Opinião|Como seria uma cidade habitada por pessoas com inteligência artificial? Cientistas testaram; entenda


Um grupo de 25 pessoas artificiais (PAs) foram desenvolvidas para viverem de forma independente, sem interferência humana, em um mundo digital

Por Fernando Reinach

Nos últimos meses surgiram as primeiras inteligências artificiais realmente poderosas. Nós já podemos conversar com uma dessas inteligências, o chatGPT, através de uma caixa de diálogo num website (https://chat.openai.com/). Eu descrevi essa experiencia faz algumas semanas e tentei mostrar como é difícil para um ser humano distinguir se está conversando com outro ser humano ou com um computador.

O que muitos se perguntam é se essa mente artificial já poderia tomar o lugar de nosso cérebro e nos guiar nas tarefas do dia a dia. O experimento ideal para testar essa ideia seria retirar o cérebro de uma pessoa e substituí-lo por uma dessas inteligências, da mesma maneira que trocamos nossos joelhos por um joelho de metal. Como isso não é possível, os cientistas criaram no computador as funções do resto do corpo de um ser vivo em volta dessa inteligência.

Cidade criada para 25 pessoas com Inteligência Artificial viverem de forma independente. Foto: Reprodução/Estudo: "Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior"
continua após a publicidade

Na verdade, eles criaram 25 dessas “pessoas” e as colocaram em um mundo virtual, inspirado em um videogame. Esse mundo virtual possui casas, escolas e ruas. As casas têm vários ambientes com cadeiras, geladeiras, fogões, camas, portas e tudo mais. E aí deixaram essas 25 pessoas guiadas por inteligências artificiais viverem suas vidas de forma independente, sem interferência humana.

Para construir essas 25 pessoas artificiais (PAs), os cientistas acrescentaram várias capacidades ao redor da inteligência artificial. Primeiro, eles adicionaram a capacidade de observar o ambiente. Assim, a PA percebe se está na sala ou no quarto de uma das casas, consegue saber o horário e determinar se uma porta está aberta fechada ou trancada. Consegue perceber a aproximação de outra PA. Além disso, consegue captar o que a outra PA fala.

Todas essas informações são estocadas em uma memória individual de cada PA, que guarda tudo que acontece com ela ao longo de sua vida. Essa memória pode ser acessada pela inteligência artificial da PA e é utilizada para tirar conclusões sobre o ambiente a cada momento (são 9h da noite e estou no quarto com fome, ou é de manhã estou na rua, e esse na minha frente é o PA da casa ao lado, que já encontrei ontem e conversei sobre o tráfego).

continua após a publicidade

A partir dessas conclusões, construídas usando a memória, e tudo que a inteligência artificial sabe sobre o mundo, um terceiro módulo da PA planeja e executa ações (ir à escola, voltar da escola, cozinhar, ir ao banheiro, fechar a porta, andar e conversar com outra PA).

Após construir esses 25 PAs idênticas, a memória de cada uma delas foi iniciada com uma breve descrição da sua identidade (sou o José, tenho 25 anos e estudo música. Toco piano e sou sociável). Fora esses dados iniciais, os 25 PAs eram idênticos. Eles foram então distribuídos nas diversas casas do pequeno mundo virtual. Em seguida os cientistas iniciaram o sistema e não interferiram no que acontecia.

continua após a publicidade

De fora, os cientistas podiam observar o movimento dos PAs, observar o que ia se acumulando na memória de cada uma delas, tanto quando observavam o ambiente quanto quando conversavam entre si. Isso mesmo, conversavam uma com a outra, como nós conversamos com o chatGPT. As PAs passaram a viver de forma independente e autônoma na sua pequena cidade virtual.

Os cientistas observaram o aparecimento de uma série de fenômenos sociais entre as PAs. Logo as PAs aprenderam o nome, as características, interesses e profissões uns dos outros. Observaram que algo dito por um deles se espalhava na comunidade através das conversas.

