Opinião|Como uma cientista resolveu testar em si mesma um novo tratamento e curou o próprio câncer de mama


Usar o próprio corpo como animal de laboratório exige coragem, pode levar à morte, e é considerado por muitos como repreensível

Por Fernando Reinach
Atualização:

Quando seu câncer de mama retornou pela segunda vez em 2020, a cientista croata Beata Halassy resolveu testar em si mesma um novo tratamento. Funcionou. Beata está livre do câncer e agora publicou um trabalho científico descrevendo seu próprio caso.

Casos de cientistas que usam o próprio corpo para fazer pesquisa são raros. O mais conhecido é o do australiano Barry Marshall que descobriu a cura para a úlcera de estômago. Ele havia observado que pacientes com úlcera tinham no estômago uma bactéria chamada Helictobacter pylori e postulou que essa era a causa das úlceras. A comunidade científica não comprou a ideia. Barry, então, engoliu a bactéria e ficou com úlcera. Tempos depois tomou um antibiótico que sabia que matava a bactéria e se curou.

Foi o fim das úlceras de estômago, que hoje são curadas rapidamente com antibióticos. Marshall ganhou o prêmio Nobel em 2005.

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Desde 2020, até a publicação do trabalho, a cientista croata Beata Halassy está livre de câncer. Foto: Ivanka Popic/Divulgação

Usar o próprio corpo como animal de laboratório exige coragem, pode levar à morte, e é considerado por muitos como repreensível. Mas, por outro lado, livra o pesquisador de todos os requisitos necessários para testar uma nova droga ou tratamento.

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Normalmente, para testar algo em humanos é necessário demonstrar que o tratamento funciona e é eficaz em animais, o que pode levar décadas. Em seguida, é necessário a aprovação de comitês de ética e órgãos governamentais. Tudo isso leva tempo, custa muito, mas garante um risco muito baixo para os primeiros seres humanos que vão testar a droga. É o caminho usual da ciência.

Testando no próprio corpo nada disso é necessário, tudo depende da decisão individual da pessoa. Alto risco, mas potencialmente alto retorno, como mostra o caso de Marshall.

O câncer de mama de Beata Halassy surgiu em 2016. Ela foi tratada de modo convencional com uma mastectomia e quimioterapia. Em 2018, o câncer voltou e ela foi novamente operada. Mas, em 2020, um novo tumor de 2 cm foi detectado. Foi quando Beata resolveu tomar as rédeas do tratamento. Ela foi acompanhada pelos seus oncologistas prontos para retomar o tratamento convencional caso sua ideia não funcionasse.

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O tumor de Beata era derivado das células epiteliais que recobrem os dutos mamários. Esse tipo de célula é atacado por uma série de vírus humanos bem conhecidos e Beata decidiu injetar grande quantidade desses vírus diretamente no interior do tumor na esperança que além de atacar as células tumorais os vírus provocassem uma reação do sistema imune.

Ela selecionou dois vírus. Um é uma cepa do vírus do sarampo que é usado na produção da vacina para essa doença e o outro um vírus que causa estomatite, uma infecção na boca. Ambos os vírus foram produzidos por Baeta no seu próprio laboratório e injetados diretamente no tumor. Nos primeiros 20 dias, foram injetadas seis doses do vírus do sarampo e nos 30 dias subsequentes foram injetadas três doses do vírus da estomatite.

Ao longo dos dois meses de tratamento, o tumor regrediu de 2,5 cm para 0,9 cm e se tornou menos firme. Durante esse período o nível de anticorpos contra os vírus aumentou. Aos 60 dias, o que restava no local do tumor foi removido numa pequena cirurgia.

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A análise do tecido retirado mostrou um grande número de células tumorais mortas e uma enorme infiltração de células do sistema imune. Desde 2020, até a publicação do trabalho, Beata está livre de câncer.

O uso de vírus oncolíticos para tratar tumores é uma ideia antiga, que vem sendo desenvolvida faz anos, com alguns testes clínicos em andamento, mas nunca se havia tentado esse protocolo, com esses vírus, em seres humanos.

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Estudos em que o cientista usa o próprio corpo não são suficientes para demonstrar que um tratamento é eficiente, pois a amostragem de um único caso é claramente insuficiente. Mas, eles têm a vantagem de estimular os cientistas a executarem testes mais cuidadosos que podem resultar em novos tratamentos. Esse é o caso desse experimento, que levou o laboratório de Beata a colaborar com empresas farmacêuticas para comprovar rapidamente o resultado obtido no seu próprio.

Eu tenho uma certa admiração por esses heróis da ciência que acreditam tanto em suas ideias que arriscam sua própria saúde usando o corpo como cobaia. Mas, esse não é, nem deve ser, o caminho trilhado no desenvolvimento de novos tratamentos e medicamentos. E não deve ser tentado, jamais, por não especialistas.

