permitiu uma comparação direta entre as previsões feitas pelos dois sistemas com o que de fato ocorreu. Das 1380 previsões feitas pelos dois sistemas, o GraphCast foi melhor que o sistema antigo em 90% dos casos, mostrando claramente sua superioridade.

Para previsões de até três dias no futuro, o GraphCast, apesar de mais rápido e barato, é somente um pouco melhor. Mas no intervalo entre 3 e 10 dias no futuro a vantagem do GraphCast fica evidente.

O GraphCast pode transformar radicalmente a previsão do tempo não somente por ser mais preciso, mas principalmente por ter custo menor e exigir menos poder computacional. Enquanto até hoje era impensável criar um sistema de previsão do tempo dedicado à região do Caribe ou à área onde se planta soja, milho e algodão no Cerrado brasileiro, talvez isso se torne possível num futuro próximo.

Como todo desenvolvimento tecnológico que melhora o desempenho e diminui centenas de vezes o custo, esses novos modelos podem revolucionar a predição de eventos climáticos. E o GraphCast ainda esta na sua primeira versão.

Mais informações: Learning skillful medium-range global weather forecasting. Science https://www.science.org/doi/10.1126/science.adi2336 2023

Inúmeras decisões dependem do que acreditamos que vai acontecer com o clima. Levamos um guarda-chuva ao sairmos de casa? Uma cidade deve ser evacuada com a chegada de um furacão? É preciso saber quando e onde vai chover para decidir quando plantar ou colher.

O problema é que essas previsões, apesar de terem melhorado ao longo dos anos, continuam pouco confiáveis. Mas agora, um novo método promete aumentar de forma significativa a qualidade da previsão, além de diminuir em quase mil vezes o custo computacional para produzir as previsões. Isso pode levar a uma revolução nessa área.

São Paulo tem sofrido com quedas de árvores e apagões após temporais nas últimas semanas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Para prever o que vai ocorrer no futuro, os cientistas se baseiam no que ocorreu no passado e no que está ocorrendo no presente. Essas informações, como a temperatura do ar, a umidade, a pressão atmosférica, a direção e intensidade dos ventos, e outros dados são coletados por milhares de estações meteorológicas espalhadas pelo planeta.

Elas são combinadas com informações enviadas por satélites, balões meteorológicos e aviões e enviadas a um punhado de enormes centros de computação, sendo os principais o europeu e o americano (o Brasil tem um em São José dos Campos). No método atual, os cientistas usam as leis da Física, que determinam o comportamento de gases e líquidos para montar um enorme sistema de equações.

Assim, se em um local a temperatura está aumentando, o ar deve subir para camadas mais altas da atmosfera. Mas isso é influenciado pela pressão no local, que pode acentuar ou diminuir esse fenômeno, também afetado pela umidade e outros fatores. É fácil imaginar que o número dessas equações aumenta rapidamente à medida que se acrescente mais dados de estações meteorológicas e dados de um passado mais distante.

O resultado é um conjunto de equações monstruoso, que precisa ser resolvido para prever o que ocorrerá em seguida. E esse processo tem de ser repetido para cada instante no futuro. O fato é que esses modelos se tornaram os mais complexos sistemas dinâmicos existentes no mundo. E, para resolver as equações, são necessários supercomputadores cada vez maiores e mais caros.

Se não bastasse essa dificuldade, mesmo esses supercomputadores levam horas para fazer cada previsão. O resultado é que só alguns centros no mundo são capazes de investir o necessário para aprimorar as previsões. As previsões, apesar de precisas no futuro próximo (algumas horas no futuro), erram muito nas previsões de médio prazo (até 10 dias no futuro).

A nova metodologia foi desenvolvida por um grupo de cientistas da área de inteligência artificial. É o mesmo grupo que, faz alguns anos, revolucionou a Biologia Molecular desenvolvendo um método capaz de prever a estrutura tridimensional das proteínas, outro problema computacional considerado intratável. Esse grupo trabalha na DeepMind, em Londres. Essa empresa foi comprada pela Google, mas foi mantida com um centro de pesquisa independente dedicado à ciência básica.

Estiagem no Amazonas tem interrompido transporte fluvial e agravado queimadas Foto: Edmar Barros/AP

Esse novo sistema, o GraphCast, ignora totalmente as leis da Física e as equações derivadas dessas leis. Ele consiste em um sistema de inteligência artificial, que foi treinado com todos os dados climáticos coletados nos últimos 39 anos (1979 a 2017). O modelo contém 36,7 milhões de parâmetros, mas não incorpora nenhuma equação das leis da Física, somente observações do passado.

Para entender a diferença entre os dois métodos: imagine que você deseja prever como uma maçã cai de uma árvore. Um método consiste em usar as leis de Newton para calcular a velocidade e o deslocamento da maçã (é o método clássico de previsão do tempo).

Outro método é observar o que ocorreu com todas as maçãs que caíram de árvores nos últimos 39 anos e prever o que vai acontecer com a maçã ignorando as leis de Newton (é o método da Google). Na realidade, são as leis de Newton que determinam o destino de todas as maçãs, mas você não precisa fazer a conta toda vez que quer saber o que vai acontecer com a próxima maçã.

Basta aprender o que aconteceu com todas as maçãs no passado. É assim que nosso cérebro funciona: prevemos com uma pedra vai cair quando a soltamos. Não porque fizemos as contas usando as equações de Newton, mas porque todas as pedras que deixamos cair no passado de fato caíram da mesma maneira.

O GraphCast é um sistema de inteligência artificial treinado com todas as informações climáticas do passado. E ele usa o que aprendeu nesse treino para tentar prever o que acontecerá no futuro. Construir o sistema de inteligência artificial e treiná-lo é um processo lento e caro, mas uma vez treinado, o sistema usa os dados das últimas seis horas para prever o que acontece seis horas adiante.

Em seguida, pega esse resultado e extrapola por mais seis horas. Após fazer isso 40 vezes, ele acaba com uma previsão para o que vai acontecer nos próximos 10 dias. E, para executar essa tarefa, ele necessita de um computador relativamente pequeno, algo mais parecido com um grupo de computadores pessoais.

Nos últimos meses, o GraphCast foi instalado no centro de previsão do clima europeu e trabalhou em paralelo ao sistema original baseado nas equações. Isso permitiu uma comparação direta entre as previsões feitas pelos dois sistemas com o que de fato ocorreu. Das 1380 previsões feitas pelos dois sistemas, o GraphCast foi melhor que o sistema antigo em 90% dos casos, mostrando claramente sua superioridade.

Para previsões de até três dias no futuro, o GraphCast, apesar de mais rápido e barato, é somente um pouco melhor. Mas no intervalo entre 3 e 10 dias no futuro a vantagem do GraphCast fica evidente.

O GraphCast pode transformar radicalmente a previsão do tempo não somente por ser mais preciso, mas principalmente por ter custo menor e exigir menos poder computacional. Enquanto até hoje era impensável criar um sistema de previsão do tempo dedicado à região do Caribe ou à área onde se planta soja, milho e algodão no Cerrado brasileiro, talvez isso se torne possível num futuro próximo.

Como todo desenvolvimento tecnológico que melhora o desempenho e diminui centenas de vezes o custo, esses novos modelos podem revolucionar a predição de eventos climáticos. E o GraphCast ainda esta na sua primeira versão.

Mais informações: Learning skillful medium-range global weather forecasting. Science https://www.science.org/doi/10.1126/science.adi2336 2023

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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