Estudo mostra a maneira como os humanos artificiais, de forma espontânea, se relacionaram no experimento. Foto: Reprodução/Estudo: Reprodução/Estudo: "Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior"
continua após a publicidade

As PAs aprenderam a esperar na porta de um banheiro se outro estava lá dentro. Todos dormiam à noite, acordavam, se alimentavam, iam para seus trabalhos e trocavam experiências. Num dos eventos mais marcantes, um deles decidiu fazer uma festa de Halloween. Ele comunicou a todos a intenção, fez os convites e escolheu a data e o local. Muitos outros combinaram de ir juntos à festa. Alguns apareceram na casa do organizador na data prevista. Outros faltaram e depois se justificaram. Tudo isso ocorreu dentro desse mundo virtual, sem interferência humana, com a inteligência artificial de cada PA comandando seus atos.

Os cientistas concluíram que muitos comportamentos sociais típicos de seres humanos surgem espontaneamente nesse mundo virtual habitado por PAs (pessoas artificiais). Isso demonstra que inteligências artificiais são capazes, de forma limitada, a comandar um ser artificial com as características de um ser humano.

Agora os cientistas estão começando a fazer experimentos nessa cidade autônoma habitada por PAs. Um dos experimentos é adicionar propositalmente informações na memória de um PA (por exemplo, dizer que outra PA é mentirosa, ou que uma PA vai concorrer para prefeito) e observar o que acontece na sociedade. Outro experimento consiste em um cientista atuar como uma PA, mas usando sua própria mente para comandar suas ações (por exemplo, entrar no mundo e deitar na cama de outro PA). Esses experimentos podem indicar como essas pessoas artificiais, guiadas por inteligência artificial, se comportam nessas situações. Elas xingam? Se tornam violentas? Discutem?

continua após a publicidade

O problema atual é que esse mundo artificial é caro. Seu funcionamento, a cada dia, custa centenas de milhares de dólares em tempo de computador. É por isso que esses experimentos estão sendo feitos em uma colaboração entre o Google e cientistas de Stanford. Nos próximos anos, teremos inteligências artificiais mais poderosas, PAs mais elaboradas, e cidades ou sociedades mais complexas com milhares de PAs. Aí então vamos poder analisar quão parecidas com nossas sociedades serão as sociedades habitadas por PAs.

Mais informações: Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior arXiv:2304.03442v1 2023

Fernando Reinach é biólogo.

Nos últimos meses surgiram as primeiras inteligências artificiais realmente poderosas. Nós já podemos conversar com uma dessas inteligências, o chatGPT, através de uma caixa de diálogo num website (https://chat.openai.com/). Eu descrevi essa experiencia faz algumas semanas e tentei mostrar como é difícil para um ser humano distinguir se está conversando com outro ser humano ou com um computador.

O que muitos se perguntam é se essa mente artificial já poderia tomar o lugar de nosso cérebro e nos guiar nas tarefas do dia a dia. O experimento ideal para testar essa ideia seria retirar o cérebro de uma pessoa e substituí-lo por uma dessas inteligências, da mesma maneira que trocamos nossos joelhos por um joelho de metal. Como isso não é possível, os cientistas criaram no computador as funções do resto do corpo de um ser vivo em volta dessa inteligência.

Cidade criada para 25 pessoas com Inteligência Artificial viverem de forma independente. Foto: Reprodução/Estudo: "Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior"

Na verdade, eles criaram 25 dessas “pessoas” e as colocaram em um mundo virtual, inspirado em um videogame. Esse mundo virtual possui casas, escolas e ruas. As casas têm vários ambientes com cadeiras, geladeiras, fogões, camas, portas e tudo mais. E aí deixaram essas 25 pessoas guiadas por inteligências artificiais viverem suas vidas de forma independente, sem interferência humana.

Para construir essas 25 pessoas artificiais (PAs), os cientistas acrescentaram várias capacidades ao redor da inteligência artificial. Primeiro, eles adicionaram a capacidade de observar o ambiente. Assim, a PA percebe se está na sala ou no quarto de uma das casas, consegue saber o horário e determinar se uma porta está aberta fechada ou trancada. Consegue perceber a aproximação de outra PA. Além disso, consegue captar o que a outra PA fala.