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Mais informações: An Unconventional Case Study of Neoadjuvant Oncolytic Virotherapy for Recurrent Breast Cancer. Vaccines https://doi.org/10.3390/vaccines12090958 2024

Quando seu câncer de mama retornou pela segunda vez em 2020, a cientista croata Beata Halassy resolveu testar em si mesma um novo tratamento. Funcionou. Beata está livre do câncer e agora publicou um trabalho científico descrevendo seu próprio caso.

Casos de cientistas que usam o próprio corpo para fazer pesquisa são raros. O mais conhecido é o do australiano Barry Marshall que descobriu a cura para a úlcera de estômago. Ele havia observado que pacientes com úlcera tinham no estômago uma bactéria chamada Helictobacter pylori e postulou que essa era a causa das úlceras. A comunidade científica não comprou a ideia. Barry, então, engoliu a bactéria e ficou com úlcera. Tempos depois tomou um antibiótico que sabia que matava a bactéria e se curou.

Foi o fim das úlceras de estômago, que hoje são curadas rapidamente com antibióticos. Marshall ganhou o prêmio Nobel em 2005.

Desde 2020, até a publicação do trabalho, a cientista croata Beata Halassy está livre de câncer. Foto: Ivanka Popic/Divulgação

Usar o próprio corpo como animal de laboratório exige coragem, pode levar à morte, e é considerado por muitos como repreensível. Mas, por outro lado, livra o pesquisador de todos os requisitos necessários para testar uma nova droga ou tratamento.

Normalmente, para testar algo em humanos é necessário demonstrar que o tratamento funciona e é eficaz em animais, o que pode levar décadas. Em seguida, é necessário a aprovação de comitês de ética e órgãos governamentais. Tudo isso leva tempo, custa muito, mas garante um risco muito baixo para os primeiros seres humanos que vão testar a droga. É o caminho usual da ciência.

Testando no próprio corpo nada disso é necessário, tudo depende da decisão individual da pessoa. Alto risco, mas potencialmente alto retorno, como mostra o caso de Marshall.

O câncer de mama de Beata Halassy surgiu em 2016. Ela foi tratada de modo convencional com uma mastectomia e quimioterapia. Em 2018, o câncer voltou e ela foi novamente operada. Mas, em 2020, um novo tumor de 2 cm foi detectado. Foi quando Beata resolveu tomar as rédeas do tratamento. Ela foi acompanhada pelos seus oncologistas prontos para retomar o tratamento convencional caso sua ideia não funcionasse.

O tumor de Beata era derivado das células epiteliais que recobrem os dutos mamários. Esse tipo de célula é atacado por uma série de vírus humanos bem conhecidos e Beata decidiu injetar grande quantidade desses vírus diretamente no interior do tumor na esperança que além de atacar as células tumorais os vírus provocassem uma reação do sistema imune.

Ela selecionou dois vírus. Um é uma cepa do vírus do sarampo que é usado na produção da vacina para essa doença e o outro um vírus que causa estomatite, uma infecção na boca. Ambos os vírus foram produzidos por Baeta no seu próprio laboratório e injetados diretamente no tumor. Nos primeiros 20 dias, foram injetadas seis doses do vírus do sarampo e nos 30 dias subsequentes foram injetadas três doses do vírus da estomatite.

Ao longo dos dois meses de tratamento, o tumor regrediu de 2,5 cm para 0,9 cm e se tornou menos firme. Durante esse período o nível de anticorpos contra os vírus aumentou. Aos 60 dias, o que restava no local do tumor foi removido numa pequena cirurgia.

A análise do tecido retirado mostrou um grande número de células tumorais mortas e uma enorme infiltração de células do sistema imune. Desde 2020, até a publicação do trabalho, Beata está livre de câncer.

O uso de vírus oncolíticos para tratar tumores é uma ideia antiga, que vem sendo desenvolvida faz anos, com alguns testes clínicos em andamento, mas nunca se havia tentado esse protocolo, com esses vírus, em seres humanos.

Estudos em que o cientista usa o próprio corpo não são suficientes para demonstrar que um tratamento é eficiente, pois a amostragem de um único caso é claramente insuficiente. Mas, eles têm a vantagem de estimular os cientistas a executarem testes mais cuidadosos que podem resultar em novos tratamentos. Esse é o caso desse experimento, que levou o laboratório de Beata a colaborar com empresas farmacêuticas para comprovar rapidamente o resultado obtido no seu próprio.

Eu tenho uma certa admiração por esses heróis da ciência que acreditam tanto em suas ideias que arriscam sua própria saúde usando o corpo como cobaia. Mas, esse não é, nem deve ser, o caminho trilhado no desenvolvimento de novos tratamentos e medicamentos. E não deve ser tentado, jamais, por não especialistas.

