Foi reinaugurada uma área de pesquisa importante, mas totalmente relegada por 170 anos. É a investigação dos corpúsculos de Krause, as terminações nervosas especiais que temos no pênis e no clítoris. É impressionante o descaso da ciência com o sistema sensorial presente nos órgãos sexuais. Os corpúsculos de Meissener, que estão presentes na ponta de nossos dedos, e nos ajudam no tato, são equivalentes aos de Krause, mas já foram extensivamente investigados e seu funcionamento é bem conhecido.
A novidade é que um grupo de cientistas resolveu tirar o atraso e agora publicou o primeiro estudo sobre o funcionamento dessas estruturas responsáveis por grande parte de nosso prazer sexual. Os corpúsculos de Krause foram descobertos por volta de 1850, sua morfologia foi determinada, e caíram no buraco da indiferença ou do prurido científico. Afinal, para estudar seu funcionamento é necessário estimular os órgãos genitais e observar o que acontece. Antes que sua imaginação decole, já vou avisando que os estudos foram feitos em camundongos.
De maneira muito simplificada podemos dizer que nosso sistema nervoso tem três componentes principais. O primeiro são os neurônios envolvidos na captura dos sinais que vêm do mundo exterior e sua transmissão até o cérebro. É nessa categoria que está a retina em nossos olhos, os neurônios presentes no ouvido, aqueles envolvidos no tato, na percepção de estímulos dolorosos, os do olfato e do paladar. Os corpúsculos de Krause estão nesse grupo pois capturam os estímulos que nossos órgãos genitais recebem do exterior, como carinhos e afagos.
Os estímulos vindos do mundo exterior chegam ao nosso cérebro e lá são processados, associados à memórias e podem chegar na nossa consciência. Esse processamento leva nosso cérebro a decidir qual a resposta adequada. E essa resposta é levada de volta às outras partes do corpo. Da mesma maneira que o olho informa ao cérebro a imagem de um animal, o cérebro decide que é uma cobra, e envia sinal aos músculos para pular de lado, os corpúsculos de Krause enviam ao cérebro os estímulos recebidos nos órgãos sexuais, o cérebro cria na consciência sentimentos de prazer e providencia que o corpo responda. No caso provocando o intumescimento do clítoris, a ereção.
Estudando a forma e o funcionamento dos corpúsculos de Krause em camundongos, os cientistas descobriram que existem entre 500 e 700 corpúsculos no pênis e no clítoris de cada animal. Mas, como o clítoris é muito menor, a densidades desses corpúsculos no clítoris é de 1500 por milímetro cúbico e de 50 por milímetro cúbico no pênis. Eles também descobriram que em ambos os sexos existem dois tipos de corpúsculos, um que possui terminais com dois tipos de fibras nervosas (são maiores), e um com somente um tipo de fibra nervosa.
Não foi possível descobrir se existem diferenças funcionais entre os dois tipos, mas ambas as fibras levam o estímulo para a medula espinhal. Monitorando a resposta dessas fibras nervosas, os cientistas descobriram que o corpúsculo de Krause responde mais intensamente a estímulos táteis leves, pouco à pressão, ou a estímulos mais fortes (carinho deve ser leve). Eles também respondem, tanto no pênis quanto no clítoris, a vibrações mecânicas, sendo mais eficientes estímulos entre 40 e 80 vibrações por segundo (dado importante para os fabricantes de vibradores).
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Finalmente os cientistas investigaram o que acontecia com a estimulação desses corpúsculos. Nos machos isso levava à ereção e nas fêmeas a contrações vaginais. Quando os cientistas, usando truques genéticos, conseguiram produzir camundongos que não possuem corpúsculos de Krause, observaram que nesses machos não ocorria a ereção ou a ejaculação. Já as fêmeas sem corpúsculos demonstravam uma baixa receptividade aos machos.
Todos esses resultados confirmam que os corpúsculos de Krause são os órgãos sensoriais envolvidos no estímulo sexual e nos comportamentos sexuais dos camundongos, algo que todos suspeitavam, mas que não havia sido investigado e demonstrado. Seguramente esses estudos inauguram um promissor campo de investigação. Me parece que o mais importante seria descobrir se existem diferenças funcionais entre os dois tipos de inervação e como esses estímulos são levados ao cérebro e processados.
Mais informações: Krause corpuscles are genital vibrotactile sensors for sexual behaviours. Nature 2024