Todas essas informações são estocadas em uma memória individual de cada PA, que guarda tudo que acontece com ela ao longo de sua vida. Essa memória pode ser acessada pela inteligência artificial da PA e é utilizada para tirar conclusões sobre o ambiente a cada momento (são 9h da noite e estou no quarto com fome, ou é de manhã estou na rua, e esse na minha frente é o PA da casa ao lado, que já encontrei ontem e conversei sobre o tráfego).

A partir dessas conclusões, construídas usando a memória, e tudo que a inteligência artificial sabe sobre o mundo, um terceiro módulo da PA planeja e executa ações (ir à escola, voltar da escola, cozinhar, ir ao banheiro, fechar a porta, andar e conversar com outra PA).

Após construir esses 25 PAs idênticas, a memória de cada uma delas foi iniciada com uma breve descrição da sua identidade (sou o José, tenho 25 anos e estudo música. Toco piano e sou sociável). Fora esses dados iniciais, os 25 PAs eram idênticos. Eles foram então distribuídos nas diversas casas do pequeno mundo virtual. Em seguida os cientistas iniciaram o sistema e não interferiram no que acontecia.

De fora, os cientistas podiam observar o movimento dos PAs, observar o que ia se acumulando na memória de cada uma delas, tanto quando observavam o ambiente quanto quando conversavam entre si. Isso mesmo, conversavam uma com a outra, como nós conversamos com o chatGPT. As PAs passaram a viver de forma independente e autônoma na sua pequena cidade virtual.

Os cientistas observaram o aparecimento de uma série de fenômenos sociais entre as PAs. Logo as PAs aprenderam o nome, as características, interesses e profissões uns dos outros. Observaram que algo dito por um deles se espalhava na comunidade através das conversas.

Estudo mostra a maneira como os humanos artificiais, de forma espontânea, se relacionaram no experimento. Foto: Reprodução/Estudo: Reprodução/Estudo: "Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior"

As PAs aprenderam a esperar na porta de um banheiro se outro estava lá dentro. Todos dormiam à noite, acordavam, se alimentavam, iam para seus trabalhos e trocavam experiências. Num dos eventos mais marcantes, um deles decidiu fazer uma festa de Halloween. Ele comunicou a todos a intenção, fez os convites e escolheu a data e o local. Muitos outros combinaram de ir juntos à festa. Alguns apareceram na casa do organizador na data prevista. Outros faltaram e depois se justificaram. Tudo isso ocorreu dentro desse mundo virtual, sem interferência humana, com a inteligência artificial de cada PA comandando seus atos.

Os cientistas concluíram que muitos comportamentos sociais típicos de seres humanos surgem espontaneamente nesse mundo virtual habitado por PAs (pessoas artificiais). Isso demonstra que inteligências artificiais são capazes, de forma limitada, a comandar um ser artificial com as características de um ser humano.

Agora os cientistas estão começando a fazer experimentos nessa cidade autônoma habitada por PAs. Um dos experimentos é adicionar propositalmente informações na memória de um PA (por exemplo, dizer que outra PA é mentirosa, ou que uma PA vai concorrer para prefeito) e observar o que acontece na sociedade. Outro experimento consiste em um cientista atuar como uma PA, mas usando sua própria mente para comandar suas ações (por exemplo, entrar no mundo e deitar na cama de outro PA). Esses experimentos podem indicar como essas pessoas artificiais, guiadas por inteligência artificial, se comportam nessas situações. Elas xingam? Se tornam violentas? Discutem?

O problema atual é que esse mundo artificial é caro. Seu funcionamento, a cada dia, custa centenas de milhares de dólares em tempo de computador. É por isso que esses experimentos estão sendo feitos em uma colaboração entre o Google e cientistas de Stanford. Nos próximos anos, teremos inteligências artificiais mais poderosas, PAs mais elaboradas, e cidades ou sociedades mais complexas com milhares de PAs. Aí então vamos poder analisar quão parecidas com nossas sociedades serão as sociedades habitadas por PAs.