Mais informações: An Unconventional Case Study of Neoadjuvant Oncolytic Virotherapy for Recurrent Breast Cancer. Vaccines https://doi.org/10.3390/vaccines12090958 2024

Quando seu câncer de mama retornou pela segunda vez em 2020, a cientista croata Beata Halassy resolveu testar em si mesma um novo tratamento. Funcionou. Beata está livre do câncer e agora publicou um trabalho científico descrevendo seu próprio caso.

Casos de cientistas que usam o próprio corpo para fazer pesquisa são raros. O mais conhecido é o do australiano Barry Marshall que descobriu a cura para a úlcera de estômago. Ele havia observado que pacientes com úlcera tinham no estômago uma bactéria chamada Helictobacter pylori e postulou que essa era a causa das úlceras. A comunidade científica não comprou a ideia. Barry, então, engoliu a bactéria e ficou com úlcera. Tempos depois tomou um antibiótico que sabia que matava a bactéria e se curou.

Foi o fim das úlceras de estômago, que hoje são curadas rapidamente com antibióticos. Marshall ganhou o prêmio Nobel em 2005.

Desde 2020, até a publicação do trabalho, a cientista croata Beata Halassy está livre de câncer. Foto: Ivanka Popic/Divulgação

Usar o próprio corpo como animal de laboratório exige coragem, pode levar à morte, e é considerado por muitos como repreensível. Mas, por outro lado, livra o pesquisador de todos os requisitos necessários para testar uma nova droga ou tratamento.

Normalmente, para testar algo em humanos é necessário demonstrar que o tratamento funciona e é eficaz em animais, o que pode levar décadas. Em seguida, é necessário a aprovação de comitês de ética e órgãos governamentais. Tudo isso leva tempo, custa muito, mas garante um risco muito baixo para os primeiros seres humanos que vão testar a droga. É o caminho usual da ciência.

Testando no próprio corpo nada disso é necessário, tudo depende da decisão individual da pessoa. Alto risco, mas potencialmente alto retorno, como mostra o caso de Marshall.

O câncer de mama de Beata Halassy surgiu em 2016. Ela foi tratada de modo convencional com uma mastectomia e quimioterapia. Em 2018, o câncer voltou e ela foi novamente operada. Mas, em 2020, um novo tumor de 2 cm foi detectado. Foi quando Beata resolveu tomar as rédeas do tratamento. Ela foi acompanhada pelos seus oncologistas prontos para retomar o tratamento convencional caso sua ideia não funcionasse.

O tumor de Beata era derivado das células epiteliais que recobrem os dutos mamários. Esse tipo de célula é atacado por uma série de vírus humanos bem conhecidos e Beata decidiu injetar grande quantidade desses vírus diretamente no interior do tumor na esperança que além de atacar as células tumorais os vírus provocassem uma reação do sistema imune.

Ela selecionou dois vírus. Um é uma cepa do vírus do sarampo que é usado na produção da vacina para essa doença e o outro um vírus que causa estomatite, uma infecção na boca. Ambos os vírus foram produzidos por Baeta no seu próprio laboratório e injetados diretamente no tumor. Nos primeiros 20 dias, foram injetadas seis doses do vírus do sarampo e nos 30 dias subsequentes foram injetadas três doses do vírus da estomatite.

Ao longo dos dois meses de tratamento, o tumor regrediu de 2,5 cm para 0,9 cm e se tornou menos firme. Durante esse período o nível de anticorpos contra os vírus aumentou. Aos 60 dias, o que restava no local do tumor foi removido numa pequena cirurgia.

A análise do tecido retirado mostrou um grande número de células tumorais mortas e uma enorme infiltração de células do sistema imune. Desde 2020, até a publicação do trabalho, Beata está livre de câncer.

O uso de vírus oncolíticos para tratar tumores é uma ideia antiga, que vem sendo desenvolvida faz anos, com alguns testes clínicos em andamento, mas nunca se havia tentado esse protocolo, com esses vírus, em seres humanos.

Estudos em que o cientista usa o próprio corpo não são suficientes para demonstrar que um tratamento é eficiente, pois a amostragem de um único caso é claramente insuficiente. Mas, eles têm a vantagem de estimular os cientistas a executarem testes mais cuidadosos que podem resultar em novos tratamentos. Esse é o caso desse experimento, que levou o laboratório de Beata a colaborar com empresas farmacêuticas para comprovar rapidamente o resultado obtido no seu próprio.

Eu tenho uma certa admiração por esses heróis da ciência que acreditam tanto em suas ideias que arriscam sua própria saúde usando o corpo como cobaia. Mas, esse não é, nem deve ser, o caminho trilhado no desenvolvimento de novos tratamentos e medicamentos. E não deve ser tentado, jamais, por não especialistas.

Mais informações: An Unconventional Case Study of Neoadjuvant Oncolytic Virotherapy for Recurrent Breast Cancer. Vaccines https://doi.org/10.3390/vaccines12090958 2024

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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