Opinião|Como patinamos no gelo


Entre o patim e o gelo se forma camada de líquido cem vezes mais viscoso do que a água

Por Fernando Reinach

Bobeou, caiu. Esse é o relato de qualquer pessoa que tenta patinar no gelo pela primeira vez. E a razão é o baixíssimo atrito entre a lâmina de metal do patim e o gelo. O que eu não sabia é que os físicos ainda não conseguem explicar o porquê desse baixo atrito. O último grande progresso na busca de uma explicação para esse fenômeno foi feito por Michael Faraday. 

Qual fenômeno faz o gelo derreter sob os patins? Foto: REUTERS/Brian Snyder

Faraday é famoso por ter explicado os fenômenos eletromagnéticos, ou seja, a relação entre correntes elétricas e campos magnéticos (parte da Física que permitiu a invenção do motor elétrico e dos geradores de eletricidade). Em 1859, Faraday demonstrou que a razão de os patins deslizarem tão facilmente sobre o gelo é o fato de haver uma camada de água (gelo derretido) entre o patim e o gelo, que funcionaria como uma espécie de lubrificante. Desde então duas questões têm preocupado gerações de físicos: qual fenômeno faz o gelo derreter sob os patins e como a água, que é um péssimo lubrificante, diminui tanto o atrito entre o patim e o gelo. 

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O primeiro problema não foi resolvido – as duas principais explicações para a origem da camada de água, o calor gerado pelo atrito ou pela pressão, não indicam como o patim ainda desliza sobre superfícies de gelo em baixíssimas temperaturas. Mas o segundo problema foi resolvido agora por meio de um engenhoso experimento. E o resultado é surpreendente: o que há entre o patim e o gelo não é água líquida!

Se a água fosse o lubrificante que permite ao patim deslizar sobre o gelo sólido, seria possível patinar sobre uma superfície sólida, como um mármore polido ou uma placa de vidro coberta por uma camada de água, e sabemos que isso é impossível. Com a pressão do nosso peso sobre a lâmina do patim, a água imediatamente é expulsa do espaço entre o patim e o vidro e o atrito aumenta. Para deslizarmos sobre uma superfície de gelo com patins é preciso usar como lubrificante algo muito mais viscoso do que a água, como um óleo. Sem um patim, mas usando um sapato, é fácil escorregar sobre um piso liso molhado, mas aí o fenômeno é outro, o da aquaplanagem, responsável por acidentes no asfalto ensopado.

Para determinar as propriedades do líquido entre o patim e o gelo, os cientistas construíram um equipamento que consiste em um bastão com uma pequena esfera na ponta (equivalente à lâmina do patim). Esse bastão é acoplado a um vibrador que faz com que ele se desloque sobre o gelo em um vaivém constante. Medindo a força necessária para provocar o deslocamento desse bastão sobre o gelo e sua velocidade, é possível medir o atrito do bastão com o gelo. Isso pode ser feito com diferentes pressões do bastão sobre o gelo (simulando patinadores de diferentes pesos). Até aí nada de mais, isso já tinha sido feito antes e as medidas do atrito entre a esfera e o gelo confirmaram o atrito em patins comuns. 

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A grande inovação é que o bastão também é capaz de vibrar no sentido vertical. Essas vibrações verticais são minúsculas e não afetam o deslizar da esfera sobre o gelo, mas permitem calcular a viscosidade do líquido que está presente entre a esfera e o gelo. A descoberta importante é que esse líquido é cem vezes mais viscoso do que a água pura. Mas o que seria esse líquido? Após muitos experimentos, cientistas concluíram que o líquido é uma mistura de água líquida e micro cristais de gelo.

Essa mistura da água em dois estados faz com que ela se torne mais viscosa e um ótimo lubrificante. O fato de essa mistura só se formar entre o gelo e o patim, e não em pisos lisos como mármore ou vidro cobertos de água, explica por que não é possível patinar na cozinha molhada, mas é possível em um lago congelado.

Com essa descoberta, fica demonstrado que patinar no gelo só é possível porque entre o patim e o gelo se forma uma camada de líquido (descoberta de Faraday) e que esse líquido é um ótimo lubrificante, pois é cem vezes mais viscoso do que a água líquida. E mais: esse líquido é uma mistura de gelo e água. 

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Agora sobrou somente um fenômeno a ser explicado: como esse líquido se forma. Entre a primeira e a segunda descoberta se passaram 160 anos. Só espero que essa explicação não demore tanto pois gostaria de poder contar essa história aqui.