Mais informações: Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior arXiv:2304.03442v1 2023

Fernando Reinach é biólogo.

Nos últimos meses surgiram as primeiras inteligências artificiais realmente poderosas. Nós já podemos conversar com uma dessas inteligências, o chatGPT, através de uma caixa de diálogo num website (https://chat.openai.com/). Eu descrevi essa experiencia faz algumas semanas e tentei mostrar como é difícil para um ser humano distinguir se está conversando com outro ser humano ou com um computador.

O que muitos se perguntam é se essa mente artificial já poderia tomar o lugar de nosso cérebro e nos guiar nas tarefas do dia a dia. O experimento ideal para testar essa ideia seria retirar o cérebro de uma pessoa e substituí-lo por uma dessas inteligências, da mesma maneira que trocamos nossos joelhos por um joelho de metal. Como isso não é possível, os cientistas criaram no computador as funções do resto do corpo de um ser vivo em volta dessa inteligência.

Cidade criada para 25 pessoas com Inteligência Artificial viverem de forma independente. Foto: Reprodução/Estudo: "Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior"

Na verdade, eles criaram 25 dessas “pessoas” e as colocaram em um mundo virtual, inspirado em um videogame. Esse mundo virtual possui casas, escolas e ruas. As casas têm vários ambientes com cadeiras, geladeiras, fogões, camas, portas e tudo mais. E aí deixaram essas 25 pessoas guiadas por inteligências artificiais viverem suas vidas de forma independente, sem interferência humana.

Para construir essas 25 pessoas artificiais (PAs), os cientistas acrescentaram várias capacidades ao redor da inteligência artificial. Primeiro, eles adicionaram a capacidade de observar o ambiente. Assim, a PA percebe se está na sala ou no quarto de uma das casas, consegue saber o horário e determinar se uma porta está aberta fechada ou trancada. Consegue perceber a aproximação de outra PA. Além disso, consegue captar o que a outra PA fala.

Todas essas informações são estocadas em uma memória individual de cada PA, que guarda tudo que acontece com ela ao longo de sua vida. Essa memória pode ser acessada pela inteligência artificial da PA e é utilizada para tirar conclusões sobre o ambiente a cada momento (são 9h da noite e estou no quarto com fome, ou é de manhã estou na rua, e esse na minha frente é o PA da casa ao lado, que já encontrei ontem e conversei sobre o tráfego).

A partir dessas conclusões, construídas usando a memória, e tudo que a inteligência artificial sabe sobre o mundo, um terceiro módulo da PA planeja e executa ações (ir à escola, voltar da escola, cozinhar, ir ao banheiro, fechar a porta, andar e conversar com outra PA).

Após construir esses 25 PAs idênticas, a memória de cada uma delas foi iniciada com uma breve descrição da sua identidade (sou o José, tenho 25 anos e estudo música. Toco piano e sou sociável). Fora esses dados iniciais, os 25 PAs eram idênticos. Eles foram então distribuídos nas diversas casas do pequeno mundo virtual. Em seguida os cientistas iniciaram o sistema e não interferiram no que acontecia.

De fora, os cientistas podiam observar o movimento dos PAs, observar o que ia se acumulando na memória de cada uma delas, tanto quando observavam o ambiente quanto quando conversavam entre si. Isso mesmo, conversavam uma com a outra, como nós conversamos com o chatGPT. As PAs passaram a viver de forma independente e autônoma na sua pequena cidade virtual.

Os cientistas observaram o aparecimento de uma série de fenômenos sociais entre as PAs. Logo as PAs aprenderam o nome, as características, interesses e profissões uns dos outros. Observaram que algo dito por um deles se espalhava na comunidade através das conversas.

