Opinião|Como a ciência pode provar que é inocente uma mãe condenada por matar os filhos


Dossiê de pesquisa pode tirar da prisão mulher condenada há 20 anos pela morte de quatro filhos

Por Fernando Reinach
Atualização:

No dia primeiro de março de 1999 uma mulher australiana chamada Kathleen Folbigg encontrou sua filha Laura de 18 meses morta no berço. Este seria mais um caso de uma síndrome rara, ainda misteriosa, chamada de morte no berço (crib death), se não fosse por um fato notado pela polícia: Laura era o quarto filho de Kathleen achado morto no berço pela mãe.

Dez anos antes, em 1989, seu primeiro filho, Kaleb, havia morrido da mesma maneira. E dois anos depois, em fevereiro de 1991, o segundo filho, Patrick, também foi achado morto no berço. Em 30 de agosto de 1993, o terceiro filho, Sarah, também morreu no berço. As necropsias não encontraram nada de anormal nas quatro crianças ou sinais de violência.

Um diário da mãe onde ela descreve sua angústia com o trabalho que os filhos davam e sua culpa em não ter sido uma boa mãe também foi usado como evidência e levou o pai das crianças a acreditar na culpa da mulher. Kathleen foi condenada em 2003 a 40 anos de prisão e ficou conhecida como a maior serial killer de crianças da Austrália.

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A australiana Kathleen Folbigg foi condenada a 40 anos de prisão, suspeita de matar os quatros filhos. Foto: DAVID GRAY / REUTERS

A condenação, sem evidências diretas dos assassinatos, foi polêmica. Em 2018, a defesa foi atrás de geneticistas na busca de alguma outra explicação para as quatro mortes. Apesar de não serem conhecidos genes envolvidos na síndrome da morte no berço, os cientistas acharam que seria uma boa ideia sequenciar o genoma de Kathleen.

Analisando o genoma, os cientistas encontraram uma mutação em um dos genes da calmodulina, uma proteína capaz de se ligar ao cálcio e envolvida no relaxamento das células musculares cardíacas. O problema é que essa mutação era nova e não tinha sido encontrada em nenhum outro ser humano e, portanto, era difícil saber se ela poderia ser responsável pela morte das crianças. Mesmo assim, os cientistas recomendaram que o genoma das crianças mortas fosse sequenciado. Por sorte existiam amostras de sangue e células das crianças em diversos hospitais e foi possível sequenciar seu genoma e demonstrar que a mutação tinha passado para as crianças.

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Nos anos seguintes começaram a aparecer trabalhos científicos, demonstrando que outras mutações no gene da calmodulina provocavam problemas cardíacos, mas em nenhum caso essa mutação especifica estava presente. Assim, quando houve uma primeira revisão da condenação, o juiz decidiu que as evidências relacionadas a essa mutação eram insuficientes para reverter a condenação. Faltava algum dado que ligasse essa mutação específica no gene da calmodulina a um problema nas células cardíacas.

Em 2021, um cientista resolveu atacar esse problema e para isso isolou o gene da calmodulina humana e introduziu no gene exatamente a mutação encontrada na mãe e nas crianças. A partir do gene mutado, ele produziu a calmodulina mutada e testou suas propriedades em células cardíacas. Num primeiro passo, ele demonstrou que essa mutação impede que a calmodulina se ligue ao cálcio, algo essencial para seu funcionamento. Em seguida demonstrou que essa calmodulina mutada altera o funcionamento das células cardíacas e provoca alterações no processo de contração e relaxamento muscular. Com esses dados, fica provado que a mutação presente na mãe e os filhos mortos pode ser a causa da parada cardíaca que levou à morte das crianças no berço.

Agora os cientistas prepararam um dossiê com todos os dados e os advogados pediram uma nova revisão do caso. A Academia de Ciência da Austrália se envolveu no processo de revisão e 90 geneticistas fizeram um abaixo-assinado atestando a solidez dos dados. O que eles esperam é que esses novos dados possam reverter a condenação de Kathleen. Ela sempre afirmou sua inocência. Muito provavelmente o culpado pelas mortes seja o gene de calmodulina mutado presente na mãe e transmitido aos filhos.