MAIS INFORMAÇÕES: NANORHEOLOGY OF INTERFACIAL WATER DURING ICE GLIDING. PHYSICAL REVIEW X VOL. 9 PAG. 041025 (2019) *É BIÓLOGO

Bobeou, caiu. Esse é o relato de qualquer pessoa que tenta patinar no gelo pela primeira vez. E a razão é o baixíssimo atrito entre a lâmina de metal do patim e o gelo. O que eu não sabia é que os físicos ainda não conseguem explicar o porquê desse baixo atrito. O último grande progresso na busca de uma explicação para esse fenômeno foi feito por Michael Faraday. 

Qual fenômeno faz o gelo derreter sob os patins? Foto: REUTERS/Brian Snyder

Faraday é famoso por ter explicado os fenômenos eletromagnéticos, ou seja, a relação entre correntes elétricas e campos magnéticos (parte da Física que permitiu a invenção do motor elétrico e dos geradores de eletricidade). Em 1859, Faraday demonstrou que a razão de os patins deslizarem tão facilmente sobre o gelo é o fato de haver uma camada de água (gelo derretido) entre o patim e o gelo, que funcionaria como uma espécie de lubrificante. Desde então duas questões têm preocupado gerações de físicos: qual fenômeno faz o gelo derreter sob os patins e como a água, que é um péssimo lubrificante, diminui tanto o atrito entre o patim e o gelo. 

O primeiro problema não foi resolvido – as duas principais explicações para a origem da camada de água, o calor gerado pelo atrito ou pela pressão, não indicam como o patim ainda desliza sobre superfícies de gelo em baixíssimas temperaturas. Mas o segundo problema foi resolvido agora por meio de um engenhoso experimento. E o resultado é surpreendente: o que há entre o patim e o gelo não é água líquida!

Se a água fosse o lubrificante que permite ao patim deslizar sobre o gelo sólido, seria possível patinar sobre uma superfície sólida, como um mármore polido ou uma placa de vidro coberta por uma camada de água, e sabemos que isso é impossível. Com a pressão do nosso peso sobre a lâmina do patim, a água imediatamente é expulsa do espaço entre o patim e o vidro e o atrito aumenta. Para deslizarmos sobre uma superfície de gelo com patins é preciso usar como lubrificante algo muito mais viscoso do que a água, como um óleo. Sem um patim, mas usando um sapato, é fácil escorregar sobre um piso liso molhado, mas aí o fenômeno é outro, o da aquaplanagem, responsável por acidentes no asfalto ensopado.

Para determinar as propriedades do líquido entre o patim e o gelo, os cientistas construíram um equipamento que consiste em um bastão com uma pequena esfera na ponta (equivalente à lâmina do patim). Esse bastão é acoplado a um vibrador que faz com que ele se desloque sobre o gelo em um vaivém constante. Medindo a força necessária para provocar o deslocamento desse bastão sobre o gelo e sua velocidade, é possível medir o atrito do bastão com o gelo. Isso pode ser feito com diferentes pressões do bastão sobre o gelo (simulando patinadores de diferentes pesos). Até aí nada de mais, isso já tinha sido feito antes e as medidas do atrito entre a esfera e o gelo confirmaram o atrito em patins comuns. 

A grande inovação é que o bastão também é capaz de vibrar no sentido vertical. Essas vibrações verticais são minúsculas e não afetam o deslizar da esfera sobre o gelo, mas permitem calcular a viscosidade do líquido que está presente entre a esfera e o gelo. A descoberta importante é que esse líquido é cem vezes mais viscoso do que a água pura. Mas o que seria esse líquido? Após muitos experimentos, cientistas concluíram que o líquido é uma mistura de água líquida e micro cristais de gelo.

Essa mistura da água em dois estados faz com que ela se torne mais viscosa e um ótimo lubrificante. O fato de essa mistura só se formar entre o gelo e o patim, e não em pisos lisos como mármore ou vidro cobertos de água, explica por que não é possível patinar na cozinha molhada, mas é possível em um lago congelado.

Com essa descoberta, fica demonstrado que patinar no gelo só é possível porque entre o patim e o gelo se forma uma camada de líquido (descoberta de Faraday) e que esse líquido é um ótimo lubrificante, pois é cem vezes mais viscoso do que a água líquida. E mais: esse líquido é uma mistura de gelo e água. 

Agora sobrou somente um fenômeno a ser explicado: como esse líquido se forma. Entre a primeira e a segunda descoberta se passaram 160 anos. Só espero que essa explicação não demore tanto pois gostaria de poder contar essa história aqui.

