No fim da década de 1980 fui a uma exposição no Museu de História Natural em Nova York. Não a impressionante coleção permanente de dinossauros, sempre cheia de crianças boquiabertas embaixo do Tiranossauro rex, mas a uma pequena exposição sobre o que podemos aprender examinando restos mortais.
A exposição era organizada segundo a idade dos restos mortais. Começava com o que podemos descobrir estudando um cadáver ainda fresco. Explicava o trabalho dos legistas e da polícia forense. Na sala seguinte, aprendi o que é possível descobrir sobre cadáveres durante a putrefação; na outra sala, como é possível estudar corpos mumificados, mamutes congelados e cadáveres milenares preservados em pântanos. E assim prosseguia a exposição: em cada sala, os cadáveres eram mais antigos, até chegarmos aos esqueletos, e finalmente aos esqueletos fossilizados.
Quanto mais antigo o cadáver, mais difícil descobrir o que ele fazia antes de morrer. Se encontramos um bilhete de despedida no bolso de um corpo pescado de um rio, dá para imaginar o que passou pela sua mente antes da morte. Mas é praticamente impossível descobrir os pensamentos que estavam no cérebro que habitava um crânio Neandertal.
Ao longo da exposição, me convenci tristonho que os segredos de nossos ancestrais distantes estavam perdidos e teríamos de nos contentar com as poucas informações obtidas diretamente dos ossos. Um crânio rachado por uma pancada conta sobre a violência da morte, mas pouco sobre os motivos da agressão.
Na última sala, em um canto, um display contava como alguns cientistas estavam extraindo DNA de ossos pré-históricos. Eles usavam broca de dentista para furar um dente e conseguiam extrair DNA da polpa. Ou extraíam DNA de múmias. Constataram que estava suficientemente preservado para ser sequenciado.
Percebi que isso poderia mudar completamente a arqueologia e a paleontologia. Voltei para meu laboratório e fui procurar na biblioteca os trabalhos desses cientistas que extraíam DNA de ossos pré-históricos. Foi nesse dia que li o primeiro trabalho de Svante Pääbo, a tese de doutoramento, em que demonstrou que era possível extrair DNA de múmias. Essa semana Pääbo recebeu o Nobel de Medicina.
Acompanhei como os trabalhos iniciais de Pääbo foram desacreditados, pois havia a possibilidade das minúsculas quantidades de DNA que conseguia extrair serem material recente, que teria contaminado as amostras durante o procedimento. E isso de fato foi demonstrado em vários casos.
Mas ao longo dos anos seguintes Pääbo conseguiu aperfeiçoar os métodos de extração e demonstrar que o DNA era realmente antigo. Com esse feito tecnológico, ossos deixaram de ser simples objetos macroscópicos para se tornarem caixinhas que preservam cópias do genoma daquele ser vivo. E isso revolucionou a paleontologia. Agora temos acesso ao genoma de seres vivos extintos milhões de anos atrás.
Nas últimas décadas, Pääbo utilizou essa tecnologia para estudar o genoma de centenas de seres vivos extintos, mas seu trabalho mais importante foi o sequenciamento do genoma dos Neandertais. Eles são aquela outra espécie, nossa prima próxima, com quem dividíamos o planeta até aproximadamente 30 mil anos atrás. Comparando nosso genoma com o dos Neandertais, o grupo de Pääbo descobriu que possuímos hoje genes vindos do Neandertais. Com isso ficou demonstrado que nossos ancestrais fizeram sexo com esses primos. Recentemente foi descoberta uma ossada de uma pessoa que era filha de um humano e um neandertal.
Quem diria décadas atrás que um jovem pós-graduando interessado em múmias e em furar dentes para extrair DNA conseguiria descobrir o comportamento sexual de pessoas que morreram faz dezenas de milhares anos? Pääbo poderia ter desistido de tentar extrair DNA de múmias e ossos quando foi crucificado pela comunidade científica, que não acreditava na confiabilidade de seus métodos, mas insistiu, chegou lá, e modificou completamente nosso conhecimento sobre nossos ancestrais. Sem dúvida merece o Prêmio Nobel.