Estudo mostra a maneira como os humanos artificiais, de forma espontânea, se relacionaram no experimento. Foto: Reprodução/Estudo: Reprodução/Estudo: "Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior"

As PAs aprenderam a esperar na porta de um banheiro se outro estava lá dentro. Todos dormiam à noite, acordavam, se alimentavam, iam para seus trabalhos e trocavam experiências. Num dos eventos mais marcantes, um deles decidiu fazer uma festa de Halloween. Ele comunicou a todos a intenção, fez os convites e escolheu a data e o local. Muitos outros combinaram de ir juntos à festa. Alguns apareceram na casa do organizador na data prevista. Outros faltaram e depois se justificaram. Tudo isso ocorreu dentro desse mundo virtual, sem interferência humana, com a inteligência artificial de cada PA comandando seus atos.

Os cientistas concluíram que muitos comportamentos sociais típicos de seres humanos surgem espontaneamente nesse mundo virtual habitado por PAs (pessoas artificiais). Isso demonstra que inteligências artificiais são capazes, de forma limitada, a comandar um ser artificial com as características de um ser humano.

Agora os cientistas estão começando a fazer experimentos nessa cidade autônoma habitada por PAs. Um dos experimentos é adicionar propositalmente informações na memória de um PA (por exemplo, dizer que outra PA é mentirosa, ou que uma PA vai concorrer para prefeito) e observar o que acontece na sociedade. Outro experimento consiste em um cientista atuar como uma PA, mas usando sua própria mente para comandar suas ações (por exemplo, entrar no mundo e deitar na cama de outro PA). Esses experimentos podem indicar como essas pessoas artificiais, guiadas por inteligência artificial, se comportam nessas situações. Elas xingam? Se tornam violentas? Discutem?

O problema atual é que esse mundo artificial é caro. Seu funcionamento, a cada dia, custa centenas de milhares de dólares em tempo de computador. É por isso que esses experimentos estão sendo feitos em uma colaboração entre o Google e cientistas de Stanford. Nos próximos anos, teremos inteligências artificiais mais poderosas, PAs mais elaboradas, e cidades ou sociedades mais complexas com milhares de PAs. Aí então vamos poder analisar quão parecidas com nossas sociedades serão as sociedades habitadas por PAs.

Mais informações: Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior arXiv:2304.03442v1 2023

Fernando Reinach é biólogo.

Nos últimos meses surgiram as primeiras inteligências artificiais realmente poderosas. Nós já podemos conversar com uma dessas inteligências, o chatGPT, através de uma caixa de diálogo num website (https://chat.openai.com/). Eu descrevi essa experiencia faz algumas semanas e tentei mostrar como é difícil para um ser humano distinguir se está conversando com outro ser humano ou com um computador.

O que muitos se perguntam é se essa mente artificial já poderia tomar o lugar de nosso cérebro e nos guiar nas tarefas do dia a dia. O experimento ideal para testar essa ideia seria retirar o cérebro de uma pessoa e substituí-lo por uma dessas inteligências, da mesma maneira que trocamos nossos joelhos por um joelho de metal. Como isso não é possível, os cientistas criaram no computador as funções do resto do corpo de um ser vivo em volta dessa inteligência.

Cidade criada para 25 pessoas com Inteligência Artificial viverem de forma independente. Foto: Reprodução/Estudo: "Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior"

Na verdade, eles criaram 25 dessas “pessoas” e as colocaram em um mundo virtual, inspirado em um videogame. Esse mundo virtual possui casas, escolas e ruas. As casas têm vários ambientes com cadeiras, geladeiras, fogões, camas, portas e tudo mais. E aí deixaram essas 25 pessoas guiadas por inteligências artificiais viverem suas vidas de forma independente, sem interferência humana.

Para construir essas 25 pessoas artificiais (PAs), os cientistas acrescentaram várias capacidades ao redor da inteligência artificial. Primeiro, eles adicionaram a capacidade de observar o ambiente. Assim, a PA percebe se está na sala ou no quarto de uma das casas, consegue saber o horário e determinar se uma porta está aberta fechada ou trancada. Consegue perceber a aproximação de outra PA. Além disso, consegue captar o que a outra PA fala.