MAIS INFORMAÇÕES: NANORHEOLOGY OF INTERFACIAL WATER DURING ICE GLIDING. PHYSICAL REVIEW X VOL. 9 PAG. 041025 (2019) *É BIÓLOGO

Bobeou, caiu. Esse é o relato de qualquer pessoa que tenta patinar no gelo pela primeira vez. E a razão é o baixíssimo atrito entre a lâmina de metal do patim e o gelo. O que eu não sabia é que os físicos ainda não conseguem explicar o porquê desse baixo atrito. O último grande progresso na busca de uma explicação para esse fenômeno foi feito por Michael Faraday. 

Qual fenômeno faz o gelo derreter sob os patins? Foto: REUTERS/Brian Snyder

Faraday é famoso por ter explicado os fenômenos eletromagnéticos, ou seja, a relação entre correntes elétricas e campos magnéticos (parte da Física que permitiu a invenção do motor elétrico e dos geradores de eletricidade). Em 1859, Faraday demonstrou que a razão de os patins deslizarem tão facilmente sobre o gelo é o fato de haver uma camada de água (gelo derretido) entre o patim e o gelo, que funcionaria como uma espécie de lubrificante. Desde então duas questões têm preocupado gerações de físicos: qual fenômeno faz o gelo derreter sob os patins e como a água, que é um péssimo lubrificante, diminui tanto o atrito entre o patim e o gelo. 

O primeiro problema não foi resolvido – as duas principais explicações para a origem da camada de água, o calor gerado pelo atrito ou pela pressão, não indicam como o patim ainda desliza sobre superfícies de gelo em baixíssimas temperaturas. Mas o segundo problema foi resolvido agora por meio de um engenhoso experimento. E o resultado é surpreendente: o que há entre o patim e o gelo não é água líquida!

Se a água fosse o lubrificante que permite ao patim deslizar sobre o gelo sólido, seria possível patinar sobre uma superfície sólida, como um mármore polido ou uma placa de vidro coberta por uma camada de água, e sabemos que isso é impossível. Com a pressão do nosso peso sobre a lâmina do patim, a água imediatamente é expulsa do espaço entre o patim e o vidro e o atrito aumenta. Para deslizarmos sobre uma superfície de gelo com patins é preciso usar como lubrificante algo muito mais viscoso do que a água, como um óleo. Sem um patim, mas usando um sapato, é fácil escorregar sobre um piso liso molhado, mas aí o fenômeno é outro, o da aquaplanagem, responsável por acidentes no asfalto ensopado.

Para determinar as propriedades do líquido entre o patim e o gelo, os cientistas construíram um equipamento que consiste em um bastão com uma pequena esfera na ponta (equivalente à lâmina do patim). Esse bastão é acoplado a um vibrador que faz com que ele se desloque sobre o gelo em um vaivém constante. Medindo a força necessária para provocar o deslocamento desse bastão sobre o gelo e sua velocidade, é possível medir o atrito do bastão com o gelo. Isso pode ser feito com diferentes pressões do bastão sobre o gelo (simulando patinadores de diferentes pesos). Até aí nada de mais, isso já tinha sido feito antes e as medidas do atrito entre a esfera e o gelo confirmaram o atrito em patins comuns. 

A grande inovação é que o bastão também é capaz de vibrar no sentido vertical. Essas vibrações verticais são minúsculas e não afetam o deslizar da esfera sobre o gelo, mas permitem calcular a viscosidade do líquido que está presente entre a esfera e o gelo. A descoberta importante é que esse líquido é cem vezes mais viscoso do que a água pura. Mas o que seria esse líquido? Após muitos experimentos, cientistas concluíram que o líquido é uma mistura de água líquida e micro cristais de gelo.

Essa mistura da água em dois estados faz com que ela se torne mais viscosa e um ótimo lubrificante. O fato de essa mistura só se formar entre o gelo e o patim, e não em pisos lisos como mármore ou vidro cobertos de água, explica por que não é possível patinar na cozinha molhada, mas é possível em um lago congelado.

Com essa descoberta, fica demonstrado que patinar no gelo só é possível porque entre o patim e o gelo se forma uma camada de líquido (descoberta de Faraday) e que esse líquido é um ótimo lubrificante, pois é cem vezes mais viscoso do que a água líquida. E mais: esse líquido é uma mistura de gelo e água. 

Agora sobrou somente um fenômeno a ser explicado: como esse líquido se forma. Entre a primeira e a segunda descoberta se passaram 160 anos. Só espero que essa explicação não demore tanto pois gostaria de poder contar essa história aqui.

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