No dia primeiro de março de 1999 uma mulher australiana chamada Kathleen Folbigg encontrou sua filha Laura de 18 meses morta no berço. Este seria mais um caso de uma síndrome rara, ainda misteriosa, chamada de morte no berço (crib death), se não fosse por um fato notado pela polícia: Laura era o quarto filho de Kathleen achado morto no berço pela mãe.

Dez anos antes, em 1989, seu primeiro filho, Kaleb, havia morrido da mesma maneira. E dois anos depois, em fevereiro de 1991, o segundo filho, Patrick, também foi achado morto no berço. Em 30 de agosto de 1993, o terceiro filho, Sarah, também morreu no berço. As necropsias não encontraram nada de anormal nas quatro crianças ou sinais de violência.

Um diário da mãe onde ela descreve sua angústia com o trabalho que os filhos davam e sua culpa em não ter sido uma boa mãe também foi usado como evidência e levou o pai das crianças a acreditar na culpa da mulher. Kathleen foi condenada em 2003 a 40 anos de prisão e ficou conhecida como a maior serial killer de crianças da Austrália.

A australiana Kathleen Folbigg foi condenada a 40 anos de prisão, suspeita de matar os quatros filhos. Foto: DAVID GRAY / REUTERS

A condenação, sem evidências diretas dos assassinatos, foi polêmica. Em 2018, a defesa foi atrás de geneticistas na busca de alguma outra explicação para as quatro mortes. Apesar de não serem conhecidos genes envolvidos na síndrome da morte no berço, os cientistas acharam que seria uma boa ideia sequenciar o genoma de Kathleen.

Analisando o genoma, os cientistas encontraram uma mutação em um dos genes da calmodulina, uma proteína capaz de se ligar ao cálcio e envolvida no relaxamento das células musculares cardíacas. O problema é que essa mutação era nova e não tinha sido encontrada em nenhum outro ser humano e, portanto, era difícil saber se ela poderia ser responsável pela morte das crianças. Mesmo assim, os cientistas recomendaram que o genoma das crianças mortas fosse sequenciado. Por sorte existiam amostras de sangue e células das crianças em diversos hospitais e foi possível sequenciar seu genoma e demonstrar que a mutação tinha passado para as crianças.

Nos anos seguintes começaram a aparecer trabalhos científicos, demonstrando que outras mutações no gene da calmodulina provocavam problemas cardíacos, mas em nenhum caso essa mutação especifica estava presente. Assim, quando houve uma primeira revisão da condenação, o juiz decidiu que as evidências relacionadas a essa mutação eram insuficientes para reverter a condenação. Faltava algum dado que ligasse essa mutação específica no gene da calmodulina a um problema nas células cardíacas.

Em 2021, um cientista resolveu atacar esse problema e para isso isolou o gene da calmodulina humana e introduziu no gene exatamente a mutação encontrada na mãe e nas crianças. A partir do gene mutado, ele produziu a calmodulina mutada e testou suas propriedades em células cardíacas. Num primeiro passo, ele demonstrou que essa mutação impede que a calmodulina se ligue ao cálcio, algo essencial para seu funcionamento. Em seguida demonstrou que essa calmodulina mutada altera o funcionamento das células cardíacas e provoca alterações no processo de contração e relaxamento muscular. Com esses dados, fica provado que a mutação presente na mãe e os filhos mortos pode ser a causa da parada cardíaca que levou à morte das crianças no berço.

Agora os cientistas prepararam um dossiê com todos os dados e os advogados pediram uma nova revisão do caso. A Academia de Ciência da Austrália se envolveu no processo de revisão e 90 geneticistas fizeram um abaixo-assinado atestando a solidez dos dados. O que eles esperam é que esses novos dados possam reverter a condenação de Kathleen. Ela sempre afirmou sua inocência. Muito provavelmente o culpado pelas mortes seja o gene de calmodulina mutado presente na mãe e transmitido aos filhos.