Todas essas informações são estocadas em uma memória individual de cada PA, que guarda tudo que acontece com ela ao longo de sua vida. Essa memória pode ser acessada pela inteligência artificial da PA e é utilizada para tirar conclusões sobre o ambiente a cada momento (são 9h da noite e estou no quarto com fome, ou é de manhã estou na rua, e esse na minha frente é o PA da casa ao lado, que já encontrei ontem e conversei sobre o tráfego).

A partir dessas conclusões, construídas usando a memória, e tudo que a inteligência artificial sabe sobre o mundo, um terceiro módulo da PA planeja e executa ações (ir à escola, voltar da escola, cozinhar, ir ao banheiro, fechar a porta, andar e conversar com outra PA).

Após construir esses 25 PAs idênticas, a memória de cada uma delas foi iniciada com uma breve descrição da sua identidade (sou o José, tenho 25 anos e estudo música. Toco piano e sou sociável). Fora esses dados iniciais, os 25 PAs eram idênticos. Eles foram então distribuídos nas diversas casas do pequeno mundo virtual. Em seguida os cientistas iniciaram o sistema e não interferiram no que acontecia.

De fora, os cientistas podiam observar o movimento dos PAs, observar o que ia se acumulando na memória de cada uma delas, tanto quando observavam o ambiente quanto quando conversavam entre si. Isso mesmo, conversavam uma com a outra, como nós conversamos com o chatGPT. As PAs passaram a viver de forma independente e autônoma na sua pequena cidade virtual.

Os cientistas observaram o aparecimento de uma série de fenômenos sociais entre as PAs. Logo as PAs aprenderam o nome, as características, interesses e profissões uns dos outros. Observaram que algo dito por um deles se espalhava na comunidade através das conversas.

Estudo mostra a maneira como os humanos artificiais, de forma espontânea, se relacionaram no experimento. Foto: Reprodução/Estudo: Reprodução/Estudo: "Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior"

As PAs aprenderam a esperar na porta de um banheiro se outro estava lá dentro. Todos dormiam à noite, acordavam, se alimentavam, iam para seus trabalhos e trocavam experiências. Num dos eventos mais marcantes, um deles decidiu fazer uma festa de Halloween. Ele comunicou a todos a intenção, fez os convites e escolheu a data e o local. Muitos outros combinaram de ir juntos à festa. Alguns apareceram na casa do organizador na data prevista. Outros faltaram e depois se justificaram. Tudo isso ocorreu dentro desse mundo virtual, sem interferência humana, com a inteligência artificial de cada PA comandando seus atos.

Os cientistas concluíram que muitos comportamentos sociais típicos de seres humanos surgem espontaneamente nesse mundo virtual habitado por PAs (pessoas artificiais). Isso demonstra que inteligências artificiais são capazes, de forma limitada, a comandar um ser artificial com as características de um ser humano.

Agora os cientistas estão começando a fazer experimentos nessa cidade autônoma habitada por PAs. Um dos experimentos é adicionar propositalmente informações na memória de um PA (por exemplo, dizer que outra PA é mentirosa, ou que uma PA vai concorrer para prefeito) e observar o que acontece na sociedade. Outro experimento consiste em um cientista atuar como uma PA, mas usando sua própria mente para comandar suas ações (por exemplo, entrar no mundo e deitar na cama de outro PA). Esses experimentos podem indicar como essas pessoas artificiais, guiadas por inteligência artificial, se comportam nessas situações. Elas xingam? Se tornam violentas? Discutem?

O problema atual é que esse mundo artificial é caro. Seu funcionamento, a cada dia, custa centenas de milhares de dólares em tempo de computador. É por isso que esses experimentos estão sendo feitos em uma colaboração entre o Google e cientistas de Stanford. Nos próximos anos, teremos inteligências artificiais mais poderosas, PAs mais elaboradas, e cidades ou sociedades mais complexas com milhares de PAs. Aí então vamos poder analisar quão parecidas com nossas sociedades serão as sociedades habitadas por PAs.

Mais informações: Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior arXiv:2304.03442v1 2023

Fernando Reinach é biólogo.

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.