No dia primeiro de março de 1999 uma mulher australiana chamada Kathleen Folbigg encontrou sua filha Laura de 18 meses morta no berço. Este seria mais um caso de uma síndrome rara, ainda misteriosa, chamada de morte no berço (crib death), se não fosse por um fato notado pela polícia: Laura era o quarto filho de Kathleen achado morto no berço pela mãe.

Dez anos antes, em 1989, seu primeiro filho, Kaleb, havia morrido da mesma maneira. E dois anos depois, em fevereiro de 1991, o segundo filho, Patrick, também foi achado morto no berço. Em 30 de agosto de 1993, o terceiro filho, Sarah, também morreu no berço. As necropsias não encontraram nada de anormal nas quatro crianças ou sinais de violência.

Um diário da mãe onde ela descreve sua angústia com o trabalho que os filhos davam e sua culpa em não ter sido uma boa mãe também foi usado como evidência e levou o pai das crianças a acreditar na culpa da mulher. Kathleen foi condenada em 2003 a 40 anos de prisão e ficou conhecida como a maior serial killer de crianças da Austrália.

A australiana Kathleen Folbigg foi condenada a 40 anos de prisão, suspeita de matar os quatros filhos. Foto: DAVID GRAY / REUTERS

A condenação, sem evidências diretas dos assassinatos, foi polêmica. Em 2018, a defesa foi atrás de geneticistas na busca de alguma outra explicação para as quatro mortes. Apesar de não serem conhecidos genes envolvidos na síndrome da morte no berço, os cientistas acharam que seria uma boa ideia sequenciar o genoma de Kathleen.

Analisando o genoma, os cientistas encontraram uma mutação em um dos genes da calmodulina, uma proteína capaz de se ligar ao cálcio e envolvida no relaxamento das células musculares cardíacas. O problema é que essa mutação era nova e não tinha sido encontrada em nenhum outro ser humano e, portanto, era difícil saber se ela poderia ser responsável pela morte das crianças. Mesmo assim, os cientistas recomendaram que o genoma das crianças mortas fosse sequenciado. Por sorte existiam amostras de sangue e células das crianças em diversos hospitais e foi possível sequenciar seu genoma e demonstrar que a mutação tinha passado para as crianças.

Nos anos seguintes começaram a aparecer trabalhos científicos, demonstrando que outras mutações no gene da calmodulina provocavam problemas cardíacos, mas em nenhum caso essa mutação especifica estava presente. Assim, quando houve uma primeira revisão da condenação, o juiz decidiu que as evidências relacionadas a essa mutação eram insuficientes para reverter a condenação. Faltava algum dado que ligasse essa mutação específica no gene da calmodulina a um problema nas células cardíacas.

Em 2021, um cientista resolveu atacar esse problema e para isso isolou o gene da calmodulina humana e introduziu no gene exatamente a mutação encontrada na mãe e nas crianças. A partir do gene mutado, ele produziu a calmodulina mutada e testou suas propriedades em células cardíacas. Num primeiro passo, ele demonstrou que essa mutação impede que a calmodulina se ligue ao cálcio, algo essencial para seu funcionamento. Em seguida demonstrou que essa calmodulina mutada altera o funcionamento das células cardíacas e provoca alterações no processo de contração e relaxamento muscular. Com esses dados, fica provado que a mutação presente na mãe e os filhos mortos pode ser a causa da parada cardíaca que levou à morte das crianças no berço.

Agora os cientistas prepararam um dossiê com todos os dados e os advogados pediram uma nova revisão do caso. A Academia de Ciência da Austrália se envolveu no processo de revisão e 90 geneticistas fizeram um abaixo-assinado atestando a solidez dos dados. O que eles esperam é que esses novos dados possam reverter a condenação de Kathleen. Ela sempre afirmou sua inocência. Muito provavelmente o culpado pelas mortes seja o gene de calmodulina mutado presente na mãe e transmitido aos filhos.

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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